Um mapeamento coreográfico
A companhia Taanteatro, de São Paulo, volta à cena com o projeto cARTAUDgrafia que, através da dança, investiga o território poético da vida e obra de Antonin Artaud (1896-1948), nome representativo da poesia surrealista e criador do Teatro da Crueldade, considerado uma das vertentes mais radicais e fecundas das artes cênicas do século 20. Incompreendido em seu tempo, Artaud foi poeta, dramaturgo, roteirista, ator e diretor atuante no teatro e no cinema. Considerado louco, foi internado em vários manicômios da França e durante os internamentos escreveu boa parte de sua obra literária, incluindo textos delirantes.
Os conceitos de Artaud ligam sua obra ao que há de mais revolucionário na arte contemporânea, estes caminhos são investigados pelo Taanteatro em seu novo projeto através dos seguintes tópicos: A Crise Espiritual – abordada a partir da obra “Correspondência com Jaques Rivière”; A Crise das Linguagens – abordada a partir de “Artaud: o Momo” e A Crise da Cultura Ocidental – abordada a partir de “Viagem ao país dos Tarahumaras.”
O trabalho desenvolvido pela companhia responde de forma criativa a perguntas provocativas dentro dos campos de atuação de Artaud: Como enlouquecer o dançarino? Como construir uma Coreografia sem Órgãos? Como encenar uma cARTAUDgrafia? Todas as fases da pesquisa serão fundidas numa encenação final chamada justamente cARTAUDgrafia, reunindo conceitos mapeados pelo grupo tendo em vista a liberdade da expressão corporal dentro de um processo de organização coreográfica. Com um intenso trabalho de pesquisa, cARTAUDgrafia se abre para uma série de atividades – como palestras e laboratório de criação – que começaram no dia 2 e seguem até 13 de dezembro, contemplando a proposta que tem o apoio do Programa de Fomento à Dança da Cidade de São Paulo. O projeto multimídia leva em conta várias linguagens: poesia, teatro, cinema, dança e rádio.
Androgyne e palestra sobre Artaud
Hoje (4), às 20 horas, na Oficina Cultural Oswald de Andrade, a companhia dá o start da programação com a apresentação de “Androgyne – a sagração do fogo”, montagem solo da bailarina Alda Abreu, dirigida por Maura Baiocchi. O espetáculo, que estreou em 2013, deu à Alda o prêmio de bailarina revelação concedido pela APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte – entre outras premiações.
“Androgyne” aborda a questão da identidade sexual de forma ecopoética, relacionando o corpo aos elementos da natureza. Além da apresentação de hoje, haverá outras duas sessões: na sexta (5), às 20 horas, e no sábado (6), às 19 horas. O espetáculo é uma espécie de abre-alas do projeto cARTAUDgrafia, cujos trabalhos se estenderão até 2015.
O lançamento oficial de cARTAUDgrafia acontece no sábado, às 20 horas, com palestra do poeta, crítico e ensaísta Claudio Willer que traduziu a obra de Artaud no Brasil, sendo considerado um dos grandes estudiosos de sua criação poética e teatral à qual dedicou ensaios publicados em livros, sites, jornais e revistas nas últimas décadas. Willer define Artaud, acima de tudo, como um ser expressivo: “ Toda a sua vida se consistiu em um ato de amor pela linguagem e pela expressão. Quando afirma que ‘toda escrita é porcaria’, quando se volta contra a ditadura da palavra escrita e do texto em manifestos como “O teatro e seu duplo”, trata-se de um paradoxo aparente.“ Ele explica que “ao escrever contra a escrita, Artaud defende e propõe uma linguagem livre, plena, capaz não só de falar do corpo, mas de expressar o corpo – e outros níveis da realidade dos quais, em nossa civilização, estamos alienados e separados.” Na palestra, serão enfocadas “as manifestações e modos da linguagem artaudiana e as razões de haver estimulado tanta reflexão e, principalmente, criação artística relevante” – diz Willer.
O desejo em Trans
Outro ponto alto será a apresentação do espetáculo Trans, com Maura Baiocchi, nos dias 11 e 12 (quinta e sexta-feira), às 20 horas, e no dia 13 (sábado), às 19 horas. Trans traz a temática do desejo visto “como matéria bruta de ruptura e transgressões”, segundo o texto de apresentação do grupo. Sobre a matéria bruta, a carne, atua o Golem, criatura monstruosa moldada do barro e dotada de forças elementares que não possui alma nem voz. Sobre este mito hebraico desenrola-se o espetáculo que conta com outras representações da crise existencial e da ruptura com o establishment como o mito grego Prometeu e o Doutor Frankenstein, personagem atormentado do romance de Mary Shelley.
Ao longo de 2014, Trans foi apresentado em algumas cidades europeias como Paris, Bruxelas e São Petersburgo onde recebeu de ViktorMazin, diretor do Museu Freud dos Sonhos, a seguinte crítica: “A coreografia de Maura Baiocchi não é passível de ser traduzida para nenhuma linguagem concreta da dança e não chega a nenhuma forma acabada. Pode-se dizer que não se trata de uma linguagem nem de uma escritura, tampouco de uma coreografia, e sim do que Jacques Lacan chamou de lalangue (“lalíngua”).
A economia de movimentos de Maura é a tradução da figura do Golem em estado de transformação, uma figura que, reiteradamente, não encontra forma. O Golem é o que não se deixa capturar por uma forma.” A coreografia, que vem permeada de conceitos representados num triângulo que abarca ainda as ideias de Letra (linguagem?), Verdade e Morte, também foi apresentada em novembro em Buenos Aires e agora estreia em São Paulo.
Na Oficina Cultural Oswald de Andrade, após a apresentação do espetáculo no dia 13, haverá outra palestra com o filósofo Luís B.L. Orlandi que deverá ampliar a questão do desejo enquanto fator de ruptura e transformação. Maura Baiocchi também está ministrando um Labroratório Aberto de Criação, que começou no dia 2 e estende-se até 10 de dezembro. As inscrições já estão encerradas. Com esta proposta, dividida em várias etapas e atividades, o Taanteatro realiza uma trajetória criativa que tem como matéria-prima a expressão numa extensão libertária que compreende a arte como um processo vinculado à existência, implodindo limitações e potencializando a dança enquanto movimento e cultura. (Célia Musilli para o Carta Campinas)
TAANTEATRO COMPANHIA na Oficina Cultural Oswald de Andrade de 02 a 13 de dezembro de 2014
PROGRAMAÇÃO COMPLETA
Androgyne – Sagração do Fogo 4, 5 e 6/12 – quinta e sexta – 20h / sábado – 19h Gratuito: 40 lugares (retirar senhas com 30 minutos de antecedência) Classificação 12 anos | 60 minutos
Lançamento do projeto cARTAUDgrafia – encontro com o poeta Cláudio Willer dia 06/12, logo após o espetáculo Androgyne TRANS 11, 12 e 13/12 – quinta e sexta – 20h | sábado – 19h Gratuito: 40 lugares (retirar senhas com 30 minutos de antecedência) Classificação 12 anos | 60 minutos
Desejo e Transformação – encontro com o filósofo Luis B. L. Orlandi – dia 13/12, logo após o espetáculo TRANS Laboratório Aberto de Criação com Maura Baiocchi 2 a 10/12 – terças e quartas – 14h às 18h (15 vagas: inscrições encerradas)
Contatos: (11) 99909-5060 e 981510389 /taanteatro@hotmail.com
Este projeto foi contemplado pela 16ª Edição do Programa Municipal de Fomento à Dança para a cidade de São Paulo