“Essa lei é melhor do que as regras que tínhamos, mas longe de ainda do que deveria ser. Então, afirmo que a construção não teve a participação sólida, consistente dos movimentos sociais, mas foi o que foi possível chegar em uma construção às escuras dos movimentos. É uma lei melhorzinha do que se tinha, mas muito longe do que deveria ser”, disse à Agência Brasil o diretor do Conselho Nacional das Populações Extrativistas da Amazônia (CNS), o antigo Conselho Nacional dos Seringueiros, Manoel Cunha.
“Fomos alijados de todo o processo de debate de construção do projeto de lei, que até 2013 tínhamos interlocução com o governo, especialmente, com o Ministério do Meio Ambiente. Mas, a partir de 2014, o governo se fechou ao diálogo com as organizações sociais e manteve diálogo intenso com a indústria e com a academia”, reforçou o engenheiro agrônomo, membro da Coordenação Nacional do Movimento dos Pequenos Agricultores, da Via Campesina, Marciano Toledo da Silva.
A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, no entanto, discordou das críticas e acusou os representes dos movimentos sociais de estarem “fazendo política”(SIC). “Vários representantes de comunidades tradicionais estiveram no Ministério do Meio Ambiente, inclusive, concordando com a proposta. Temos os registros e se divulgarmos os nomes dessas pessoas vamos saber quem está fazendo política”, destacou.
Para a ministra, o texto final da proposta é resultado das discussões feitas no Congresso Nacional. “A articulação [do governo] não foi só com os povos ou comunidades tradicionais, mas com os empresários, com os formadores de opinião, com os cientistas. Todo mundo tem que ir para dentro do Congresso Nacional e articular suas posições. E não apenas para ser ouvido, mas incluir sua propostas e ganhar nos argumentos.”
Para Manoel Cunha, a expectativa é que durante o processo de regulamentação da lei, o diálogo com as comunidades tradicionais seja ampliado. “Nossa ansiedade é que se consiga fazer alguns ajustes na regulamentação. Temos a clareza de que [a lei] não foi escrita em pedra, principalmente no que fere os direitos das comunidades, e que podemos ir mudando alguns artigos.”
Entre os pontos negativos da nova lei, conforme os questionamentos do CNS, está a isenção de multas para a empresas que não pagaram royalties antes de 2000. “A anistia é uma perda muito grande para as comunidades”, frisou. “Outra coisa que nos fere muito é o dispositivo que permite que as empresas decidam onde fazer os investimentos [relativos à compensação]. A empresa pode ter acesso ao conteúdo genético em um lugar e decidir fazer o investimento do acesso ao patrimônio genético em outra comunidade, outro lugar”, argumentou Cunha.
Já o representante da Via Campesina disse que a lei da forma como está coloca em risco a manutenção e a conservação de espécies produzidas ao longo dos anos pelos pequenos agricultores e comunidades indígenas. “O mínimo que a gente exige é a participação no processo de regulamentação, ainda mais porque a indústria está participando ativamente desse processo. Se há interesses econômicos das grandes corporações, também há interesse da nossa parte. Os nossos direitos estão sendo violados. Uma série de questões de direitos já reconhecidos, como o trabalho dos povos indígenas e dos próprios pequenos agricultores, que vêm fazendo trabalho de melhoramento genético há décadas e, agora, a indústria quer se apropriar disso”, disse Toledo à Agência Brasil.
O Marco Legal da Biodiversidade substitui uma medida provisória em vigor desde 2001, alvo de reclamações, principalmente, da indústria e da comunidade científica. A nova lei define regras para acesso aos recursos da biodiversidade por pesquisadores e pela indústria e regulamenta o direito dos povos tradicionais à repartição dos benefícios pelo uso de seus conhecimentos da natureza, inclusive com a criação de um fundo específico para esse pagamento. (Agência Brasil)