.Por Rafael de Almeida Martarello.

Recentemente, dentro do setor eleitoral da esquerda e de análise política, iniciou-se um debate acerca de quem deveria encabeçar uma possível chapa única da esquerda nas eleições de 2022 para o governo do Estado de São Paulo. A divisão está entre Fernando Haddad (PT) e Guilherme Boulos (PSOL).

(foto ricardo stuckert – il)

Este debate, que só tende a crescer com as proximidades das eleições e com as novidades no cenário político, teve uma rápida intensificação com a movimentação das forças políticas e com a divulgação de uma pesquisa de intenção de voto do Atlas. A mencionada pesquisa apresentou um cenário de liderança bem favorável caso houvesse a dita união, mas também trouxe um cenário na qual a performance dos candidatos é bem inferior em uma possível competição, este último fato é confirmado por demais pesquisas de intenção de votos.

Neste texto irei fazer apresentar breves comentários acerca do conteúdo midiático, para após fazer uma análise dos números dos candidatos e da pesquisa que acentuou o debate. Ao final faço uma conclusão que do ponto de vista numérico não há sentido posicionar um candidato mais expressivo como Fernando Haddad na posição de vice de Guilherme Boulos, menos ainda que Haddad abra mão de sua candidatura.

Breve contextualização

Pelo o que corre nas mídias (incluindo empresas especializadas em previsão do cenário político), os dois partidos acenaram uma aliança, mas demarcando uma posição própria de liderança. O PT quer Haddad como governador, com apoio do PSOL e que Guilherme Boulos se candidate para outro cargo com a promessa de ter um futuro apoio do PT em alguma eleição ao executivo. Do outro lado, o PSOL quer Boulos como primeiro nome da chapa e que Haddad seja o seu vice ou concorra a outro cargo.

Ao mesmo tempo, uma Pesquisa Atlas para o Governo de São Paulo apontou um cenário favorável à união de ambos: Chapa Boulos-Haddad com 26,3% das intenções de voto; Chapa Haddad-Boulos 25,3% das intenções. Visto este resultado, parte da mídia de esquerda levantou-se rapidamente para dizer que deveria haver um gesto do PT para abrir mão da cabeça de chapa em favor de Boulos.

Analisando a questão

Ora, não há dúvidas que Guilherme Boulos desde os atos contra a copa tem ganhado notoriedade crescente no cenário político e midiático. Muitos apontam o desempenho da sua candidatura para prefeito de São Paulo como a grande materialização de sua popularidade. Nesta ocasião, o candidato recebeu no primeiro turno 1.080.736 de votos, e no segundo turno 2.168.109 de votos. Ainda assim, infelizmente, foi derrotado pelo candidato do PSDB.

O fato a ser problematizado é que Fernando Haddad em 2018 disputando a eleição presidencial, no auge do antipetismo e com Lula em cárcere político, recebeu na capital paulista no primeiro turno 1.253.162 de votos, e posteriormente no segundo turno 2.424.125. Números bem superiores aos que o candidato do PSOL recebeu em sua última participação, em média, o petista recebeu aproximadamente 12% mais votos.

Ainda, levando em consideração o primeiro turno das eleições presidenciais de 2018 na capital paulista, – agora talvez uma comparação mais justa por ter ocorrido uma rivalidade direta – Boulos obteve 76.953 votos, o que não chega a 7% dos votos que o candidato Fernando Haddad recebeu na mesma oportunidade. Levando isso para o cenário estadual, na qual está prevista a disputa pelo governo de São Paulo, os números de votos Boulos não alcançam nem 5% dos votos que Haddad recebeu: 3.833.982 contra 187.451.

Desta forma, materialmente, Haddad teve essa quantidade de votos amplamente superior em comparação ao candidato do PSOL. Seja a comparação direta na qual os candidatos rivalizaram, seja indireta, comparando quantidade recebida em eleições diferentes. Frisa-se que não houve nenhum desgaste da imagem do candidato petista para perder o seu público cativo, o cenário antipetista está em decadência e a imagem do Lula vai estar vinculada a imagem do Haddad. Fatos estes que tendem a apresentar uma tradução numérica maior ao petista.

Beleza cara, mas tem a recente pesquisa de intenção de votos.

Conforme mencionado, ainda que haja um histórico anterior a ser considerado, o cenário político é dinâmico, desta forma, naturalmente desde um militante/apoiador a qualquer pessoa, pode contestar minha argumentação apontando a expectativa de intenção de voto retratada pela pesquisa de intenção de votos Atlas.

Entretanto, a pesquisa não deve ser creditada. Sim, estou afirmando que não há sustentação estatística para o público acreditar nesta pesquisa específica. Não foi exposta a metodologia utilizada e o perfil da amostra, nenhuma única característica sociodemográfica que exiba seu grau de similaridade com a população. Somente foram transmitidas informações gerais ao público como número de respondentes, a forma de pesquisa (que torna possível extrair que os respondentes tinham acesso a internet), a margem de erro e os resultados simples.

Ressalto que não é a primeira vez que eu me deparo com problemas de sub-representação de grupos pela estratificação e baixo número de respondentes pelo mesmo instituto, embora com desenho metodológico melhor descrito.

Do ponto de vista estatístico, tendo em vista essa ausência de informações, levando esta mesma margem de erro e grau de confiabilidade que tem sido característico deste e dos demais institutos de pesquisa, a amostra da intenção de votos em São Paulo é menor que aquela estatisticamente válida. Com isso temos o comprometimento de toda a inferência feita pelos resultados, ainda que eles tenham uma precisão maior do que a opinião individual.

Concluo, conforme já exposto previamente, que no atual momento do ponto de vista numérico não há razão para Fernando Haddad abdicar de um papel de liderança principal em uma possível chapa da esquerda para a eleição do governo estadual de São Paulo. O candidato petista se mostrou historicamente mais expressivo na capital e no estado de São Paulo.

Devemos ainda tomar cuidado com a miopia política ensejada seja pela bolha de militância virtual seja pelo desejo político que cria uma fantasia enganosa do cenário que para ocorrer ainda falta modificar diversos vetores políticos.