.Por Marcelo Mattos.

“Agora eu soube que o gajo anda dizendo coisa que não se passou/
E, vai ter barulho, e vai ter confusão porque o mundo não se acabou”
. (Assis Valente, in “E o mundo não se acabou”)

Passadas as manifestações de 7 de setembro em apoio ao então presidente da República, na tentativa funesta de golpe institucional, sobrou o rescaldo do grotesco, a podridão acumulada do discursos de ódio e ameaças, pérolas da idolatria fascista jogada aos porcos verde-amarelos, misto de lavagem e esterco ideológico bolsonarista para deleite da estupidez humana acima de tudo, da mediocridade fundamentalista acima de todos.

(imagem ART – foto marcelo camargo – ag brasil)

Ainda que esse ajuntamento de horrores tenha fracassado numericamente com a concentração de apenas 6% do contingente esperado, ainda assim conseguiu reunir um número expressivo de estupidez messiânica, da expressão mais grotesca do conservadorismo, claro, às custas de muito financiamento de amplos setores do capital agroempresarial, do deus-mercado, neopentecostal, etcetera e tal.

O chamamento e adesão desse empoeirado fã clube passadista, de lunáticos ao baile-da-saudade pijamas verdes-olivas, das retretas da pauta extremista paramilitar e miliciana, se mobilizaram e continuam alerta ao gramofone disparado em 2013 pelos mesmos agentes pátrios e transnacionais que iniciaram o golpe que desaguou na desprezível “difícil escolha” desse presidente e desgoverno. O disco arranhado ainda reverbera numa crise de insanidade e surdez de indivíduos desqualificados, de latifundiários do agrobusiness gerenciando lockdowns, de caminhoneiros festejando um estado de sítio fake e apoiadores de narcomilicianos exultando o tráfico de armas e a barbárie institucional, com a parcimônia do polichinelo presidencial e uma súcia de militares abastados, subservientes.

O mundo cão não se acabou, mas o país Colorama… continua o mesmo: indo pelo ralo feito shampoo de lanolina. Afinal, o que leva uma celebração infame com tamanhas imbecilidades, uma pústula de gente tão grotesca enroladas em bandeiras do Brasil Império, da mesma elite escravocrata branca, anti-indígena e executora de massacres populares? Dos sertanojos ruralistas aos vikings de Capitólio fantasiados conta o STF? Nada se salvou da avalanche estúpida, falso-moralistas em camisetas da CBF, da cornija idólatra de blogueiros do caos, do peculato de gabinetes (rachadinhas). Restaram o sumo da imbecilidade e a cretinice como senso universal do reino do mau-caratismo.   

Para não perder o rebolado e a pilhéria do título, o que me chamou à atenção, foi o que levou uma horda de pessoas tão castas, dignos representantes da família cristã brasileira, a seguir de uma piroca gigante verde-amarela, versão mamadeira do” bezerro de ouro”?  Piada pronta à parte, não tinha como não lembrar e me socorrer do delicioso samba-choro de Assis Valente, noticiando uma possível colisão do cometa Halley com a Terra, sobretudo na versão mais galhofa da cantora Paula Toller.

Ah, sim! Paula Toller gravou “E o mundo não se acabou”, no seu CD de 1998, em espirituosa versão samba-sampleado. Abre com os versos no mais puro tropicalismo-antropofágico de “Maricota, Mariquinha e Mariquita soltam a periquita lá em Guaratiba e Guarujá/ Maracatu, jacarandá, Jeca Tatu, Paranaguá…” e na mais inocente liberdade poética altera o verso original “Beijei na boca de quem não queria/ Peguei na mão de quem não conhecia” para o libertário “Beijei na boca de quem não devia/ Peguei no pau de quem não conhecia”.

Afinal, nada mais anárquico do que o mundo acabar pornográfico é “não acabar” lúgubre num arraiá, enquanto astros e satélites percorrem o céu…

José de Assis Valente, uma das mais belas e dramáticas biografias da música popular brasileira, nasceu em Santo Amaro/BA, em 1911.  Se muda para o Rio de Janeiro, em 1927 e no início dos anos 1930 começa a compor sambas. Tem a sua primeira gravação “Tem Francesa no Morro”, com Aracy Cortes (1932) e no ano seguinte, nessa mesma linha, Carmen Miranda grava “Good-Bye, Boy”, crítica ao modismo de misturar o inglês à língua nacional e a marcha “Elogio da Raça”, tematizando a discriminação do negro, assim como o samba “Isso Não se Atura”. Em 1938 compõe o “E o Mundo Não se Acabou”, gravado pela sua maior intérprete, Carmen Miranda, no LP de 10”, A Pequena Notável, em 1955.