.Por Verônica Lazzeroni Del Cet.

Contar histórias. Esse ofício tão importante ganha uma nova configuração nos tempos atuais, em que o distanciamento social permanece sendo cumprido, diante da pandemia do Covid-19 (Coronavírus).

Giovana Molinari (foto divulgação)

Apesar de ser um momento de crise, muitas pessoas têm ajudado a contar uma história diferente das que são noticiadas e essas pessoas – os contadores de histórias – não apenas levam oportunidade às crianças em estimularem a imaginação, como também ajudam os pais que estão mantendo seus filhos dentro de casa, já que não há previsão de retorno das aulas nas escolas, no Brasil.

Contação de histórias e a nova realidade

“Já imaginávamos que a paralisação não seria rápida, porém não tínhamos ideia de quanto tempo levaria para retornarmos as atividades presenciais”, diz Giovana Molinari, 22, professora concursada do ensino fundamental I, na cidade de Pedreira (SP). “Nossa preocupação maior era que, se a suspensão durasse muito tempo e não fossem desenvolvidas atividades com os alunos nesse período, perderíamos tudo o que foi aplicado no primeiro bimestre, pois os alunos iriam regredir devido à falta de estímulo cognitivo”, relata a entrevistada.

Giovana estreou recentemente seu canal no YouTube, onde passou a contar histórias infantis para crianças. “As redes sociais e os aplicativos nos auxiliaram nesse momento, pois a internet seria nossa única forma de manter a comunicação com nossos alunos e conseguir auxiliá-los, sanando possíveis dúvidas que poderiam surgir”, diz ela. A professora ainda relata que a iniciativa partiu da escola municipal onde trabalha, a instituição E.M.E.F. Airton Policarpo, em Pedreira.

No canal – ainda recente – Giovana realiza a leitura de livros que já usou no local de trabalho e conta que, inicialmente, o intuito da instituição onde leciona era distribuir os livros entre os alunos da escola para a leitura em casa, porém, nem todos os estudantes foram alcançados. A internet e o canal no YouTube pretendem, então, unificar esse acesso ao material de leitura.

No entanto, o público atingido foi muito maior do que o planejado pela instituição. “Assim que jogado na rede (internet), esses vídeos tomaram uma proporção muito maior. Nosso projeto foi se espalhando e hoje continuamos fazendo os vídeos para que nossos alunos assistam, mas também conseguimos ajudar outras famílias e crianças que não tem acesso a uma variedade de livros e que, com nossos vídeos, conseguem garantir essa liberdade, permitindo que elas tenham acesso a uma ampla variedade de gêneros literários, podendo explorar esses acervos”, conta Giovana.

Tapetes Contadores (foto divulgação)

Paralelamente, os Tapetes Contadores de Histórias vivenciam uma realidade que também sofreu mudanças drásticas, devido ao Covid-19, mas que serviu como uma nova oportunidade em inovar a contação de histórias. “Nós temos 22 anos de trabalho presencial. Nunca lidamos com esta ferramenta virtual como meio principal de contato ou fonte de sobrevivência. Para nós, a vida era recheada de olho a olho, sorriso diante da palavra, abraço apertado, aglomerações babentas. Estamos sentindo muita falta disto agora”, conta Warley Goulart, 43, Contador de Histórias, Artista Visual e Diretor do grupo Os Tapetes Contadores de Histórias.

O grupo – que atua desde 1998 – já se apresentou em diversos espaços culturais e em diferentes países. Formado por cinco integrantes, os Tapetes Contadores de História sempre inovaram. “Nosso grupo, em especial, começou a contar histórias a partir de uma linguagem bem específica de narração oral utilizando tapetes tridimensionais feitos de tecido como cenários de contos de origens diversas. Em 2001, costurei o primeiro tapete, inaugurando no Brasil o projeto de criação de tapetes artesanais a partir de histórias brasileiras”, diz Warley.

Tapetes Contadores (foto divulgação)

Além disso, o grupo já conseguiu criar muitas sessões de histórias, a partir de autores nacionais, como Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e Ana Maria Machado, assim como contos da tradição oral. “Antes da quarentena, estávamos sempre nos apresentando por todo país, contando histórias presencialmente, ministrando oficinas de formação, produzindo exposições interativas de nosso acervo, e inaugurando a ocupação de espaços nunca antes destinados aos contadores de histórias como os teatros, galerias de arte, museus, etc.”, conta o artista visual, Warley.

