Pesquisa do Instituto e Geociências (IG) da Unicamp evidenciou o processo de segregação populacional realizado pela construção de conjuntos habitacionais populares em Campinas.
Para o autor da pesquisa, Ivan Oliveira Lima, que abordou especificamente a situação dos conjuntos habitacionais e dos bairros localizados na região do Distrito Industrial de Campinas (DIC), esse é um processo que ocorre em todo o Brasil e no mundo, por ser próprio do capitalismo. A pesquisa resultou no trabalho intitulado: “Conjuntos habitacionais e segregação socioespacial: o Distrito Industrial de Campinas (DIC)”.
No caso dos DICs, a pesquisa mostra que o primeiro problema já ocorreu porque a área não havia sido escolhida inicialmente para abrigar moradias, mas indústrias, como a própria sigla do nome do bairro significa. Por isso, essas moradias ficaram localizadas muito distantes, a aproximadamente 18 quilômetros do Centro de Campinas. Isso gerou uma demanda para a Prefeitura que precisou, após a construção, levar toda a infraestrutura para o bairro. Enquanto isso, outras regiões, mais próximas do Centro, não forma utilizadas.
Essa é uma forma eficiente de segregar. A população marcadamente pobre é levada para uma área distante, de difícil acesso e sem infraestrutura adequada. Até hoje, após 30 anos, a região tem deficiência da presença de serviços básicos como educação, saúde e transporte.
Em entrevista exclusiva para o Carta Campinas (veja abaixo), Ivan Lima afirma que o poder público contribui para a segregação. As pessoas ficam sem condições dignas quando são deslocadas para esses conjuntos habitacionais. Os moradores vão para os locais sem a construção da infraestrutura mais básica na localidade, como arruamento, rede elétrica, hidráulica, unidades de saúde, creches e escolas. Enquanto isso, grandes áreas que muitas vezes tem dívida com o governo municipal, ficam livres para a prática da especulação imobiliária.
Carta Campinas: Você analisou os DICs em Campinas, mas durante seu estudo, você se deparou com essa política de segregação dos pobres em outras cidades de São Paulo ou do Brasil? Isso ainda é política habitacional? Fale um pouco sobre essa política de conjuntos habitacionais distantes.
Ivan Lima: A segregação socioespacial dos pobres é um fenômeno que ocorre em praticamente todas as cidades do mundo capitalista. Aqui no Brasil estamos sentindo os efeitos desse processo de forma significativa, sobretudo nas metrópoles. Campinas é um excelente exemplo de como isso acontece, pois nas regiões mais periféricas da cidade temos enormes bolsões vulneráveis socialmente, como a região do Campo Belo, nas proximidades do aeroporto de Viracopos; o parque Oziel, Monte Cristo e Gleba B, já mais próximo à área central e os recentes bairros na região do Parque Itajaí.
Em todas estas localidades nós vamos encontrar uma mistura de políticas públicas e ao mesmo tempo a ausência destas. Temos a ocupação dos lotes pelos moradores e depois as intervenções do poder público para a criação da infraestrutura, como criação de vias de acesso, energia elétrica, água, rede de saúde e educação.
Nestes mesmos lugares hoje vemos também o incentivo à sua ocupação, através de conjuntos habitacionais produzidos a partir do plano Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, que em minha opinião se trata apenas de políticas de financiamento habitacional belos bancos estatais e privados. A produção de moradias é destinada em sua maioria para a emergente classe C, que ganha cada vez mais destaque nas ações governamentais.
Entretanto, quando estamos falando do DIC nós temos um momento diferente no país, o Regime Militar e a sua necessidade de cooptar as massas para garantir sua sustentação políticas, através de programas de financiamento habitacional, geridos pelo extinto BNH.
O DIC foi fruto do erro de seu planejamento estratégico. Previram que Campinas receberia um elevado número de indústrias oriundas da grande São Paulo, mas não deu certo. O tamanho da área inicialmente destinada as industrias foi reduzido praticamente à metade e o restante, serviu como plano B do município, para suprir a demanda habitacional latente e amortizar a dívida municipal para a criação de seu Distrito Industrial.
Hoje nós vemos os novos conjuntos habitacionais em regiões cada vez mais distantes das áreas centrais das cidades. O trabalhador tem que se deslocar cada vez mais em seu cotidiano. O governo federal erra ao dar tamanho poder as incorporadoras imobiliárias, que compram essas áreas apenas para obter ganhos cada vez maiores, incentivando a especulação das áreas vazias e arredores que estão em suas posses.
Carta Campinas: Que interesses são mais fortes para levar conjuntos habitacionais populares para regiões distantes?
Ivan Lima: É a especulação imobiliária e o poder do capital que ditam as normas de produção do espaço nas cidades. E basta apenas olharmos com um pouco de atenção que vemos como é nítido este processo.
Cada vez que a produção de moradias para áreas distantes é realizada, o capital imobiliário é o que mais lucra. O poder público é omisso ao permitir isso. As áreas vazias, os imóveis desocupados, os que estão com dividas milionárias… estes permanecem como estão, apenas agregando valor e a população é expropriada para periferias cada vez mais longínquas.
Com isto, as construtoras e os bancos ampliam seus lucros, sendo os principais beneficiados nesse processo de produção do espaço.
Carta Campinas: Você enxerga alguma relação entre essa segregação populacional e a questão da criminalidade? Na pesquisa que fez você se deparou com alguma relação desses temas?
Ivan Lima: Esta é uma temática complexa. Não podemos atribuir em nenhum momento que a segregação espacial gera e/ou contribuiu com a criminalidade. A criminalidade existe por uma série de outros fatores aos quais eu não poderia tratar com profundidade. Por isso, optei por não abordar tal temática em minha pesquisa.
Carta Campinas: O que você considera os maiores problemas que as prefeituras enfrentam após a implantação de políticas como estas de construção de bairros populares distantes?
Ivan Lima: Estes problemas só surgiram porque o poder público ofereceu condições propícias para o surgimento destes conjuntos habitacionais. Como principais dificuldades eu menciono a construção de toda infraestrutura básica na localidade, como arruamento, rede elétrica, hidráulica, unidades de saúde, creches e escolas.
Tudo isso custa muito e demanda uma gestão pública eficiente. Não só o município, mas também as outras esferas governamentais, Estado e União.
Ao permitir a ampliação do tecido urbano, sobretudo nas periferias, o poder público só contribui para o aumento da segregação socioespacial e com a especulação imobiliária.
Mesmo se existirem, desconsidera-se as áreas melhor localizadas e mais próximas dos postos de trabalho. Há uma série de agentes que atuam neste processo. A trama é complexa.