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Pequena grande alma

Nossa última foto juntos: restam as lembranças

Há pouco mais de um mês, perdi meu melhor amigo para a velhice. Ele tinha 16 anos, e era um cachorro pequeno, um poodle, meu companheiro desde a primeira série do ensino fundamental até último semestre da universidade, que concluo no fim deste ano. Nos últimos meses de sua vida, ele vinha sofrendo as dores e consequências da idade avançada, o que obviamente me deixava muito triste e me fazia esperar pelo que, no fim, acabou acontecendo – e é o destino de todos nós.

No dia de sua morte, eu estava na Alemanha, em viagem de pouco mais de duas semanas que fiz para elaborar o meu projeto experimental da universidade. E numa segunda-feira, recebi pelo celular a mensagem que me dizia que o Willy, o meu amigo de tantas jornadas, havia morrido. Por mais que eu esperasse a notícia, por mais que imaginasse a iminência daquele dia, recebê-la foi um baque. As lágrimas imediatamente me vieram aos olhos, mas não era exatamente tristeza o que eu sentia. Chorei pelos dezesseis anos que passamos juntos, por todos os momentos em que lhe falei de minhas tristezas, e ele, em seu olhar tão puro, parecia me entender completamente. Chorei por me lembrar dos inúmeros momentos nos quais o Willy tentou me defender de pessoas que não apresentavam nenhum perigo, latindo, tentando abocanhar seus calcanhares, talvez sem conhecer a maneira como ele próprio era indefeso; o que lhe importava mesmo era a minha segurança. E isso lhe deu a fama de cachorro mais chato da vizinhança. Mas ele era o meu chato, e eu o amava tanto…

No dia em que embarquei para a Alemanha, eu me despedi do Willy porque algo me dizia que eu não o veria de novo. A minha mala estava pronta, minha mochila, nas costas, e eu estava a alguns minutos de sair de casa. Entrei no meu quarto, onde ele dormia em sua caminha marrom, num dos momentos de tranquilidade que ele quase não teve em seus últimos dias. Me abaixei, beijei-o, abracei-o, e tirei uma última fotografia com ele. E uma força superior me diz que, ao morrer durante a minha viagem, ele parecia estar esperando que eu estivesse longe e não sofresse ao vê-lo partir.

Era uma segunda-feira quando ele morreu, e a minha mãe, sempre ela, recebeu a ligação do veterinário que cuidava dele, internado desde o dia anterior. “É melhor a senhora vir aqui, ele está muito fraco”. Ela foi. Colocado em cima da mesa, com o veterinário ao lado, a minha mãe foi conversando com o Willy. Disse-lhe que ele fora um cachorrinho muito amado, que nós jamais iríamos nos esquecer dele, que ele estaria em nossos corações para sempre. E mais uma vez, o meu amigo parecia apenas esperar, aguardando desta vez por aquelas palavras tão doces, para poder enfim partir em paz. Enquanto ela falava, o Willy abandonou a vida; foi-se para algum lugar que desconhecemos, para permanecer eternamente em nossas memórias.

Doía muito mais vê-lo sofrendo, já sem qualidade de vida, do que saber que ele morreu. A morte, às vezes, pode ser um alívio, e sua iminência pode ser um conforto àquilo que já não tem mais retorno, como a idade. O Willy não sucumbiu a nenhuma doença comum aos cães, como o câncer; ele morreu de velho, serenamente, a morte que eu sempre desejei que ele tivesse. E por mais que eu desse qualquer coisa para tê-lo comigo para sempre, eu sabia que isso era impossível. Meu amigo não poderia ter deixado este mundo de uma forma mais serena.

Quando penso no Willy, a saudade vem nas pequenas coisas. Eu não podia fechar a porta do quarto sem me certificar de que ele estava lá dentro, do contrário teria que me levantar e abrir para que ele entrasse e se juntasse a mim. Não podia deixar a porta da rua aberta, porque ele poderia fugir em busca de aventuras, como sempre fez, o atrevido. E é estranho saber que aquele pequeno agente, de cinco quilos e só alguns centímetros de altura, que modificava tanto a nossa vida com a sua presença positiva, já não existe mais e nem vai existir. Não se trata de uma tosa, cuja finalização será anunciada por telefone daqui a pouco e eu poderei trazê-lo de novo para casa. Ele morreu. Já não pode consolar as minhas dores com uma lambida, mas apenas com uma lembrança, ou muitas, centenas delas.

Eu desde sempre tive verdadeira paixão por animais, e sempre acreditei que mesmo os insetos considerados mais “asquerosos” têm direito à vida. Também sempre acreditei na teoria de que uma pessoa que maltrata um animal não pode ser uma boa pessoa, porque espancar um cachorro, em toda a sua ternura e vulnerabilidade, só pode partir de alguém que sente prazer no sofrimento alheio. Aos mais espiritualizados, é possível basear-se na crença de que um cão é um anjo de quatro patas, um enviado dos céus que veio para fazer o bem na Terra. A quem prefere manter-se com os pés firmes no chão, um cão pode ser somente uma versão incrível dos animais domésticos, um bicho que transforma lares e dá qualidade de vida às pessoas. Assim foi o meu Willy. Ele mudou os últimos dezesseis anos da minha vida, e eu francamente não sei dizer como teria sido todo esse tempo se ele não estivesse aqui. Muita coisa teria sido diferente, e eu não me atrevo a arriscar um palpite. Para a dor da saudade, como diz Ana Carolina na canção Quem de Nós Dois, apenas “faço das lembranças um lugar seguro”.

No dia de sua morte escrevi um pequeno texto em sua homenagem e publiquei em meu perfil pessoal no Facebook, acompanhado da última foto que tiramos juntos, e que encabeça este post. Abaixo, você pode lê-lo.

“Uma parte de mim costumava acreditar que você era para sempre. Hoje você foi embora, mas essa mesma parte continua viva, porque eu sei que um amor de dezesseis anos não nos deixa nunca. E você não era qualquer amor. Você era o meu bebê.

Ah meu Willy, meu anjinho, na sua cabeça tão pura nunca passou o tamanho do vazio que você deixa ao ir embora. Durante dezesseis anos nós dois fomos amigos, companheiros, cúmplices. E agora você se atreve a me deixar aqui sozinho, justamente no momento em que eu estou longe de casa e não pude nem mesmo me despedir.

Por mais que eu saiba que nos últimos tempos você estava sofrendo, dói saber que eu vou chegar em casa e você não vai estar lá. Mas você me ensinou muita coisa. Você veio aqui para cumprir uma missão, de estar ao meu lado, de cuidar de mim quando eu precisei de você. E eu agradeço profundamente a Deus por todos os momentos que passei do seu lado. Só eu sei o quanto a nossa cumplicidade e a nossa amizade foram importantes. Lamento não poder estar ao seu lado na hora em que você partiu. Às vezes a vida nos prega algumas peças.

E o que me resta dizer? Deus me deu de presente um longo tempo de convivência com você. Agora você foi ocupar o seu lugar de anjo no céu. Obrigado por tudo meu amor. Eu nunca vou me esquecer de você. Esta noite vou olhar para o céu e vou ver mais uma estrelinha brilhando”.

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