Do BdF

O governo Bolsonaro gastou mais de R$ 11,2 mil em passagens e diárias de viagens para um grupo de médicos ir à Brasília participar de um evento de estímulo ao tratamento precoce que acabou sendo cancelado.

Todos os que receberam passagens não tinham especialização em infectologia, especialidade em doenças infecciosas. Uma das médicas, Nise Yamaguchi, não soube diferenciar protozoário de vírus na CPI da Covid (LINK).

(foto de vídeo)

Entre eles estava Nise Yamaguchi, que confirmou ter utilizado a passagem paga pelo governo para ir a Brasília durante depoimento à CPI da Covid nesta terça-feira (1). “Eu pagava minhas passagens. Só uma vez que o governo quem pagou”, disse.

Além de Yamaguchi, os médicos Paulo Olzon Monteiro da Silva, Anthony Wong e Paulo Mácio Porto de Melo também usufruíram dos trechos aéreos e da ajuda de custo mesmo após o evento ao qual eles seriam convidados ter sido revogado dias antes de sua realização.

Outras duas integrantes do grupo de profissionais da saúde, Rute Alves Pereira e Costa (é biomédica) e Luciana de Nazaré Lima da Cruz (é anestesiologista), também tiveram as passagens emitidas pelo governo federal, mas não utilizaram. As informações foram obtidas pelo Brasil de Fato no Portal da Transparência.

De acordo com a justificativa oficial, as passagens foram compradas para que os médicos participassem das atividades do Dia Nacional da Conscientização para o Cuidado Precoce, que estaria agendado para 2 de outubro. O evento, no entanto, foi cancelado após repercussão negativa nos veículos de imprensa.


Registros das viagens para evento de tratamento precoce – Portal da Transparência / Lueine Tuany

Dia do cuidado precoce

Em 25 de outubro, o Ministério da Saúde chegou a anunciar o dia de estímulo ao cuidado precoce em seu site (o link ainda está disponível). De acordo com órgão, a data seria “mais um marco da campanha #NãoEspere, que reforça a importância das medidas de prevenção recomendadas pela pasta no enfrentamento à covid-19”.

O objetivo, segundo a pasta, seria “garantir o direito e acesso da população ao tratamento precoce e evitar o agravamento da doença, reduzindo complicações, internações e óbitos”. Todas as justificativas citam logo no início que a viagem seria “a convite da secretária Mayra Pinheiro”.

Em depoimento prestado à CPI da Covid, a secretária  disse que o ministério nunca ordenou o uso de cloroquina e hidroxicloroquina como tratamento precoce, mas sim estabeleceu uma orientação sobre “doses seguras”. Ela também ressaltou uma suposta diferença entre os termos “cuidado precoce” e “tratamento precoce”.

Quatro dias depois de divulgado, porém, o Dia Nacional da Conscientização do Cuidado Precoce foi adiado pelo Ministério da Saúde, conforme noticiado em 30 de setembro pelo jornal Correio Braziliense.

A decisão ocorreu, segundo o jornal, um dia depois do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, ter vetado a promoção de medicamentos como cloroquina e ivermectina. 

Na ocasião, a assessoria de imprensa da pasta disse, por meio de nota enviada ao jornal de Brasília, que a “ação de conscientização para o tratamento precoce da covid-19 está sendo planejada, e não tem data de lançamento definida”.

Apesar do recuo, dias antes o próprio Eduardo Pazuello havia divulgado o Dia do Cuidado Precoce, durante a 7ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite 2020.

“Uma rápida chamada quanto ao dia do atendimento precoce, da conduta precoce, que é o dia 3 de outubro. (…) É o esforço nacional que o SUS está fazendo para divulgar as melhores práticas, para que possamos salvar mais vidas”, disse Pazuello no discurso.

“Uma do paciente que tem que entender o que nós estamos falando com relação ao atendimento precoce e outra para o profissional de saúde, que tem que se sentir confortável na hora que prescreve uma medicação para poder fazer frente a uma doença tão inédita como a covid-19”, completou o general da ativa. 

Procurado pela reportagem na manhã dessa segunda-feira (31), o Ministério da Saúde não respondeu aos pedidos de posicionamento. A reportagem questionou se algum dos médicos beneficiados pelas passagens e diárias reembolsou o valor ao governo federal. Procurados, os profissionais de saúde não retornaram os contatos.

Quem é quem na tour do tratamento precoce

Nise Yamaguchi

A médica e entusiasta do uso da cloroquina no tratamento da covid-19 Nise Yamaguchi presta depoimento nesta terça-feira (1°) na CPI da Covid no Senado.

Oncologista e imunologista, além de diretora do Instituto Avanços em Medicina, de São Paulo, é uma figura chave para mostrar como funcionou o gabinete paralelo do governo Bolsonaro na gestão da pandemia, composto de negacionistas que se recusaram a seguir as diretrizes científicas no combate à covid-19.

Esse grupo paralelo que contou com a participação da médica também cogitou mudar a bula da cloroquina, para incluir a covid-19 entre as doenças que poderiam ser tratadas pelo remédio.

Reportagem do site The Intercept Brasil, publicada nesta segunda-feira, com dados obtidos pela Lei de Acesso à Informação, mostra os registros da ida da médica à sede do Ministério da Saúde no ano passado.

De acordo com a lista, Nise Yamaguchi esteve no prédio em pelo menos quatro datas em junho, julho e dezembro de 2020. Em duas delas, a médica passou pela recepção mais de uma vez, nos períodos da manhã e da tarde – o que indica que teve reuniões que ocuparam todo o dia.

Antyhony Wong

O médico pediatra Anthony Wong morreu em 15 de janeiro. Toxicologista, criticava medidas de prevenção contra o coronavírus e defendia o uso de hidroxicloroquina para o tratamento de covid-19.

Paulo Mácio Porto de Melo

Paulo Mácio Porto de Melo é mestre em Ciências Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficial, graduado em medicina e especialista em neurocirurgia pela Unifesp, além de presidente do departamento de Neurocirurgia Vascular e do Departamento de Defesa Profissional da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia.

Paulo Olzon Monteiro da Silva

Clínico geral da Universidade Federal de São Paulo. (Do Brasil de Fato/Paulo Motoryn)