.Por Carolina Filho e Pedro Oliveira.

Vivemos a maior crise de saúde pública dos últimos 100 anos, o que já levou à perda de inúmeras vidas no Brasil e no mundo. Além do sofrimento gerado por conta dos doentes e mortos, o novo coronavírus trouxe consequências profundas para a organização da sociedade e para a dinâmica da economia. Cabe observar que o aumento da carga de trabalho doméstico, a orientação dos filhos com as tarefas virtuais, o cuidado com parentes idosos e o necessário reforço dos protocolos de higiene sobrecarregam principalmente as mães e mulheres trabalhadoras.

(foto de vídeo – youtube – tv cultura)

Já estamos há quase um ano com a suspensão das atividades escolares presenciais e isso tem causado muita expectativa em toda a comunidade escolar. O ato educativo baseado no contato presencial e nas vivências cotidianas entre as crianças e jovens da turma e destes com a professora e o professor continuam imprescindíveis para o efetivo processo de ensino-aprendizagem, para a maturação cognitiva, emocional e psíquica e para a formação pessoal e social dos estudantes. Há prejuízos evidentes para a educação em todo o mundo, pois a prática educativa presencial não pode ser substituída por completo por mecanismos tecnológicos. Entretanto, isso não é justificativa para que sejam tomadas medidas atropeladas de retorno das atividades presenciais nas Unidades de Ensino que coloquem em risco a saúde e a vida de nossas crianças e jovens, de seus familiares e de profissionais da educação.

Vivemos um período de inquestionável agravamento da pandemia de coronavírus pelo mundo e no Brasil, com aumento do número de infectados, de internações e de óbitos, motivado pelo surgimento de novas variantes e pelo relaxamento das medidas de isolamento social. Em nossa cidade, não tem sido diferente: Campinas já bateu recordes de novas contaminações diárias e de internações neste ano e, ao fim dos primeiros 20 dias de fevereiro, já havia ultrapassado as marcas de 67 mil infectados e 1800 mortos, tornando urgente a necessidade de abertura de novos leitos de UTI. Ainda que sejam incorporados protocolos nas escolas, como o uso de máscaras, revezamento e álcool gel, a volta presencial às aulas sem segurança sanitária acentua o risco de novas infecções, pois promove justamente mais aglomerações e maior circulação de pessoas, nas cerca de 200 escolas estaduais da região. Além disso, a precariedade da estrutura da maioria das escolas dificulta a garantia de muitos protocolos – exemplos disso são as condições inadequadas de ventilação nas salas e os pouquíssimos profissionais da limpeza e agentes de organização escolar em exercício.

Segundo a Fiocruz no documento “Contribuições para o retorno das atividades escolares presenciais no contexto da pandemia Covid-19”

“As decisões [para retorno das atividades escolares presenciais] devem ser tomadas por estados e municípios considerando a saúde pública, os benefícios e riscos para a comunidade escolar e outros fatores, precisam levar em conta os interesses e manifestações dos estudantes, dos professores edetodos os trabalhadores e profissionais da educação, utilizando as melhores evidências disponíveis.”

“(…) critérios devem ser reforçados para o retorno das atividades escolares e orientados por especialistas e o setor saúde do estado ou do município”: [dentre os quais destacamos] “A transmissão da doença deve estar controlada”, “Medidas preventivas devem ser adotadas nas escolas”; “Inclusão de professores e suas organizações representativas nas discussões sobre o retorno à escola”.

https://portal.fiocruz.br/sites/portal.fiocruz.br/files/documentos/contribuicoes_para_o_retorno_escolar_-_08.09_4_1.pdf

O governador João Doria procurou vender uma imagem de seguidor da ciência e zeloso pela vida ao longo de 2020. Talvez os desavisados tenham achado que o Bolsodoria de pouco tempo atrás houvesse se afastado do bolsonarismo, ideologia que articula violência e desprezo à vida para sustentar desigualdades e privilégios econômicos. No entanto, a resolução autoritária para o retorno das aulas presenciais na rede estadual de ensino em 08 de fevereiro revelou que o discurso pró-ciência de Doria não era muito mais que propaganda política para tentar se diferenciar da política genocida do governo Bolsonaro diante da pandemia.

