São os “costumes”, companheiro
.Por Guilherme Scalzilli.
Pesquisas recentes sobre a popularidade do governo Lula ressuscitaram na esquerda a antiga tese da “falta de comunicação”. As pessoas não estariam informadas dos avanços que as beneficiam ou que podem beneficiá-las no futuro próximo.
Essa leitura é discutível. Administrando heranças ruinosas, sabotado por um Congresso reacionário, Lula recebe aprovação equivalente às suas imensas dificuldades. Apesar de compreensíveis, porém, os números exigem reação imediata.
A urgência decorre da harmonia entre as curvas de rejeição ao governo e de repúdio a agendas progressistas, inclusive as que Lula evita defender. Quanto mais conservador fica o eleitorado, maior sua antipatia por um presidente que se esforça para afagá-lo.
Em outras palavras, a tática apaziguadora de Lula alimenta uma potência antagônica a ele próprio. Seu receio de criar atritos em torno das pautas de “costumes” fortalece a hegemonia da direita sobre um repertório discursivo inamistoso e radicalizado.
Mas por que os tais “costumes”? Porque eles agregam um componente moralista que legitima a demonização de inimigos e a disseminação impune de falácias eleitoreiras. São antídotos contra as estatísticas sobre inflação, emprego, desmatamento etc.
Quando o Congresso aprova uma lei de “costumes”, o ganho político é do parlamentar bolsonarista que sobe em púlpitos e palanques regionais para maldizer o governo. Tidos como vitórias por esse campo, os retrocessos fortalecerão a extrema-direita em 2026.
O projeto de poder focado “apenas” na estabilidade econômica e no combate à miséria caducou. Esses apelos racionais são neutralizados por estímulos opostos, emotivos e religiosos, de setores que atuam em simbiose com as ubíquas plataformas digitais.
O problema de comunicação do governo existe, portanto, mas tem natureza ideológica, não gerencial. É inútil mostrar eficácia para cidadãos predispostos a ignorá-la. Ou Lula desestabiliza esse condicionamento ou será atropelado por seus efeitos.
O desafio envolve quebrar o monopólio discursivo da direita em certos temas, levando-os para os terrenos constitucional, científico e humanitário. E afirmando uma identidade clara do governo, de intransigente resistência à cruzada obscurantista.
Isso poderia ser realizado através de campanhas na TV e no rádio, apresentando textos informativos, baseados em fontes jurídicas e especializadas. Com respaldo institucional e talvez a assinatura conjunta de universidades e de órgãos do Judiciário.
Fake news, aborto, Estado laico, homofobia e racismo são exemplos de tópicos a explorar. Sem confronto nem palpite, mantendo o estrito interesse público e a função educativa dos anúncios. Nenhuma brecha para as patrulhas da polarização.
As saudáveis polêmicas resultantes lançariam dúvidas sobre os indecisos e mostrariam à sociedade que os “costumes” vão além de mitos, valores e crenças. Também dariam suporte aos freios contramajoritários que o STF hesita em aplicar no arrastão legislativo.
Se Lula não possui autonomia sequer para a divulgação de esclarecimentos oportunos, o risco de impeachment é o menor dos seus dilemas. Chegou a hora de alguém recalibrar o pragmatismo do governo, enquanto ainda restam alternativas de resistência. (Do Blog do Guilherme Scalzilli)