“Toda mulher quer ser amada. Toda mulher quer ser feliz. Toda mulher se faz de coitada. Toda mulher é meio Leila Diniz”, diz um dos versos da música Elas Querem é Poder, de Rita Lee, que captou toda a essência de uma mulher que, muito mais que uma atriz, soube, com seu comportamento libertário, mostrar ao Brasil da ditadura militar o quanto as mulheres precisavam ser livres. Foram atitudes e declarações que marcaram uma época e legaram às gerações futuras um novo jeito de viver.
Para a autora do livro Toda Mulher é Meio Leila Diniz, a antropóloga Mirian Goldenberg, apesar de tantos anos, o comportamento da atriz, que hoje (25) completaria 70 anos, continua atual. “A Leila, simplesmente, queria viver a vida dela com liberdade, com prazer, com vontade. Não foi uma militante, nem feminista. É por isso que ela é tão contemporânea. Vivia a vida com liberdade, coisa que as mulheres não fazem até hoje”.
De acordo com a antropóloga, Leila não expressava uma sexualidade para parecer sexy ou para seduzir. “Era uma sexualidade para o prazer dela. Não é que ela não tinha preocupação, sabia que os outros julgavam e condenavam, mas ela não abria mão de viver a própria liberdade. É isso que é considerado revolucionário até hoje”, disse.
Mirian Goldenberg destacou que Leila se tornou um exemplo forte, porque não era apenas um discurso ou uma bandeira política. “A vida dela é que era extraordinariamente livre e prazerosa, coisa que a gente não consegue ter por preconceito, por tabus, por medo, por querer agradar a todo mundo, se preocupar com a opinião dos outros, coisa que a Leila não estava nessa e não estaria hoje”. “É impressionante que ainda hoje a gente precise tanto desses exemplos para lembrar da importância da liberdade”, completou.
Grávida de Janaína, filha que teve com o cineasta Ruy Guerra, Leila colocou um biquíni e foi à Praia de Ipanema, na zona sul do Rio. A imensa barriga à mostra chocou a todos, mas, poucos anos depois, significou o rompimento de um tabu comportamental. “A barriga dela simboliza um corpo livre totalmente fora dos padrões da época, exposto ao sol e feliz. Não o corpo escondido e mutilado”, ressaltou a antropóloga.
Para a representante da Rede Mulher e Mídia no Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Raquel Moreno, a exposição da barriga de Leila grávida foi um marco porque mostrou para as mulheres que isso não era motivo de vergonha. Na mesma época, era costume dizer que mulher não podia andar sozinha na rua, o que também foi contestado por Leila.
“Saiu uma turminha de feministas no Rio, entre as quais a Leila Diniz, de braços dados na calçada. Elas estavam em cinco ou seis andando e dizendo, sozinha, eu? Como assim? Que história é essa de que a mulher está sozinha na rua? Assim contestaram também a fala recorrente de que as mulheres tinham que andar acompanhadas por um homem, porque senão estavam pedindo alguma forma de violência”, lembrou Raquel Moreno.
No dia 15 de novembro de 1969 chegava às bancas a edição do jornal O Pasquim, com uma entrevista de Leila Diniz, que causou muito comentário. O cartunista Jaguar, uma das pessoas que a entrevistou, lembrou que durante a conversa, de maneira muito natural, a atriz falou muitos palavrões e que não tinha a intenção de chocar. “Era o jeito dela falar. Aí optamos por manter as características dela. Decidimos colocar um asterisco, entre parênteses, no lugar do palavrão. Então, a entrevista parecia uma via láctea”, disse.
Jaguar tenta imaginar o que Leila poderia ter feito mais se não tivesse morrido com apenas 27 anos. “Que legado teria deixado. Ela era absolutamente inocente e tudo que dizia era de maneira cândida. Não tinha intenção de escandalizar. Todo mundo admirava. Mas imagine como era isso em pleno regime militar. Ela era uma mulher solar”.
Leila Diniz morreu no dia 14 de junho de 1972, em um acidente perto de Nova Délhi, na Índia, com a explosão do avião da Japan Airlines. Ela tinha ido à Austrália, onde fora premiada em um festival de cinema, e voltava para o Brasil.
A antropóloga Mirian Goldenberg lamenta a morte de Leila Diniz. Para ela, a atriz morreu cedo e tinha muito o que legar para as mulheres. Hoje, ela teria 70 anos e seria um exemplo de como envelhecer e não se deixar aprisionar pela cultura da juventude. No meu livro tem uma frase dela: ‘Eu sou uma explosão, mas com 100 anos vou estar maravilhosa, vou estar cada vez melhor’”. Após toda essa liberdade e todo esse tempo, a mulher brasileira ainda não é dona do seu próprio corpo e sofre com uma violência machista epidêmica. (Agência Brasil; edição Carta Campinas)