Cabe notar a consideração feita pelo próprio diretor do Instituto Butantan (instituição vinculada ao governo do Estado de São Paulo), Dimas Covas:

“O problema da escola no meio de uma pandemia, não é a escola. É o que a escola acarreta em termos de mobilidade social. A ausência de aulas nesse momento representa 15% da população do estado de São Paulo que está em casa. Se voltam as aulas essas pessoas vão voltar a circular. Consequentemente vão levar o vírus a circular. Esse é um aspecto que precisa ser compatibilizado. É importante a escola, a presença dos alunos em sala de aula, mas nós temos que pensar. Nós estamos em um momento de enfrentamento do vírus que precisamos reduzir a mobilidade social de todos os segmentos”

Jornal da Cultura 20/01/2021)

Com apenas duas semanas de aulas presenciais já pudemos perceber o aparecimento de casos em diversas unidades de ensino e, assim, percebemos que mesmo se considerarmos só as escolas, a medida já estaria profundamente equivocada.

Em Campinas, desde a retomada precipitada das aulas presenciais chegam relatos diários de novos casos suspeitos ou confirmados de Covid nas escolas, que já atingiam cerca de 20 unidades escolares em 19 de fevereiro. Esses casos somente em parte foram veiculados pela imprensa. A maioria dos casos foram revelados por denúncias anônimas de professores e funcionários dado o esforço de muitas direções de escolas e diretorias de ensino em esconder os casos confirmados e suspeitos de Covid-19.

Querem passar uma ideia de normalidade para que as escolas permaneçam abertas, a despeito da contaminação e proliferação da doença. Professores e funcionários estão sendo coagidos a não divulgar possíveis contaminações ou riscos de contaminação a que estão sendo submetidos. Também em 19 de fevereiro dados do Plano São Paulo indicavam a ocupação 97,20% dos leitos SUS municipal de UTI-Covid, o que torna ainda mais preocupante os “esforços” de subnotificação e minimização da gravidade da pandemia. É bem possível que o número de escolas com casos confirmados ou suspeitos de Covid possa ser (e se tornar) muito maior.

Entretanto, as repercussões negativas do retorno precipitado das aulas presenciais afetam não só aqueles que estão indo de forma obrigatória ou facultativa às escolas. O incentivo à maior circulação de pessoas em um momento no qual as médias móveis de mortes por Covid-19 estão altíssimas (acima de mil mortes diárias no país) ao mesmo tempo em que começam a se espalhar variantes mais contagiosas do vírus da Covid-19, custará muito caro à população do estado de São Paulo.

Em meados de fevereiro já foi possível acompanhar diversas cidades com sistema de saúde colapsados. Situações muito tristes, em que chegamos devido à atuação de autoridades públicas irresponsáveis ou genocidas. Com a imposição do retorno às aulas presenciais, Doria e Rossieli entram para o grupo dos políticos que contribuíram para o agravamento da pandemia.

A Resolução SEDUC nº11 de 26 de janeiro de 2021, que dispõe sobre as orientações para retomada das aulas na rede básica de ensino paulista, lamentavelmente prioriza a manutenção das escolas abertas a qualquer custo, independente da gravidade da pandemia naquela localidade e das confirmações e suspeitas de novos casos de infecções na própria unidade escolar.

Apesar da Resolução já ser flexível e pouco rigorosa para evitar a disseminação da pandemia, temos recebido diversos relatos de abafamento dos casos pelas Diretorias de Ensino e de pressão para manter as aulas normalmente mesmo quando há mais de um caso de contaminação confirmado dentro do quadro de profissionais e alunos. A postura do governo estadual atenta contra a vida deliberadamente.

Nossa prioridade número zero tem que continuar a ser salvar vidas. Não podemos aceitar que se banalize a morte. Temos milhares e milhares de brasileiros e paulistas que perderam a vida em função do descontrole da pandemia no país. São dezenas de milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. Isso deve ser motivo de indignação e um imperativo ético para agirmos em defesa da vida. A volta às aulas presenciais é urgente e necessária e, para isso, a garantia de condições efetivas de segurança sanitária é um pré-requisito.

Por isso, defendemos a suspensão imediata das atividades presenciais nas escolas e que só sejam retomadas quando tivermos uma cobertura vacinal de toda a população contra a Covid-19 consolidada.

Carolina Filho, doutoranda em educação e professora de sociologia e Pedro Oliveira, professor de geografia. São membros do Coletivo Quinze de Outubro e trabalham na rede estadual de educação de São Paulo.