A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) do governo Bolsonaro está correta em sua decisão técnica de vetar a vacina Russa Sputnik V, dizem cautelosos alguns cientistas brasileiros. É uma decisão técnica, mas uma decisão técnica que só foi possível por má vontade e falta de agilidade diante de uma pandemia que já matou 400 mil brasileiros oficialmente e outros milhares não computados nos registros oficiais.
Há meses ocorre uma negociação para que a vacina seja aprovada. Havia a oferta da vacina para o Brasil e governadores já tinham avançado nas negociações para compra. Há um pedido de importação que traria ao Brasil cerca de 30 milhões de doses (Vale aqui lembrar que o governo Bolsonaro trava um batalha contra os governadores por causa da pandemia, ameaçando até usar o Exército contra o isolamento social).
Se a Anvisa não fosse gerida por gente no melhor estilo do governo, haveria um esforço gigantesco para redimir todas as dúvidas da vacina, mas a decisão de vetar exalou de forma evidente a má vontade e a inépcia ideológica típica do governo Bolsonaro.
Durante o processo, a Anvisa – em vez de destacar uma equipe para agilizar e solucionar todas as dúvidas – apenas demorava e dizia que faltavam documentos. Foi obrigada pela Justiça a tomar uma decisão diante da demora. É uma irresponsabilidade sem tamanho no meio da pandemia. Na decisão ‘técnica e correta’, apontou questões que poderiam ser resolvidas se tivesse um grupo competente diante da pandemia.
A constatação da Anvisa que mais chamou a atenção e explicitou a má vontade e a inépcia foi a presença de adenovírus replicante (ou seja, um vírus usado para levar parte do coronavírus). Mas veja que a Anvisa não fez nenhum teste! Ela se baseou nos dados apresentados pelos produtores da vacina e foi incapaz de solucionar essa questão com diálogo.
Mais que isso, a vacina russa já foi aprovada por órgãos reguladores de 62 países, sem nenhum problema relatado até o momento. Mais que isso, Heriberto Garcia, diretor do Instituto de Saúde Pública do Chile (ISP), afirmou que o ISP não necessariamente rejeitaria a vacina mesmo que se confirme a presença de adenovírus replicantes. “Temos que equilibrar o benefício de ser vacinado e ao de não ser vacinado”, disse. “Se o vírus se replicar, você vai pegar no máximo um resfriado comum. Se você não for vacinado, poderá ter covid-19”, disse à imprensa.
Logo após a negativa da Anvisa, os produtores da vacina enviaram um longo documento, em inglês, aos técnicos da agência regulatória brasileira. Esse relatório rebate ponto a ponto da decisão da Anvisa e contém resultados de testes clínicos feitos em janeiro último e que, portanto, já poderiam ter sido vistos pela Anvisa.
Para o virologista Amilcar Tanuri , da Universidade Federal do Rio de Janeiro, os novos documentos enviados revelam que os testes clínicos não detectaram nenhum vírus replicante na vacina. Bingo! Na opinião do professor da UFRJ, que concedeu entrevista à DW, o caso parece ser “uma sucessão de enganos por falta de comunicação adequada”. Em plena pandemia de 400 mil mortos, uma sucessão de enganos.
PS: Em março do ano passado, o diretor-presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, quebrou diversos protocolos recomendados pelo Ministério da Saúde (MS) para contenção da pandemia do novo coronavírus (Covid-19). Sem máscara, ele acompanhou Bolsonaro em aglomeração durante as manifestações pró-governo. Enganos letais.