Já diria Nelson Rodrigues: “Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.” Complementando, a intimidade sexual das pessoas não diz respeito a ninguém, é íntimo, e qualquer invasão ou exposição exagerada, configura no mínimo um imenso abuso que aumenta ainda mais quando, além de expor, as pessoas simplesmente começam a condenar, julgar sem saber e, o pior, linchar.
O que eu vi sobre o caso é um linchamento do mesmo tipo que acontece todos os dias nas ruas, produto de muitos outros moralismos rastejantes dessa sociedade de falsos puritanos hipócritas. Mas, como mulher, o que mais me irrita no caso é o fato das mulheres adorarem assumir a posição de vítimas e ainda se sentirem confortáveis nessa situação. As mulheres não são vítimas, elas entram no jogo que quiserem, provocam o jogo que quiserem, fazem o que quiserem, restringem o que quiserem, ainda mais quando estão em uma rede social onde você mantém amizade com quem quer, conversa com quem quer, bloqueia, sai ou entra de uma conversa a hora que quiser. Obviamente, há diversas injustiças históricas contra a mulher, mas elas não serão resolvidas pela via da vitimização ou infantilização.
Não assumo uma posição de defender o Idelber, também não vou condená-lo, nem ele, nem as mulheres. Apenas esse foi mais um caso onde ficaram expostos muito do nosso moralismo (que também é uma forma de machismo), moralismo que é alimentado muitas vezes pelas próprias mulheres. Também ficou exposto muito da nossa vontade de julgar, expor, linchar de diversas formas o outro, impedindo qualquer real possibilidade de debate.
Em uma declaração que deu sobre o caso, Idelber disse que as conversas são sim reais, mas falou que foram consensuais. De fato, lendo os prints parece que houve sim certo consenso. Não posso afirmar, é a minha impressão. Nas conversas, as mulheres participam do jogo, entram nos fetiches, tanto que as conversas não são breves. O curioso é que os relatos, todos os relatos, simplesmente invertem a situação, colocando as mulheres automaticamente na posição de vítimas, fragilizadas, oprimidas, quando, anteriormente, a posição assumida por muitas delas não era essa.
Ainda que não houvesse consenso, na internet, temos autonomia, e acredito ser sempre necessário defender a autonomia da mulher. Conversamos e mantemos amizade com quem quisermos, a hora que quisermos e sobre o que quisermos. Não gostou da conversa, mandou uma foto do pau ou coisas do tipo, sai ou bloqueia a pessoa, caso a imagem te desagrade, e acredito sim que para muitas mulheres isso não deve ser agradável.
Isso não digo para defender a conduta dele, também não vou julgar, a intimidade do outro não é algo que me diga respeito, e realmente me incomodo ao falar do tema, mas apenas para pensarmos onde está a violência, o “assédio” em toda essa questão. Será que não se nota a violência existente na simples exposição exagerada da intimidade ou nos frenéticos julgamentos? Será que não se nota a violência opressiva sobre a mulher que precisa necessariamente se colocar como peça de dominação do jogo do outro, no lugar de poder se sentir à vontade como parte ativa e não submissa desse jogo?
Sinceramente, acho que há violências mais sérias contra as mulheres, outros temas mais importantes com que as mulheres deveriam se preocupar como a violência de um estupro, de um aborto mal feito que pode levar à morte, a violência das mulheres que são perseguidas e violentadas pelo marido, a violência a que as próprias mulheres muitas vezes se submetem e a violência (e aqui não falo apenas no sentido negativo) de simplesmente ser mulher.
Indico um texto interessante sobre o caso, escrito por Karina Buhr. Pode ser lido AQUI. Cito um trecho:
“O centro da questão pra mim é : o que faz uma mulher que exerce com aparente liberdade sua sexualidade de repente sentir no peito a angústia de uma Chapeuzinho Vermelho de biquini, numa rua escura e deserta, com o filho de Bolsonaro rondando. Isso é sério, isso se chama opressão. Mulheres sabem muito bem do que se trata”.