Negócios da educação no Brasil crescem com as crises (Parte II)

O alinhamento de estados e municípios

.Por Paulo Bufalo.

As posturas dos governos estaduais e municipais diante da ofensiva do setor empresarial da educação pela expansão da Educação a Distância – EaD, em meio à crise do Coronavírus, não destoam daquilo que vem sendo praticado pelo Governo Federal em diferentes frentes. A motivação é a de que os negócios com EaD envolvem, além da oferta de cursos não presenciais propriamente dita, a venda de tecnologias, materiais e formas de gestão.

(foto alexandra koch – pl)

Mesmo sem estarem totalmente preparados, estes governos se lançaram em verdadeiras aventuras mal planejadas na educação. Passaram a impor regras desencontradas e contraditórias, a adotar tecnologias sem o devido preparo e a exigir dedicação incompatível com as condições socioeconômicas e socioemocionais de trabalhadores e estudantes.

A EaD sempre foi muito contestada pela baixa qualidade, principalmente quando aplicada na formação inicial, por inviabilizar as relações humanas e desprezar a construção de valores humanitários e de conhecimentos sobre realidade social através da convivência com a diversidade e da sociabilidade entre pares, que são condições essenciais à garantia de educação de qualidade socialmente referenciada.

Outra crítica a este método, e que já começa a ser verificada nas experiências em tempos de pandemia, é o de aprofundamento das desigualdades sociais na educação, porque serve ao controle absoluto de currículos e conteúdos abordados, e exige que as pessoas possuam equipamentos, acesso à internet e locais adequados para estudos. Ou seja, consolida uma educação para as filhas e filhos da classe trabalhadora e outra para filhas e filhos das classes abastadas e elimina do acesso à educação as famílias submetidas à pobreza.

Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, referentes ao último trimestre de 2018, indicam que um em cada quatro brasileiros não tem acesso à internet. Além disso, muitos tem acesso limitado e realizado através de celulares, o que inviabiliza atividades de educação de qualidade, mesmo que sejam atrativas e inovadoras. Esta situação se agrava ainda mais com as condições de pobreza das famílias.

Soma-se a isso, as informações sobre os percentuais de adesão dos estudantes nos primeiros dias das atividades à distância, que já demonstraram a insuficiência das estratégias adotadas pelos governos no que diz respeito à garantia do direito à educação. Foram inúmeros relatos públicos de falta de equipamentos e internet, dificuldades com plataformas e aplicativos, insuficiência de informações e não recebimento de materiais anunciados.

No Estado de São Paulo, o Centro Paula Souza – CPS, instituição pública responsável por 223 escolas técnicas e 73 faculdades de tecnologia, com cerca de 300 mil matriculados em cursos presenciais, determinou o uso de aplicativos da empresa Microsoft e a utilização de registros de acesso e realização de tarefas à distância para aferições de presenças e avaliações dos alunos. O mesmo CPS, no final da primeira semana de atividades à distância, anunciou oficialmente a “presença” média de 73% dos alunos em todo estado, considerou como um “bom índice de adesão” e comemorou o desempenho em relação às empresas privadas da educação que utilizam as mesmas tecnologias.

No entanto, nenhuma palavra sobre os 27%, equivalente a 80 mil alunos, que estão matriculados e não conseguiram acessar os aplicativos e realizar as atividades.

Estas questões foram levantadas por trabalhadores e alunos desde o início do fechamento das escolas para enfrentamento da pandemia; no entanto, os gestores públicos deixaram as comunidades escolares à margem das discussões e impuseram regras, tecnologias, modelos e parcerias. Esta é mais uma evidência do compromisso destes governos com os interesses do setor empresarial da educação na ampliação de seus negócios.

Os governos atuam para dissimular a imposição do EaD, utilizando-se de forma oportunista de uma crise de saúde pública para expandi-lo e ainda gerar um passivo de violação de direitos trabalhistas dos profissionais da educação. Para isso, envolvem os trabalhadores apelando à boa vontade, à caridade e ao sentimentalismo, como se a atuação da educação no enfrentamento da pandemia fosse de caráter voluntário e individual.

Colocam mais uma vez nas costas dos trabalhadores da educação, embora tenham sido ignorados em suas opiniões, a responsabilidade pela resolução de problemas estruturais que se agravaram com o Coronavírus e dos novos que surgiram no meio do processo.

Os gestores públicos fazem balões de ensaio com questões sérias e anunciam publicamente soluções intangíveis de problemas reais encontrados por trabalhadores e alunos, como foram os anúncios da disponibilidade de tarefas impressas nas escolas para alunos que necessitassem e da conversa de que os governos garantiriam internet para todos que não tivessem acesso.

Ainda no contexto de dissimulação do significado da EaD adotam “embalagens diferentes” para este negócio usando referências como: ensino remoto, atividade mitigadora, tele trabalho na educação, aulas por meio digitais, entre outras de criatividade compatível.

Mesmo com o agravamento de contaminações e mortes, ausência de testagem em massa e inexistência de vacinas que respondam de forma eficaz ao COVID19, na educação os governos continuam atuando pela lógica de salvação de “períodos letivos” e dos negócios do setor empresarial. Impõem condições descabidas de “frequência e desempenho” que responsabilizam quem não as atingir pelo próprio fracasso e permitem aos gestores contabilizá-los como prejuízos inevitáveis por “efeitos da crise”.

Tudo isso não tem a ver com perplexidades de governantes frente à crise de saúde pública, mas, com projeto de sociedade e mundo. No momento em que os governos cedem aos interesses econômicos, não apenas garantem a manutenção destas posturas na educação, mas também pressionam pela retomada das aulas, que é uma condição essencial de liberação dos pais para o trabalho.

Neste momento tão desafiador para a humanidade, cabe a nós educadoras e educadores resistirmos a este projeto no nosso cotidiano com a certeza daquilo que nos ensinou Paulo Freire: “O mundo não é. O mundo está sendo.”!

Paulo Bufalo – Professor do Centro Paula Souza e militante do PSOL SP