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Pastor Elpídio e uma questão… muito louca

Ela veio aos prantos e carregava um peso invisível que pesou a alma de quem frequentava o templo. Segurou forte os braços do pastor e continuou jorrando lágrimas e soluços. Elpídio a conduziu a um ambiente particular e pediu que aguardasse enquanto buscava um chá para acalmar. Voltou logo, colocou a caneca entre as mãos de Suzana e apertou-as carinhosamente. Quando notou que podia, perguntou qual era o motivo do desespero.

_É meu filho Matheus, pastor, ele…

Interrompeu a frase e soluçou por mais alguns minutos.

Elpídio indicou que ela tomasse o chá, mas ela não o fez e continuou descontrolada.

_Que pena, coitado, ele morreu, não foi? Perguntou Elpídio, falando um tom mais alto do que o pranto da mulher.

Ela olhou feio e cortando um soluço ao meio, mandou o pastor virar a boca pra lá.

_Não, ele foi preso!

_Sinto muito. Estar na cadeia e perder a liberdade é quase tão ruim quanto estar morto, mas tome seu chá para que se acalme e possamos conversar.

Ela deu uma talagada na bebida e disse que o rapaz já não estava mais preso. Juntara algumas economias e pagara a fiança no mesmo dia da prisão.

Elpídio a tranquilizou, dizendo que era menos mal.

_Não é menos mal, pastor, ele foi preso com maconha! Meu filho é um drogado! Tantos anos vindo ao culto, ouvindo que é proibido e que Deus condena, não serviram de nada!

Elpídio ergueu-se e lentamente deixou o recinto. Caminhou até o corredor, conferiu se o pastor Felicinaro não espreitava. Logo retornou, encostou a porta e colocou-se novamente ao lado da mãe desesperada.

_Fique calma, seu filho está vivo, livre e isso é o “algo bom” a ser visto agora.

_Ele não podia ter feito isso comigo, pastor, não podia!

_Engraçado, como foi que ele fez então, não é?

_Você está tripudiando do meu sofrimento, pastor? Indignou-se Suzana. Eu dei a ele uma educação cristã e meu filho nunca foi um vagabundo como esses maconheiros que a gente vê. Ele não podia ter feito porque eu ensinei o que é certo, ele não pode!!

_Suzana, eu busco te confortar, mas para isso você deve entender os motivos do seu filho e a relativa gravidade de tudo isso. O que eu quero dizer é que devemos escolher algum outro verbo. Se ele realmente não pudesse, não o teria feito. Se não pudesse, não haveria mais de 20 milhões de pessoas fazendo isso a cada ano no mundo. Se ele não pudesse, os seres humanos não estariam fazendo isso há mais de 4 mil anos. O mendigo pode usar e usa, o milionário usa, o jovem, o velho e a velha, os famosos e os anônimos. Há políticos da direita e da esquerda que usam. Há padres, pastores e rabinos que usam. Usam em países onde ela é legalizada e em países onde ela é criminalizada e não há lei que consiga impedir que o façam, porque envolve o desejo humano e leis não cerceiam o desejo. Ele pode usar, Suzana.

Também não vou dizer que foi o diabo quem dominou seu filho e apresentou a droga a ele. Se quer ouvir isso é melhor você procurar o outro pastor. Seu filho usou de seu livre arbítrio. Não estando disposta a entender, aceitar e continuar vendo algo de bom em seu filho apesar desse fato, teria sido melhor você não ter pago a fiança e o deixado na cadeia para ser castigado. Matheus, se bem me lembro, está com 16 anos e com essa nova lei ele já pode ser preso como gente grande, apanhar todos os dias, passar frio, comer mal e se é um bom castigo que você quer, lá ele poderá até ser estuprado e aprender a se tornar um criminoso realmente revoltado e perigoso, porque fumou um baseado, mas creio que isso esteja longe de ser a melhor das opções.

_Eu não quero que ele sofra, pastor. Quero entender e perdoar, mas é muito difícil para uma mãe saber que seu filho se desviou do caminho correto. Ele não DEVIA ter feito isso comigo, concorda?

