.Por Luiz Oliveira.

Clarice Lispector escrevia crônicas para um jornal. Dizem que ela colocava um bilhete no envelope com o texto que deveria chegar até o editor: “Por favor, não mexa nas vírgulas. Elas representam a minha respiração”. Não sei se eram exatamente essas as palavras, mas o sentido não muda.

General Eduardo Pazuello (foto fabio rodrigues pozzebom – ag brasil)

E lembro disso porque foi o que me ocorreu, acompanhando a coletiva do Ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, a respeito das vacinas contra a COVID-19. Entre números, decretos e balanços, sem fim, para justificar porque o Brasil ainda não iniciou o Plano Nacional de Imunização, Pazuello, tal qual um general falando à tropa, vociferou: “Vocês tem de publicar isso, porque não publicam? É importante”.

Chegou a interromper o pensamento para perguntar por que toda vez que ele levantava o dedo flashes eram disparados? Para espanto geral, em seguida, levantou a mão, dedo em riste, fez pose e disse que “agora podiam fotografar à vontade”.

O contexto e o time da coletiva é uma longa história. Antes da entrevista de Pazuello, o Governo de São Paulo divulgou os resultados dos testes da vacina Coronavac. Nas entrelinhas do discurso do ministro revela-se o embate entre o Governador do Estado de São Paulo e o Presidente da República, ambos focados na próxima eleição presidencial.

Fiquei bem ouvindo a “indignação” do general contra a imprensa. Aquilo que era para ser uma coletiva com “fatos” e não “interpretações”, inversamente, acabou servindo como um ato de desagravo. Pazuello até que tentou uma certa neutralidade ao expor os dados do ministério, mas o general dentro dele não permitiu.

Ao dizer que “os senhores e senhoras” precisam se ater aos fatos e alertar, em tom ameaçador, que ninguém deu autorização para a imprensa e para os jornalistas para interpretar os fatos, o ministro esquece de um pequeno detalhe. Os jornalistas trabalham com fatos, sim, e recorrem aos assessores de imprensa, quase sempre, quando precisam tirar dúvidas ou confirmar informações.

Essa relação precisa ser transparente, precisa de confiança mútua. O Ministério da Saúde, como as demais pastas desse governo, não é transparente; não responde aos jornalistas, não atende no prazo regimental às questões formuladas por meio da Lei de Acesso à Informação e ataca a imprensa, amiúde.

Não há nada mais desagradável para um jornalista que ouvir “escreva isso, escreva aquilo”, ou ser indagado sobre o porquê de não ter dado uma notícia que, para o ministro e outros atores, tem relevância superestimada.

Por favor, senhor ministro, não coloque vírgulas em nossos textos.

Luiz Oliveira é Jornalista