Contrariando meu honroso passado mochileiro, tá certo que faz tempo, o polegar cutucando o vento, pedindo carona para qualquer caminhão “pau velho” e chegando a destinos selvagens e inóspitos, nessas férias, pela primeira vez, eu fiz um cruzeiro. Fui acompanhado de 11 familiares, excelentes companhias a quem só tenho a agradecer… Tá certo, também preciso dizer o famoso: “desculpe alguma coisa, pessoal!”.
A tempos desejava, mas com pouco empenho, essa experiência, porque gosto de viajar, gosto do mar, de descansar quando estou cansado (e estava) e de comer como se não houvesse uma próxima refeição. Confesso, fui surpreendido positivamente, porque o capitão era italiano, mas nós não naufragamos, porém há razões mais consistentes.
Tinha medo de não me sentir à vontade, pois ouvia que era um ambiente muito refinado e pomposo. Sou um cara simples que me sinto confortável com minhas roupas simples e meus modos simples, então optei pelo meio termo: sandálias de couro (a mesma que usava pra pedir carona), bermudão e camiseta. Sim, este é o meio termo, não acho assim tão chique. Como costumo observar as coisas, notei que era tratado pela camareira, pelo garçom, pelos barmans (coloco estes no plural não sei porquê), enfim, por toda a tripulação, com a mesma simpatia e solicitude com que eram tratados os usuários de smoking. Parecia um lugar onde seres humanos tratavam seres humanos da forma que os seres humanos gostam de ser tratados, educada e respeitosamente.
Pensei no por que de uma ação tão simples não ser o habitual aqui em terra e cheguei a uma conclusão. A seleção rigorosa e a valorização da tripulação, da faxina ao alto escalão, vão muito além de exigir pessoas bilíngues ou poliglotas ou que dominem as regras da etiqueta. A tripulação tem inteligência emocional e tolerância para saber lidar tanto com o milionário mimado quanto com remediado que arrota peru. Conseguem desinibir o tímido e “baixar a bola” do bebum sem noção. Em suma, tudo parecia tão agradável que os chatos deixavam a chatice guardada nas malas para não ficarem deslocados.
Tive receio também de não me comportar bem no famoso “jantar do capitão”, onde nos foi sugerido o uso de traje social e aí sim, precisei lançar mão do meu conjunto “tênis e calça jeans”. Além da roupa, me afligia o fato de eu ser uma daquelas pessoas que não sabe qual é o talher da entrada, qual é o do prato principal e qual é o da sobremesa. Mas o homem astuto sabe olhar e repetir igual macaco, então ficou fácil pra mim. Mas o pior do “jantar do capitão” era o capitão. Não que o sujeito fosse má pessoa, pelo contrário, também era simpático, educado, sorridente, bem vestido, musculoso, mas ele estava lá, com a gente, jantando! Quem choferava a maldita embarcação!? Tentaram me acalmar dizendo que havia um subalterno conduzindo, mas sou daquelas pessoas que não ficam calmas sabendo que um subalterno está conduzindo. Todos aplaudiam a presença do oficial maior no restaurante, mas eu só aplaudi na hora que ele foi embora.
Outra coisa que também me metia medo era o famoso balanço do navio, mas logo vi que era puro exagero e que ele só balançava um pouquinho depois da terceira cerveja.
Além de passear de navio e de nele ser tratado com toda a mordomia da qual mamãe jamais conseguiu me suprir, um cruzeiro também envolve as paradas em terra. Serei breve ao tratar disso, mas duvido que consiga ser mais breve que as paradas em si, muito corridas.
Em Buenos Aires procurei me misturar com a população local e comprei uma camisa do Boca Juniors. Não, não comprei a camisa para vestir e me misturar com o povo argentino, comprei para trocar meus reais por pesos e poder pagar os cortes de cabelo meu e de minha filha num salãozinho popular no “Caminito”, enquanto os outros membros da excursão compravam souvenirs, que lá eles chamam de “alfajores”. Também comemos bife de chourizo, tomei vinho e vimos o tango, tudo correndo e voltamos correndo, ufa, pro navio.
Em Punta Ballena, Uruguai, o vento bateu no meu rosto de uma forma inesquecível e eu vi uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Era a Casa Pueblo, construída a mão durante mais de 30 anos por Carlos Páez Vilaró e sempre inacabada. Muito linda, muito livre, muito inspirada. Em Montevideo passamos ligeiro em frente ao prédio da presidência e se pudesse eu ficaria lá, montando acampamento todo dia, só pra pedir autografo e ver o Pepe Mujica chegando e saindo, com seu fusquinha, até passar a faixa pro Tabaré Vázquez. No Uruguai não se leva muita fé na bancada da bola e a bancada da fé não está com essa bola toda. É um país laico e as igrejas só podem abrir em horários específicos. Apesar da pressa, lá as coisas fluem num ritmo tranquilo e peculiar, há muito verde (de tão arborizado que é por lá) e uma brisa leve (a brisa que vem do rio da prata) inebria as ideias da galera, podes crer!
Voltei feliz, descansado e gordo. Gostei muito de verdade! Superou de longe as minhas expectativas, mas é uma fantasia que não pode esconder as belezas e durezas que tem pra se conhecer em terra firme. De modo que tenho vontade de viajar muito, por muitos lugares, conhecer muitos hábitos e muitas gentes antes de fazer um próximo cruzeiro.
Ressalto que se pode ser educado, respeitoso e deixar a chatice guardada na mala, também aqui, na vida real e me alegro que agora minha sandália de couro tenha pisado em outras terras, outros mares e tem muito mais histórias pra contar.