Suzana, eu procuro me concentrar no que eu devo ou não devo fazer, porque é injusto jogar minhas expectativas sobre as costas dos outros, mas penso que as pessoas não devem se ofender e ainda assim elas se ofendem, penso que não devem explorar os outros e ainda assim exploram. Penso que não devem atrelar sua felicidade à conduta de outras pessoas, mas fazem isso também. Eu acredito que as pessoas não deviam criar fronteiras políticas, mas criam. Eu acho um absurdo que as pessoas se separem por abismos sociais, que se deixem escravizar e que escravizem, mas elas fazem tudo isso. As pessoas não deviam fazer guerras e elas as fazem aos montes, como essa guerra do tráfico, que mata impunemente milhares de pessoas no mundo todo e prejudica diretamente a sociedade, apenas porque poderosos criaram leis que, na prática, só têm beneficiado a indústria tabagista, a indústria armamentista, a indústria farmacêutica e a indústria da política. Abra seus olhos para essa guerra de desinformação, Suzana, que até hoje não trouxe nenhum benefício palpável para a sociedade, só traz gente morta, gente assassina, gente criminalizada, gente com medo, gente ignorante e gente faturando alto em cima disso tudo. Essas leis são armas da cultura de adoração ao dinheiro e do poder de poucos sobre muitos, acho que isso não devia existir, mas existe. Leis que impõem que seres humanos não possam fazer coisas naturais do ser humano, logo, jamais serão efetivas. Por isso, antes de gastar meus esforços dizendo que as pessoas não deviam usar maconha, diante de tantas outras coisas realmente nefastas que eu presencio, prefiro defender arduamente o direito que todos têm de não usar.

_Mas pastor, eu queria que o Matheus se tornasse alguém na vida, se ele não parar com isso vai virar um vagabundo, traficante ou coisa pior! Eu dizia tanto para ele não ir para esse lado, pra ser forte, não ceder à tentação. Ter vontades eu também tenho, pastor, mas não faço tudo o que tenho vontade. Ele não teve caráter!

_Você diz ter dado uma educação cristã ao seu filho, mas se bem me lembro, Cristo teria dito para se amar ao próximo como a si mesmo e você continua reduzindo seu filho a um mau caráter porque uma lei, criada sabe-se lá com quais interesses, diz que ele é um criminoso.

O próprio Cristo, hoje, seria considerado um criminoso no Irã ou na Arábia Saudita, por tomar seu vinhozinho com os parceiros. Aliás, Cristo foi considerado criminoso e morto na cruz, exatamente pelo mesmo motivo, porque algum poderoso intolerante criou uma lei idiota, autoritária e tendenciosa. As pessoas, inclusive você e muitas que se dizem cristãs, estão julgando e sentenciado seus irmãos, apenas por adotarem posturas diferentes das suas, de forma que, se Jesus voltasse hoje, pelo que vejo, antes de conseguir espalhar seu amor pela Terra, seria preso, crucificado e morto novamente.

Antes de ser um criminoso, Matheus é um ser humano e seres humanos não seguem todos o mesmo caminho. Os caminhos são individuais, as escolhas são pessoais e as consequências disso aparecem naturalmente. Procure não o culpá-lo, então nem precisará perdoá-lo. Lembre-se que a atitude dele não é considerada crime em alguns países e há várias famílias bem estruturadas que lidariam com isso de uma forma mais tranquila.

Converse com ele como uma amiga e entenda que a curiosidade é natural e saudável ao ser humano. Seu filho procurou se sentir melhor, aliviar o peso da vida. Ele procurou enxergar a vida de uma forma menos dura. Isso não é pecado nem crime, mas quiseram prendê-lo por isso. Seres humanos erram e acertam e continuarão errando e acertando independente de consumirem ou não a maconha. Seja livre, feliz e exerça seu direito ao não uso, mas respeite o próximo sem preconceitos, seja ele seu filho ou não!

_Pastor, isso é desculpa para safadeza! Não me venha defender o uso de drogas! Não é preconceito, pastor! Maconheiro assalta, rouba, mata! Só o senhor não vê! Eu não quero ter um filho viciado!

_Não estou defendendo drogas, estou defendendo a liberdade do ser humano, Suzana e também não quero que seu filho, nem ninguém, se tornem viciados. É hipocrisia e preconceito sim, mas se você preferir fechar seus olhos para o fato de que milhões de pessoas no mundo usam maconha e que isso não impede que prosperem, é um direito seu.

