.Por Verônica Lazzeroni Del Cet.

A Comunidade Caranguejo Tabaiares, localizada às margens do Rio Capibaribe, em Recife, enxerga no projeto ‘Les Crabes’ uma chance de inclusão social, através do ensino da língua francesa.

(foto divulgação)

O projeto ‘Les Crabes’ – que significa caranguejo, em francês – iniciou suas atividades em março de 2011, contando com a participação da comunidade. O nome – uma homenagem à região – remete a principal atividade comercial do local, a qual garante o sustento de muitas famílias: a caça de caranguejos.

O projeto começou a partir da existência de materiais – principalmente livros – em francês, que ficavam na Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares (BCCT). “Eu tinha sido convidada pelo coordenador da biblioteca, Reginaldo Pereira, para ler e responder alguns e-mails em francês. Chegando lá, me deparei com inúmeras cartinhas escritas por crianças francesas e centenas de livros infantis em francês. Materiais riquíssimos e tão pouco explorados. Apaixonei-me então por tudo que vi e não resisti em pegá-los emprestados”, explica Lorena Santos, 33, professora de português de ensino fundamental e médio, em Paris.

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A partir disso, a professora descobriu uma rica oportunidade para transformar a vida da comunidade da região. E isso graças também ao acordo internacional em que a BCCT tem participação, envolvendo as cidades de Recife e a cidade de Nantes, na França, sendo que tal acordo possui caráter coorporativo.

Junto de Lorena, duas professoras do Departamento de francês da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) ajudaram na criação do planejamento das atividades do projeto. Joice Armani Galli, atualmente professora doutora em Letras na Universidade Federal Fluminense (UFF) e Daniella Kunze, professora e doutora em Letras pela UFPE, sendo essa última a responsável, atualmente, por pilotar o projeto na comunidade.

Desde então, o projeto ‘Les Crabes’ diversifica suas atividades e ensina a língua francesa para crianças, jovens e adultos da comunidade, sempre contando com atuação voluntária, pesquisa e o completo envolvimento de estudantes e professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), bem como dos funcionários da Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares.

“Todos os professores e pessoas que trabalharam ou que passaram rapidamente pelo projeto foram (e são) voluntários. Os voluntários chegam até nós através da UFPE ou nos procuram diretamente. Eles são instruídos por mim, pelo coordenador da BCCT ou pela atual professora da universidade que pilota o ‘Les Crabes’ como projeto de extensão.”, conta Lorena Santos.

Público atendido

(foto divulgação)

O projeto contempla o ensino da língua francesa e destina o ensino de tal idioma aos moradores da comunidade Caranguejo Tabaiares, região marcada pela falta de saneamento básico, assim como a má qualidade de vida e habitação. “É importante salientar que o público atendido pelo projeto é extremamente carente e que muitas crianças da comunidade estão em constante contato com situações de violência, de tráfico de drogas ou de prostituição.”, explica a entrevistada.

A partir desta realidade social, o projeto precisou traçar um grande e estruturado planejamento, para estimular a participação dos habitantes da região. “Antes de iniciar as atividades fez-se necessário conhecer o contexto social no qual as crianças estavam inseridas”, conta Lorena. A entrevistada ainda relata sobre as etapas cumpridas pelos participantes, antes do início das atividades. Cada passo procurou chamar a atenção da comunidade, assim como sobre a oportunidade de aprender francês e frequentar a biblioteca comunitária da região.

Foi assim que passaram a atender, inicialmente, a todos que tivessem o interesse de visitar a biblioteca e participar de encontros que aconteciam no local. Após esse passo de sensibilização, a população passou a demonstrar interesse pelo ensino da língua francesa e, finalmente, o projeto iniciou outras atividades, tais como as aulas de francês para crianças a partir de sete anos, com grupos formados por até dez alunos, e jovens, adultos e os mediadores da biblioteca, com aulas semanais e com duração de duas horas.

