.Por Rafael Martarello.

Paulo Freire, que não pode descansar em paz devido às perseguições contra uma alternativa de educação libertadora orientada aos oprimidos da sociedade, tinha uma famosa colocação: – “Quem, melhor do que os oprimidos, se encontrará preparado para compreender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá, melhor que eles, os efeitos da opressão?

Protesto na Câmara de Campinas (foto rafael martarello – arq pessoal)

Quem, mais que eles, para ir compreendendo a necessidade da libertação?”.

Nesta semana, um dos trabalhos educativos mais instigantes de Campinas, a HQ “Territórios Negros: nossos passos vêm de longe”, criada pelo Mandato da Vereadora Guida Calixto (PT), foi alvo de perseguição, e mais, o próprio mandato esteve sob risco de cassação.

Essa publicação vem sendo distribuída à população de Campinas, que foi a última cidade do Brasil a abolir o regime de escravidão. O material não trata especificamente da escravidão, a HQ é uma homenagem à memória e ancestralidade do povo negro, que nessas terras de barões do café foram expropriados de toda a sua história. “Territórios Negros” apresenta o legado cultural, espacial, político e educacional que o povo negro deixou em Campinas. Permitindo assim que se fale para além das cicatrizes.

A publicação tem inclusive chegado, especialmente, na mão dos educadores, que a incluíram em seu trabalho pedagógico, fato este que, sem grande surpresa, incomodou a ala bolsonarista da conservadora Câmara Municipal. Por óbvio, pois de preferência eles nos querem mortos, mas se vivos, nos querem alienados, apartados de nossa história e servindo ao sistema.

Marcelo Silva, do PSD, elaborou um requerimento qualificando o material como “folheto absurdo”, acusando a vereadora e seu mandato de distribuir material de doutrinação nas escolas. Em vídeo publicado em sua página no Facebook, o vereador desqualifica o material por este conter uma ilustração da Marcha de Zumbi dos Palmares, com manifestantes segurando cartazes de protesto. Estes diziam “Fora Bolsonaro”, “Não ao Genocídio do Povo negro”, “Fogo nos racistas”. Ele diz que a vereadora precisa ser responsabilizada por incitar o ódio, e apresenta uma interpretação literal da frase “Fogo nos racistas”, expressão essa que sabemos ser metafórica, assim como sabemos ser literal por parte da burguesia e seus capitães do mato a prática de colocar fogo em pessoas e matar à queima roupa.

Um vereador que apoia o governo genocida se mostrar indignado com supostas manifestações de ódio é pura dissimulação. Na melhor das hipóteses, ele confunde, de modo canalha e proposital, a reação do oprimido com a violência do opressor. Ele se esquece que o ódio ao negro é a pólvora que matou Marielle Franco, Kathlen Romeu e Evaldo Rosa, o ódio ao negro é o gás que matou Genivaldo, o ódio ao negro é a viatura que arrastou Cláudia, o ódio ao negro é a indiferença que matou o menino Miguel.

O PRTB de Campinas protocolou um pedido para cassação da vereadora Guida Calixto por esta, por meio da HQ, incentivar a violência. Na sessão destinada ao mérito do pedido, diversos militantes de esquerda, do movimento negro e da população em geral apareceram para demonstrar apoio ao mandato da vereadora e à HQ. Como resultado, a proposta de cassação do mandato da vereadora foi negada pela presidência.

Guida Calixto, vereadora de Campinas pelo Partidos dos Trabalhadores (PT), educadora de carreira, conhece Paulo Freire e sabe da importância de os oprimidos conhecerem sua própria história para lutarem contra todas as formas de opressão. E sabe e com ela sabemos também que “seria uma atitude ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que proporcionasse às classes dominadas perceber as injustiças sociais de maneira crítica.” (Paulo Freire)