Quando vi o clipe pela primeira vez, a fotografia bem trabalhada me chamou a atenção. Valesca conseguiu produzir um single que se espalhou pelo país, e mesmo os mais puritanos não resistem, vez por outra, em mandar um beijinho no ombro ao recalque. O sucesso é tanto que o professor Antonio Kubitscheck, de um colégio em Taguatinga, no Distrito Federal, incluiu um trecho da música em uma avaliação que distribuiu aos alunos, na qual chamou Valesca de “pensadora contemporânea”. A prova em questão foi fotografada, rodou o país e provocou polêmica. O debate nas redes sociais acirrou-se, e muitos declararam-se contrários à forma que o professor encontrou para avaliar seus estudantes, e especialmente, por chamar a funkeira de “pensadora contemporânea”.
Creio que toda essa revolta se explique por uma série de fatores, um deles em especial: durante toda a sua carreira, Valesca não cantou para a classe média. Sempre direcionou suas canções aos morros do Rio, e agora, ousa ganhar o país sem fugir da forma original de suas músicas – a não ser, talvez, por alguma redução no número de palavras “chocantes” incluídas em “Beijinho no Ombro”. Os brasileiros mais conservadores não conseguem compreender que os ritmos populares também são música, tanto quanto as canções que ouvem em seus carros entre um engarrafamento e outro. Esperneiam, xingam, esbravejam contra o funk. É o que Valesca chamaria de “recalque”.
Eu nunca ouvi funk, e não digo isso como uma forma de me defender de certos dissabores. Por morar no interior de São Paulo, num ambiente no qual esse ritmo não é muito absorvido, me acostumei a ouvir outros tipos de música. Mas jamais desprezei a influência do funk e a expressão que esse estilo musical traz. Reservo-lhe críticas, é óbvio, porque sempre há quem use a música para promover determinadas ilicitudes, mas creio que essa atividade não seja exclusiva de um ritmo musical, e munido desse pensamento, fui atrás de conhecer a Valesca Popozuda por trás de “Beijinho no Ombro”. Os artigos espalhados pela internet não me permitiram conhecer uma filósofa, mas uma pessoa de pensamentos progressistas, que leva uma mensagem de igualdade e de diversidade racial e sexual. Encontrei uma mulher que defende as outras mulheres, mesmo as inimigas, e não se importa em expor a si própria para defender o feminismo. Por trás de um corpo escultural, que muitos não hesitam em taxar e estereotipar, há uma mulher que, perguntada sobre o movimento gay, responde: “Estamos na luta juntos”. Quando cantou na Virada Cultural, em São Paulo, o blogueiro Pedro Sanches, da Carta Capital, escreveu: “Passam cerca de 20 minutos das 16 horas ela quando faz entrada apoteótica, secundada pel@s bailarin@s moldad@s na massa fina e fofa da diversidade sexual e racial, pelo próprio carisma e magnetismo, pelos versos matreiros e inteligentes de ‘late que eu tô passando’ e ‘hoje eu tô solteira, ninguém vai me segurar’. A defesa dessa diversidade, tão linda, basta para me conquistar.
Em sua forma de se vestir, de se portar, de cantar, nas entrevistas que dá, na forma como fala, Valesca Popozuda encontra espaço para defender a sociedade que o progresso quer no século XXI. Pode-se discordar dela pontualmente, é verdade, porém a mim não chocam as roupas curtas ou as letras ousadas. Me choca ver que alguns dos nossos parlamentares lutam para cassar direitos conquistados pela parcela mais oprimida da população, para manter a mulher submissa ao homem, para preservar a temível “tradição da família”. Disso aí eu tenho medo. Espero ver, nos próximos anos, mais e mais Valescas Popozudas na nossa sociedade e na mídia. Ela pode não ser uma “pensadora contemporânea” nos moldes que o reacionarismo exige. Nossa funkeira, contudo, reflete a sociedade, defende direitos, dá um tapa na cara do machismo. E às recalcadas, envia um beijinho no ombro. (Guilherme Boneto)