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Além das aulas, ateliês de leitura, escrita, bem como produção de materiais em francês, pensando na possibilidade de intercâmbio, acontecem até hoje. A professora também destaca os eventos sociais que acontecem no decorrer de cada ano, com o envolvimento de todos do projeto, incluindo os alunos.

“O projeto Les Crabes além de se tratar de um projeto de extensão e pesquisa, ele propõe ensinar a língua francesa para crianças e adolescentes por meio da literatura infantil e de atividades dinâmicas propostas pelo intercâmbio intercultural com a França”, diz a entrevistada.

Transformação de vida

O ensino da língua francesa provocou profundas transformações nas vidas dos participantes do projeto. “O projeto ‘Les Crabes’ criou perspectivas, alimentou sonhos e deu as ferramentas necessárias para realizá-los. Para mim, vê-los felizes foi e ainda é a minha maior conquista”, diz Lorena.

Além disso, a professora conta sobre a oportunidade criada para a prática didática do ensino da língua francesa, visto que muitos alunos da UFPE procuram o projeto e têm intenção em participar. “O projeto de francês é também a base de voluntariado. Os professores que o mantém vivo são estudantes da UFPE que desejam praticar suas aptidões pedagógicas. Desde 2015, vários professores de francês passaram pelo projeto, alguns ficaram por muito tempo, outros logo abandonaram”, conta ela.

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“O projeto ‘Les Crabes’ ganhou também visibilidade dentro e fora do Brasil. Virou referência no ensino do francês para crianças e valorizou a trajetória profissional e pessoal de todos que passaram por lá. Nos tornamos uma família gigantesca de voluntários e apaixonados pelo simples ato de aprender”, complementa a entrevistada.

Segundo Lorena, o ensino do francês também possibilitou descontruir ideias de que apenas a parte branca e rica da população brasileira tem acesso ao ensino de idiomas, especificamente o francês. “Saber que o francês é um diferencial para certas crianças que trabalharam conosco, é a nossa maior conquista. Os “caranguejinhos” puderam viver coisas através das quais nunca tinham feito antes, como assistir um concerto de música clássica ou cantar em francês diante de centenas de pessoas”, diz Lorena.

Grandes conquistas

Dentre as diversas conquistas do projeto e que inclui produção e publicação de artigos científicos e livro infantil bilíngue – elaborado pela tradutora Paula Frassini, o designer Édoard Dessay e o professor de francês Arthur Rodrigues – , a professora comenta sobre as conquistas pessoais de cada um dos envolvidos no projeto – participantes, alunos e até professores. “Pessoalmente, o projeto transformou a minha vida. Graças a ele, eu descobri outras culturas, outros países e ganhei bolsas de estudos no Canadá, na Itália e na França, onde estou até hoje. Pude evoluir como professora de francês, mas sobretudo como pessoa”, conta ela.

Para Sabrina Soares da Silva, 18, o projeto transformou sua vida pessoal e profissional também. “Esse curso foi importante tanto para minha vida pessoal quanto para minha vida profissional. Trabalho na Biblioteca Comunitária Caranguejo Tabaiares (BCCT) e recebemos, eventualmente, vários estrangeiros de vários países e eu posso me comunicar com eles, aprender novas palavras e uma outra cultura. Hoje eu posso ajudá-los, entendê-los e compreender o que eles querem ou precisam.”, conta Sabrina.

Para o coordenador da BCCT e responsável pelo Projeto de Intercâmbio entre a BCCT e a Biblioteca de Rua em Nantes / França, o projeto ultrapassou fronteiras quando pensa nas conquistas do ‘Les Crabes’. “O projeto ‘Les Crabes’ alimentou o sonho de ultrapassar fronteiras, algo que não era oferecido para os habitantes de uma comunidade pobre. Tem crianças que nos cumprimentam com um “Bonjour” e isso é fruto de muito trabalho e dedicação para que as crianças pudessem ter essa oportunidade”, explica Reginaldo Pereira.

Os alunos, ao final do curso, recebem certificados de reconhecimento pela participação, emitidos pela BCCT, pela Aliança Francesa e pelo Consulado da França, em Recife.

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