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Anistia Internacional pede que aborto seja tratado como questão de saúde pública

A Anistia Internacional defendeu nesta quarta (24) que o aborto seja tratado como uma questão de saúde pública e de direitos humanos, e não criminal. O pedido pelo debate urgente no país veio depois da confirmação das mortes de Jandira Magdalena dos Santos Cruz, de 27 anos, e Elisângela Barbosa, de 32, após interromperem gravidez, de forma clandestina, no Rio de Janeiro. Os casos recentes apenas confirmam o ginecologista e obstetra Jefferson Drezett, que afirma que a legislação brasileira é eficiente em matar mulheres.

Jandira, mais uma vítima da legislação

No Brasil, estimativas apontam que em torno de 1 milhão de mulheres fazem abortos clandestinos todos os anos, e 200 mil morram em consequência da operação. De acordo com o cientista político e assessor de Direitos Humanos da Anistia Internacional Brasil, Maurício Santoro, a criminalização da prática também é um problema muito grave de discriminação socioeconômica.

“A gente sabe que nos casos em que as mulheres são presas porque abortaram, são os feitos em casa. Ela procura o hospital depois, e acaba respondendo a processo. Então, aquelas que têm condições de procurar uma clínica clandestina, de melhor qualidade, não são criminalizadas, porque não sofrem as consequências de um aborto mal feito. Essa é uma das perversidades do aborto ilegal”, segundo Santoro.

Ele cita levantamento feito no estado do Rio de Janeiro, de 2007 a 2011, no qual foram encontradas 334 mulheres que sofreram processos criminais por terem abortado. Muitas delas moradoras no interior, na Baixada Fluminense e no subúrbio carioca.

Para a Anistia Internacional, o Brasil deve cumprir os compromissos já assumidos. Como lembra Santoro, é essencial que haja debate para implementar na legislação acordos que já foram assumidos pelo Brasil no plano internacional. Caso, por exemplo, do Acordo do Cairo, há 20 anos, segundo o qual as mulheres que abortaram devem ser tratadas com humanidade, não como criminosas; e no ano passado, a Conferência de Montevidéu, que reuniu países latino-americanos para debater direitos sexuais e reprodutivos, também destacou que a abordagem da criminalização é negativa, porque “traz consequências para a saúde pública extremamente ruins”.

A professora da Universidade de Brasília e pesquisadora do Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, Débora Diniz, que conduziu a Pesquisa Nacional do Aborto, em 2010, lembra que o levantamento apontou que uma em cada cinco mulheres, até 40 anos de idade, fez pelo menos um aborto. Portanto, “a prática já ocorre, e somente a legalização pode salvar vidas”, ressaltou.

“Nós estamos falando de 7,4 milhões de mulheres de 18 a 39 anos. É fato comum à vida reprodutiva das mulheres. Esse é o quadro do aborto no Brasil, que, por ser ilegal, leva as mulheres à clandestinidade, na qual um procedimento médico sem risco, em termos técnicos, passa a ser de altíssimo risco, porque muitas se submetem a procedimentos com profissionais não regulamentados, não monitorados, não conhecidos”, explicou.

A coordenadora da organização não governamental Católicas pelo Direito de Decidir, Rosângela Talib, enfatiza que a proibição, tanto da lei quando da Igreja, não coíbe a prática do aborto. “A gente sempre pensou o aborto como questão de saúde pública, porque a interdição legal – o Código Penal diz que é crime – ou a interdição religiosa católica – diz que é pecado mortal – não têm evitado que as mulheres abortem e, infelizmente, não conseguem evitar a morte de muitas delas, como a gente viu agora dessas duas mulheres no Rio de Janeiro. É a ilegalidade do aborto que provoca essas mortes. Por isso, a gente trabalha pela descriminalização e pela legalização do aborto”, enfatizou.

Rosângela lembra que o aborto é a quinta maior causa de morte materna no Brasil, e ressalta que o ideal seria que ninguém precisasse interromper uma gravidez, mas às vezes o fato é inevitável. Segundo ela, “sempre vai ter uma gravidez indesejada, porque a gente sabe que nenhum método é 100% seguro. Então, ante uma gravidez indesejada, a gente acredita que é uma questão de saúde pública, e as mulheres, quando assim o desejarem, devem ter a possibilidade de fazer a interrupção da gravidez no serviço público de saúde, sem risco para sua saúde”.

O assessor da Anistia Internacional lembra que em países que legalizaram a prática, como o Uruguaio fez em 2012, o número de abortos diminuiu e a morte por essa causa zeraram. “Impressionante como as mulheres pararam de morrer no Uruguai, por causa do aborto”, argumentou, “porque [o procedimento] passou a ser feito de maneira segura, controlada”.(Akemi Nitahara/Agência Brasil/Carta Campinas)

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