Com as mudanças oriundas do distanciamento social, os contadores de histórias que antes trabalhavam presencialmente, se viram diante de um novo desafio: contar histórias pela internet, através da produção de material em vídeo.

“Hoje a internet é uma ferramenta de fácil acesso, na qual muitas crianças passam grande parte de seu dia”, diz a professora Giovana. “É muito mais difícil, hoje, encontrar livros dentro de casa. Afinal, praticamente todos eles, podemos encontrar disponíveis na internet para leitura gratuita. Hoje o que as crianças mais fazem é assistirem vídeos pela internet”, complementa ela.

Desafios em contar histórias pela internet

Apesar de ser parte da rotina de muitas crianças, não é tarefa fácil elaborar vídeos e todo o conteúdo que será transmitido. “O maior desafio é a interação. Quando estamos presencialmente é totalmente diferente. As crianças conseguem se entrosar muito mais, elas nos ajudam a contar a história. Suas reações diante da trama é o que nos incentiva a cada vez mais buscar dramatizar as leituras”, conta a professora Giovana.

“Por isso busco variar as estratégias tentando deixar o mais lúdico possível e conseguir a atenção deles por maior tempo. Aliás, esse é um outro grande desafio: conseguir a atenção deles por muito tempo.”, diz Giovana, que aprendeu muitas técnicas de contação de histórias durante a sua graduação e investiu tempo e dedicação em cursos extracurriculares para aprofundar o conhecimento.

Para o grupo Tapetes Contadores de Histórias, o desafio também existe. “O aprendizado tem sido imenso e importante. Estamos inaugurando projetos online. Há um mês fundamos, em parceria com Daniela D’Andrea e outros narradores, um projeto de pesquisa que se chama CADA UM NO SEU QUADRADO, onde pesquisamos a relação das estruturas dos contos de tradição oral com as plataformas de videoconferência”, explica Warley.

Relação da criança com a leitura

Como se não bastasse, outra grande preocupação é forma como se dá a relação da criança com a leitura, quando pensamos na contação de histórias pela internet. “Essa é uma geração muito diferente e tecnológica. Esse é o nosso principal e mais eficiente meio de comunicação com as crianças em tempos de distanciamento social, a internet. É através dela que conseguimos chegar às casas das crianças”, explica Giovana.

“Depois que isso tudo passar, teremos conquistado outras e novas formas de existir e de narrar”, conta Warley Goulart. “Mais do que nunca ficou claro a importância das histórias e dos contadores de histórias. Eles estão no celular, no notebook, na TV”, complementa o contador de história.

O contador ainda explica que assim como a contação de histórias orais impacta e muda a relação entre criança e leitura, a narrativa através das telas causa impacto semelhante, porém, não apenas a relação da criança com o livro muda através da contação de histórias, mas também a forma como ela se relaciona com lembranças.

“É importante ressaltar também que o incentivo à leitura é uma das finalidades de se contar histórias para crianças, mas não a única. As histórias vêm do coração, do tempo e dos livros. Ao escutar uma história, as crianças entendem com facilidade que estão recebendo um legado, um presente da humanidade vivida por outros antes dela”, diz Warley.

A contação de histórias pela internet revela sim novos desafios, especialmente, pensando na realidade de cada infância “Não existe uma infância apenas. No nosso país, por exemplo, temos a infância do condomínio de luxo e a infância das comunidades de baixa renda. Não é possível pensar na criança brasileira como se ela fosse uma só – independentemente de sua idade, escolaridade ou condição social”, explica o artista visual.

Contar histórias ainda é fundamental

Apesar de agora ser um momento novo sobre a forma como contamos histórias, elas permanecem sendo fundamentais no desenvolvimento cognitivo de qualquer criança. “Acredito que com esses vídeos, vou conseguir inspirar crianças, fazer com que gostem e se interessem pela literatura, que voltem a procurar livros, que criem o hábito de ler”, diz Giovana Molinari.

“Sabe, ser contador de histórias é um ofício. É um ofício social e ajuda a lembrar a todas as pessoas o quanto as histórias são importantes para a construção de relações de amor e confiança”, finaliza Warley Goulart.

Contatos:

Grupo Os Tapetes Contadores de Histórias é formado pelos integrantes: Warley Goulart, Cadu Cinelli, Rosana Reátegui, Edison Mego e Andréa Pinheiro

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Professora Giovana Molinari

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