_Prosperar depois de fumar maconha, pastor? Só se for na favela!

_Também é preconceito diminuir as pessoas que vivem em favelas, Suzana.

Você sabia que entre as pessoas que já admitiram publicamente o uso de maconha está o atual presidente dos EUA? Sabia que também, ao menos outros dois ex presidentes norte americanos já admitiram? Sabia que um ex presidente do Brasil, que não é aquele a quem diminuem, rotulando de operário analfabeto, mas sim aquele sociólogo prestigiado que lecionou nas universidades de Stanford e Berkeley (EUA), de Cambridge (Inglaterra), na USP e na École des Hautes Études en Sciences Sociales, na França, também já usou? Sabia que o maior campeão olímpico de todos os tempos já usou? Que o maior campeão de surf de todos os tempos, todos os Beatles e um sem número de celebridades das artes a quem você aplaude e admira também já usaram ou usam? Acha que são criminosos por isso ou o problema é só com seu filho?

_Eu não via dessa forma, admito pastor, mas e se ele se tornar um viciado?

_Você fará de seu filho uma pessoa mais completa e feliz, dando a ele liberdade e diálogo. Sua repressão de nada adiantou até agora, percebe isso?

Quanto ao vício, Suzana, é um risco. Evitá-lo é um cuidado que todos devemos tomar. A busca por aquela vida mais leve, pelo conforto, pelo prazer, pelo sofrer menos, pode sim fazer com que um usuário se refugie na droga e deixe de enxergar e viver outros prazeres, belezas e esperanças que a vida tem. Alguns vícios matam rápido, outros só fazem deixar de viver aos poucos, mas todos são lesivos e devem ser evitados. Creio, particularmente, que a maconha possa viciar, como qualquer droga ou coisa que dê prazer e conforto, como sexo, cocaína, chocolate, redes sociais, metanfetaminas, exercício físico, sal, fanatismo religioso, tabaco, álcool, candy crush, heroína, cuidar da vida alheia, benzodiazepínicos, rede globo, e um sem fim de drogas lícitas vendidas em farmácias (drogarias). A maconha certamente não está entre as drogas que mais viciam. O açúcar, por exemplo, tem alto potencial viciante, causa um prazer inigualável para alguns de seus usuários e seus efeitos danosos estão entre as principais causas de morte no mundo. Antes da maconha também estão o sal, o álcool e o cigarro. A desinformação é a maior vilã e se envolver com a maconha implica sim em riscos, como atravessar a rua, como viver. Para não correr o risco, simples, não use e abra os olhos quanto a esses outros vícios.

O viciado, que é diferente do usuário, tem um problema de saúde, Suzana, não um problema de polícia. As pessoas têm problemas de saúde por diversos motivos, mas quando não nos sentimos bem enquadrados no mundo, quando nos sentimos oprimidos e angustiados, quando nos sentimos em falta com a nossa liberdade, entramos em desequilíbrio com nossa saúde e uma série de doenças decorre dessa repressão da condição humana.

Buscar a liberdade é fugir de qualquer dependência, logo, quando o ser humano se sente realmente livre, ele enxerga a beleza e a grandeza do que falta para ser descoberto, conhecido, vivido, compreendido e aceito em sua vida. Ele enxerga a enormidade dos universos dentro e fora dele. Quando o ser humano se entende realmente livre, ele dificilmente se prende a vícios ou dependências. Nessa situação, caso ele venha a sucumbir a algum vício, entenderá que isso traz, para si e para a sociedade, prejuízos maiores do que os benefícios. Esse ser humano será mais autônomo para buscar ajuda e terá chances de reabilitação muito mais nítidas do que as que ele teria hoje. Ele será entendido pela sociedade como um irmão que está passando por dificuldades e não será visto como um pária, um câncer ou um criminoso. Será entendido como um ser humano.

Seu filho, Suzana, é um ser humano. Ele estará mais longe de se tornar um viciado se você ajudá-lo a enxergar a beleza, a lutar pela vida, pela liberdade e por um mundo justo e tolerante, mas para isso, você também precisa ver assim.

_Obrigada… Vou conversar com ele…

E saiu mais leve e pensativa.

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