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Cineclube de Campinas marcou o fim da era de ouro do cinema

Por Marina Shulby
Se hoje vivemos no mundo da internet, nos anos 60 aos 70, principalmente, viveu-se os últimos momentos de um tempo de ouro do cinema. Naquela época, as pessoas não se encontravam virtualmente em redes sociais, mas após as sessões de cinemas para comentar e discutir o filme.

Apesar de a TV já estar presente nas classes mais altas, era o cinema que seduzia os jovens. Para se ter uma ideia, Campinas contava com cerca de dez grandes cinemas que lotavam nos fins de semana. Em meio a esse contexto surgiam cineclubes como o Cine-Clube Universitário de Campinas (CCUC), que completou há um mês, no último dia 19 de abril, seu aniversário de 50 anos de fundação, data comemorada por se tratar de meio século do início de uma entidade que significou muito a seus fundadores e frequentadores, e que ainda é lembrada como grande contribuição cultural à cidade de Campinas.

O CCUC foi fundado por estudandes da Universidade Católica de Campinas, atual PUC-Campinas, após a Semana de Filosofia organizada por Rolf de Luna Fonseca, que era diretor do Departamento de Cinema do Centro de Ciências, Letras e Artes (CCLA).

Dayz Peixoto Fonseca, uma das fundadoras, relata o surgimento do Cineclube: “Veja bem, o golpe militar foi 31 de março de 1964. Em outubro de 1964 realizamos (eu era aluna do 4° ano) a Semana de Estudos Filosóficos com o subtítulo: Estética Aplicada a Cultura e ao Cinema. No que deu? Dessa Semana de Estudos surgiu a ideia de criação de um cineclube. Que veio a ser fundado no início do ano letivo de 1965.” Dayz conta que como estavam em época de golpe militar, não seria prudente realizar uma “semana” de palestras polêmicas, o cinema foi uma solução amena, porém filosófica e existencial por causa do contexto político. O então reitor na época, Monsenhor Salim, autorizou que tudo fosse realizado no Salão Nobre da Universidade.

O Cine-Clube Universitário representou uma significativa contribuição para a cultura cinematográfica em Campinas durante a década de 1960, pois trouxe a possibilidade de os cidadãos campineiros terem acesso a filmes que não se encontravam no circuito exibidor da cidade. Além disso, possibilitou que se discutisse o cinema, tanto através de debates quanto de sua publicação, o jornal “Cine Clube” e a realização de seus três filmes de curta metragem: em 1966 “Um Pedreiro”, dirigido por Dayz Peixoto Fonseca, em 1967, “O Artista”, de Luiz Carlos Ribeiro Borges e em 1972 “Dez jingles para Oswald de Andrade”, de Rolf de Luna Fonseca, com roteiro de Décio Pignatari. Os filmes contribuíram para a continuidade da produção da arte cinematográfica em Campinas, assim como influenciou obras filmadas posteriormente.

Borges, fundador e primeiro presidente do CCUC, relata que empreenderam uma efetiva intervenção no contexto cultural da cidade. “Não só colocamos a questão cinematográfica como objeto de permanente debate e estudo, inclusive através de nosso Jornal, mas também viemos suprir as deficiências da programação cinematográfica local, ao trazer para a cidade, por intermédio de festivais que se estendiam por uma semana, filmes que representavam o que de mais avançado se fazia na época em âmbito universal, obras de Resnais, Godard, Bergman e muitos outros. Enfim, com os nossos filmes de curta metragem, provamos que era viável a própria práxis cinematográfica.”

Natasha Hernandez Almeida, pesquisadora e autora da tese de mestrado defendida na Universidade Federal de São Carlos “O Cine-clube Universitário de Campinas (1965-1973)”, contou que vinha pesquisando o cinema na cidade de Campinas desde o período da graduação. “Para o mestrado, tive a ideia de seguir nessa cronologia cinematográfica campineira, e o seguinte acontecimento cinematográfico era o Cineclube Universitário, já na década de 1960. Com o desenvolvimento do trabalho, pude perceber que, apesar da duração de oito anos, as atividades desempenhadas pelo CCUC foram muitas e que sua importância cultural deveria estar presente em um trabalho acadêmico. Por fim, os oito anos ativos de existência da entidade couberam justos em minha dissertação e nos dois anos de mestrado que tive para desenvolvê-la.”

