Em artigo recente, o jornalista espanhol Antonio Maestre, relata a preocupação com o fato de o jornalismo, que um dia foi fundamental para as Democracias capitalistas, atualmente tem sido peça fundamental para a destruição das Democracias. Ele cita situações nos EUA e na Espanha, mas o mesmo ocorreu no Brasil.

(foto santiago siqueira – senado federal)

Segundo Maestre, “se um retrato falado do jornalismo deve ser desenhado, estamos mais perto de ser o maior perigo para as democracias liberais do que seus protetores. O ataque ao congresso norte-americano só foi possível pelas mentiras de um presidente que um ecossistema midiático favoreceu, promoveu e criou. A opinião pública foi completamente intoxicada por uma maioria da mídia a favor do poder e que, na maioria dos casos, não hesitou em manipular e espalhar boatos. Em muitos outros, mostrou uma postura de tibieza e covardia diante do que significaria enfrentar um presidente sem escrúpulos no exercício despótico de seu poder”.

O autor parece falar do Brasil. A maior emissora de televisão apoio e disseminou desinformações promovidas por ações políticas da Lava Jato, promoveu um golpe parlamentar sufocando a soberania popular e dilacerando o tecido democrático. Ao mesmo tempo, um político sem expressão e de extrema direita, com discurso autoritário, foi promovido em programas de auditório que o tornaram conhecido. O resultado foi mais um golpe na democracia com sua eleição.

Tanto nos EUA, como na Espanha ou no Brasil, há uma preocupação com os rumos e o desapego do jornalismo empresarial com relação à Democracia. A sociedade civil tenta construir alternativas midiáticas, usando o jornalismo e plataformas da internet para combater a desinformação difundida em atacado pelos interesses econômicos de grupos midiáticos, assim como as estruturas montadas de fake news por políticos na própria internet.

Mas essas iniciativas da sociedade civil têm sido insuficientes tamanha a desinformação propagada e o volume de recursos empregados nessas ações de desinformação. É certo que só as organizações de trabalhadores têm condições de combater a desinformação em parceria com iniciativas da sociedade civil. Talvez só os trabalhadores tenham condições de combater a desinformação.

O problema é que as lideranças dos trabalhadores estão muitas vezes desorientadas diante da situação atual. Outras lideranças estão preocupadas mais com uma ação de assessoria de imprensa narcisista e de interesses pessoais que as promovem para galgar um espaço na representatividade das democracias burguesas. Esse modelo de comunicação antigo e ultrapassado, fundado dentro do conceito de Indústria Cultural, é o que consome a energia e os recursos dos trabalhadores diante do caos da fake news no universo midiático.

É preciso que os próprios trabalhadores cobrem de suas lideranças uma mudança de atitude em relação à comunicação. Os trabalhadores, com certa união comunicacional e nacional, estabelecida dentro dos rigores técnicos e teóricos do jornalismo, poderiam produzir conteúdos em praticamente todas as cidades do Brasil com um baixo custo, visto que têm estruturas associativas, sindicais e patrimoniais, com base jurídica e de comunicação (assessoria de imprensa) em todo o país. Mas toda a energia e recursos estão focados no mundo do trabalho e da diretoria. Enquanto isso, do lado de fora, o universo da desinformação e da fake news se expande destruindo as Democracias.

Exemplo de caso

Vejamos o caso do suposto atentado à faca contra Bolsonaro em Juiz de Fora, cidade com quase 600 mil habitantes e boa estrutura organizacional e sindical de trabalhadores de diversos setores. Logo que aconteceu o suposto atentado, uma infinidade de dúvidas sobre a veracidade do fato começaram a surgir. E não foram poucas: a falta de sangue, a presença de Adélio em clube de tiro em Florianópolis, o desaparecimento da faca, panos brancos prontamente surgidos para estancar o sangue que não existiu etc etc etc. Isso deveria ser um prato e tanto para o faro jornalístico da mídia empresarial, mas não foi. Aí tem algo estranho e precisa ser investigado. No entanto, nenhuma grande mídia se interessou em investigar a fundo, apenas comprou a versão oficial como verdadeira.

Somente após três anos surgiu o documentário “Bolsonaro e Adélio – uma fakeada no coração do Brasil” com base jornalística técnica e teórica mais apurada, que precisou levantar recursos por meio de uma parceria DCM/247. No documentário, Joaquim Carvalho precisou se deslocar, por exemplo, para Juiz de Fora (MG) e Florianópolis, em Santa Catarina, gerando custos para a produção.

Se os trabalhadores tivessem uma rede organizada de jornalismo, seria possível iniciar uma investigação logo após o suposto atentado tanto em Juiz de Fora (com jornalistas de lá) e em Florianópolis (também com jornalistas locais). Essa investigação poderia durar mais tempo, procurar conhecidos dos envolvidos na mesma cidade, tentar encontrar e esquadrinhar todos os envolvidos tanto no atentado como na cirurgia em Juiz de Fora. Enfim, fazer uma grande investigação jornalística.

Depois, seria possível juntar essas duas investigações e outras em outras cidades do Brasil e tentar esclarecer o suposto atentado. Talvez hoje já teríamos provas contundentes de que foi um real atentado ou provas indubitáveis de que foi uma grande farsa para ganhar as eleições, como já ocorreu em outros momentos no Brasil.

Em 200 anos de mobilização dos trabalhadores, eles criaram organizações em defesa do trabalho, criaram partidos políticos, criaram órgãos de pesquisa do trabalho, mas não conseguiram alcançar o único Poder do qual eles podem participar livremente, ou seja, espaços de comunicação ou o Quarto Poder. Com as novas tecnologias, surgiram iniciativas de trabalhadores e da sociedade civil, mas ainda incipientes. Os trabalhadores só não detêm uma espaço maior desse Quarto Poder porque realmente parece não interessar às lideranças. Mas essa é uma discussão para os trabalhadores.

Como diz Maestre, a mentira tem potencial de arma de guerra em tempos de paz, um mecanismo de destruição em massa que serve para exonerar criminosos ou negligentes de responsabilidades. “A verdade não importa quando não há quem a diga para que alguém a possa escutar. Se a democracia morrer no século XXI, aquele que lhe dará o golpe de misericórdia será um jornalista [da mídia empresarial]”, ressalta em texto traduzido na Carta Maior.