Em São Paulo – No contexto das comemorações do centenário da Semana de Arte Moderna de 22 e do bicentenário da Independência do Brasil, a galeria Arte132 apresenta até o dia 5 de março a mostra São Paulo, sua, nossa Pauliceia Desvairada, individual de José De Quadros. A mostra evidencia a realidade da capital longe das elites e enfatiza suas pluralidades, com obras repletas de elementos que remetem à periferia e ao entorno do ateliê do artista, localizado no Itaim Paulista, extremo leste da cidade.
Por meio de pinturas e desenhos, José ressalta as minúcias do cotidiano, a arquitetura popular, varais, antenas de televisão e fios de alta tensão, uma alusão às questões sociais, políticas e culturais. São 40 obras expostas, que convidam o visitante a conhecer São Paulo a partir da narrativa de quem realmente está inserido na diversidade paulistana. O título da exposição, inspirado na obra Pauliceia Desvairada, de Mário de Andrade, propõe o alargamento do olhar sobre a capital paulista. “O modernismo falava e retratava o centro de São Paulo. A periferia não, ela foi esquecida. José De Quadros busca outros elementos e propõe um diálogo horizontal sobre a cidade de São Paulo, o que é visto na série Atelier de São Paulo”, explica a curadora Tereza de Arruda.
“O artista contemporâneo não vive de uma ambientação idílica e fictícia, mas da realidade que lhe é imposta. No caso de José De Quadros, estas características são marcantes, pois ele convive com as discrepâncias da Pauliceia, por viver na periferia de São Paulo, e transpõe em suas obras parte deste universo em um ato de interlocução, inserção e visibilidade de seu entorno, que compõe a pluralidade desta cidade desvairada”, complementa Tereza.
Momentos, perspectivas e acontecimentos são os temas centrais de seus trabalhos, alimentados pela observação e pela escuta. José De Quadros busca interpretar e materializar com atenção e, ao mesmo tempo, sem ser invasivo, as situações do dia a dia, assimilando e documentando o que está ao seu redor. Os retratos também são meios que usa para captar testemunhos de sua intimidade pessoal e de sua investigação a atentar para o outro. Na série de retratos da etnia indígena intitulada Selk’Nam, por exemplo, ele homenageia uma minoria em esquecimento.
Selk’nam era o nome de um grupo étnico que viveu na região patagônica do sul da Argentina e do Chile, incluindo as ilhas Tierra del Fuego, até a primeira metade do século XX. A partir de 1878, houve um genocídio como consequência da colonização da ilha por exploradores de ouro e criadores de ovelhas, causando a completa extinção desta etnia. Nas representações criadas pelo artista, destacam-se sua postura e seus ornamentos corporais, tendo o ouro como atributo a lembrar a ganância que causou sua extinção.
“Ao longo da história da arte, vários artistas fizeram trabalhos referentes a seus ateliês, sempre mostrando-os de uma forma romântica ou mítica. Quando abordo o tema ateliê, não mostro o óbvio para um pintor, que seria pincéis, palhetas, cavaletes etc, mas, sim, o que está ao redor, despido de qualquer romantismo ou mítica. Tudo é interpretado com uma certa aridez, revelando o lugar como um mero espaço de trabalho, como outro qualquer. De certa forma, as coisas banais retratadas (escada, janela, cadeira, mesa) adquirem um outro sentido quando mostradas nesse contexto e passam a ter um valor superior, desprendido da nossa visão normal do cotidiano”, declara José.
Nascido em 1958, em Barretos (SP), o artista iniciou seu percurso como autodidata ainda no Brasil. Morou no Itaim Paulista por anos e um longo caminho o levou à Alemanha, onde ingressou na Academia de Arte de Kassel, formando-se em 1998, com especialização em Pintura com o Prof. Kurt Haug. Ambas as cidades onde vive, tanto São Paulo quanto Kassel, sediam duas das mais importantes exposições de artes plásticas — a Bienal de São Paulo e a Documenta de Kassel. Frequentador assíduo destes contextos, José De Quadros sempre saciou nestas fontes sua sede, através de seu olhar curioso e aguda sensibilidade, do universo da arte contemporânea nacional e internacional. Ainda nestes contextos, foi assistente de Anselm Kiefer, Cildo Meireles e Tunga, entre outros.
Como vive há um tempo também na Alemanha, a evolução sócio-político-cultural deste país também é objeto de suas obras. Na exposição, são apresentados jornais originais do período nazista na série denominada Tempos para Desenhar. Sobre eles, o artista pinta insetos e outros animais que representam a praga a disseminar em seu entorno, uma poderosa referência sobre um perigo ideológico iminente. Esta obra, de caráter simultaneamente crítico e vigilante, repassa-nos uma nova perspectiva da esfera social durante o período do nazismo, quando todos os cidadãos que não atendiam a um padrão pré-estabelecido estavam destinados ao extermínio. Segundo José De Quadros: “Os desenhos e a sobrepintura velam a grande tragédia que ali atrás se esconde. Assim velados, eles se tornam misteriosos e aguçam a curiosidade: o que realmente aconteceu? Talvez esse seja o grande trunfo desse trabalho: destruir algo para construir o novo”.
“Transitando entre a pintura e o desenho, ambos em diferentes técnicas e suportes, José de Quadros é um artista do ateliê, entendido como o território do exercício criativo, que em toda a sua obra se inspira e dialoga empaticamente com personagens e questões histórico-sociais relacionadas a suas vivências pessoais”, conclui a curadora Tereza de Arruda.
São Paulo, sua, nossa Pauliceia Desvairada, de José De Quadros
Curadoria: Tereza de Arruda
Local: Arte132 Endereço: Av. Juriti, 132, Moema, São Paulo
Período expositivo: de 22 janeiro a 05 de março de 2022
Horários de visitação: de segunda a sexta, das 14h às 19h. Sábados, das 11h às 17h
No dia 12 de fevereiro, às 15h, haverá uma visita guiada pela curadora Tereza de Arruda
Entrada gratuita
(Carta Campinas com informações de divulgação)