Cinema na atualidade

Atualmente nos cinemas locais a programação comercial que predomina é basicamente de filmes norte americanos, de “Hollywoody”, mas se buscarmos opções é possível encontrar locais que primam a cultura e o debate como o Museu da Imagem e do Som de Campinas. Ao questionar se a volta do Cine-Clube nos dias de hoje teria sucesso a resposta foi unanime de que seria necessária a adaptação do mesmo a nossa realidade atual.

Dayz afirma que a formação de cineclubes depende muito do interesse do momento. “Esse interesse não vem de fora, mas de dentro de cada um. Talvez o “espírito da época” seja o grande inspirador.” Apesar de não acreditar que o momento vive esse espírito Dayz vê como positivas todas as iniciativas nesse sentido.

Segundo Natasha seria muito importante para a região de Campinas, como um todo, possuir mais locais onde se exibam filmes que, geralmente, não passam pelo circuito comercial de salas, por outro lado assim como Dayz ela afirma que se o CCUC voltasse, deveria se adaptar às novas formas que os espectadores têm de se relacionar com o cinema, considerando questões sobre as novas mídias, bem como a possibilidade de debates online. “De qualquer forma, conhecer e debater filmes é sempre interessante, e acho louváveis atitudes como a criação da petição que se manifesta em favor de uma sala de cinema gratuita no MIS/Campinas.

Já Borges relata que hoje há vários espaços onde o cinema é discutido como manifestação de arte e de cultura nas universidades, como o Museu da Imagem e do Som, mas aponta uma preocupação coma situação cultural atual. “Não sei dizer se, hoje, se o CCUC ainda existisse ou outra entidade congênere poderia desenvolver uma atividade tão ampla e abrangente como a da época, pois na atualidade as circunstâncias são substancialmente diferentes e menos propícias. Porém, diante do quadro com que nos deparamos, desde o fechamento de salas de cinema que exibiam filmes europeus, asiáticos, latino-americanos e que hoje desapareceram totalmente do circuito comercial, seria imprescindível que algo fosse feito para corrigir essa grave deficiência.”

Memória e Resgate do CCUC

A história do CCUC é um patrimônio para a cultura de Campinas. Nem mesmo seus idealizadores tinham a noção da dimensão que o movimento alcançaria. Segundo Dayz os integrantes acreditavam que estavam dando o melhor de si próprios à sociedade local (universitária ou não) e ao Brasil. “A verdade é que éramos muito jovens mas nos sentíamos responsáveis por uma grande causa: a cultura e queríamos mudar o país através da cultura e mais especificamente do cinema”.

Borges relata que na época não tinha plena consciência da amplitude e das repercussões do empreendimento. “Simplesmente me engajei na tarefa de programar debates, escrever, correr atrás de filmes de arte ignorados pela programação das empresas de exibição comercial, mas pensando que tudo se exauriria naquele momento, morreria por aí.” Ele conta que foi somente anos mais tarde, com o interesse manifestado pelas gerações mais jovens, que compreendeu que o Cine-Clube havia ultrapassado o momento de seu exercício, inscrevendo-se como um marco cultural, com dimensões históricas no que concerne à cinematografia. “Não fomos utópicos em vão. Aprendemos que as utopias podem se transformar em realidade.”

Devido a importância desse movimento há a necessidade de preservação do acervo nas entidades públicas de Campinas, pois como relatou a pesquisadora Natasha em relação à sua pesquisa, a obtenção de materiais ligados ao CCUC somente foi possível por conta da solicitude de seus três principais integrantes, Dayz Peixoto Fonseca, Rolf de Luna Fonseca e Luiz Carlos Ribeiro Borges, pois encontrou dificuldades em pesquisar sobre o Cine-Clube nos acervos públicos de Campinas.

Tal dimensão e importância do Cineclube é tao evidente que seria também adequado a PUC-Campinas, local em que o movimento nasceu e existiu até seus últimos momentos, contando além da participação de estudantes, do Professor Francisco Ribeiro Sampaio, que interpretou Oswald de Andrade para o filme do CCUC, incorporar o Cine-Clube em seu histórico, bem como em sua biblioteca.

Segundo Marjorie Helena Salim, bibliotecária chefe da PUC-Campinas Campus I, somente foi encontrado o registro de uma reportagem realizada pelo Jornal da PUC-Campinas, mas o Cine-Clube não ganhou espaço nem mesmo na edição comemorativa de 65 anos da PUC-Campinas do livro: Uma história, muitas vidas (1941 – 2006). Já dizia o ditado popular um povo sem memória é um povo sem história…

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