.Por Anderson Oliveira.

Não há justiça, não há paz, estamos em um eterno abismo de insegurança jurídica e social, pessoas sendo dizimadas: indígenas, negros, transexuais, movimentos sociais do campo, o capital encurralou à todos, na sala de estar, de baixo do tapete da democracia, e o mundo passa diante de nós com velocidade, violência e transparência — internet, smartphones.

(foto rafael meliga – div)

Jeff Bezos, dono da Amazon, prestes a se tornar o primeiro trilionário do mundo e Elon Musk financiando a primeira missão tripulada privada para o espaço, enquanto brinca de rei no Twitter. Bancos seguem em superávit e os milionários filantrópicos pautam a agenda das políticas públicas. Como comentava um artigo — empresas estão usando engajamento para vender cosméticos. O mundo não viu o óbvio, talvez não quisesse ver.

O ciberespaço se torna cada vez mais, não a extensão do mundo real em uma dimensão virtual, mas o próprio mundo, neutralizando e se sobrepondo a sensações táteis, toques, serviços, moedas, e movendo velhos e novos paradigmas, dinamizados para a esfera online, inclusive o peso da responsabilização por determinados posicionamentos (cancelamento) e pela impossibilidade de justiça (lacrar).

Para bem ou mal, a internet e as novas tecnologias da informação aceleraram o curso da história — “a terra é lenta demais para o computador” — fazendo emergir um grande sentimento de aflição e angústia nas pessoas diante da velocidade das mudanças, sua incapacidade de entender o mundo contemporâneo ou a resistência ao novo e ao outro — humanidade.

Nesse sentido, com amplidão de um olhar único e atento as mazelas e problemas que nos cercam e permeiam nossas vidas, Negro Leo talvez seja um dos poucos ou o único artista (cantor, compositor) com o poder de análise e concisão para fazer ver e apresentar o mundo, como Paul Klee buscava tornar pelas formas e cores o invisível visível.

Por toda sua discografia, Leo esteve disposto a perseguir a invenção, o amor, a alegria, a política para marcar sua história no som, acredito, sem paralelos ou semelhança com artistas do Brasil e do mundo, nesse sentido, buscando seu próprio caminho.

Como quem bebe de todos os rios e se nutre de todos os elementos, Negro Leo carrega consigo referências diluídas na sua música, estar no mundo é ser atingido pelo movimento das coisas, tudo flui (panta rei). Mas as influências mais expressivas talvez sejam dos próprios músicos e artistas da sua geração como Chinese Cookie Poets, Plim, Renato Godoy, Ava Rocha, Lucas Pires, etc.

Em Desejo de Lacrar (2020), seu mais recente trabalho, vê se uma busca única quanto a sonoridade, uma marca que se vê em cada álbum de sua discografia, a não ser pelos discos Ilhas de Calor (2014) e Niños Heroes (2015), co-irmãos, mas que trazem a improvisação como marca, dentro do processo da construção da canção.

Sintetizadores, violão, contra-baixo, bateria, inovação, sonoridade swingada, a mim, uma experiência nova na música brasileira, sem semelhantes. Quanto ao conceito, ideia, o disco está em constante diálogo com o mundo contemporâneo, o “Lacre”, encerra conversas, debates e exalta o vencedor. Termo cunhado pelos movimentos LGBTQ+, mas fortemente adotado por todos, a ver em qualquer conversa de twitter ou debate virtual em que ânimos estão exaltados. “Você venceu com a sua lógica, digital e analógica”, já dizia Jards Macalé.

Anderson Oliveira é jornalista do Discorrendo Assuntos