A morte dos extremos

.Por Rogério Bezerra da Silva.

Apresento aqui algumas ideais que ainda não foram completamente desenvolvidas. Elas têm apenas, mesmo que muito prematuras, o objetivo de nos permitir algumas reflexões.

(art -foto de vídeo)

A pandemia causada pela Covid19, com seu rápido poder de contágio e disseminação, está levando, junto à morte de milhares de pessoas em todo o mundo, também à morte de três posições políticas extremas (extremas por se confrontarem entre si): a da “esquerda governista” (a esquerda que, até o momento, vinha sobrevivendo das alianças com a direita); a do neoliberalismo; e a do fascismo.

É possível captar das “redes”, que vêm se tornando o principal meio de expressão de concepções “sinceras” de mundo, justamente por ninguém estar circulando pelas ruas neste momento (um lado bom das redes é que as ideias dos indivíduos permanecem registradas ao longo do tempo, o que nos permite saber quando suas posições mudam), a ideia de que nenhum desses extremos deu conta, até o momento, de, de fato, preservar a vida das pessoas durante o período em que cada um foi (ou é) governo.

E por qual razão senão viver e permitir com que os seus vivam que milhares se levantam todos os dias para irem ao trabalho. Viver é o que conduz as ações cotidianas das pessoas.

No atual contexto, o que há são as tentativas:

– do governo fascista, bastante enfraquecido pelo Congresso e pelo Judiciário, de continuar no poder, por meio de acordos com setores importantes das forças armadas,  e do apoio popular (das ruas), pois ainda consegue deter boa parcela dos cidadãos junto ao seu projeto político. Essa mesma expressão fascista está também presente em alguns governos estaduais, os quais também dão sustentação ao governo fascista;

– da direita neoliberal que, enxergou a necessidade de, pelo menos no atual contexto, abandonar alguns pressupostos de Estado Mínimo e intervir de forma enérgica na economia e implementar ações estatais que dêem condições de sobrevivência aos cidadãos e ao próprio Mercado;

– da “esquerda governista”, que promove ações e pronunciamentos quase imperceptíveis, que se tornam irrelevantes, para a grande maioria da população. E, por já não ocupar mais aparatos de governo, também não consegue dar uma resposta contundente à atual crise, deixando, inclusive, sua própria militância desorientada.

Até se tornar governo, a “esquerda” conseguia orientar sua militância por meio da perspectiva de um projeto político comum, que era o de executar políticas públicas voltadas ao equacionamento das desigualdades sociais. Depois que se tornou governo, orientar a militância por meio de ideais, que, até então, era o único instrumento que a “esquerda” dispunha, tornou-se um tanto impraticável. Isso porque, boa parte da militância, depois de ter vivido a experiência de ser executivo, já não se guia mais somente por ideais. Essa parcela passou a se orientar grandemente pelo jogo dos acordos governamentais e com os setores detentores de poder (tais como empresariais, meios de comunicação, federações e sindicatos patronais, entre outros).

Outra parcela da “esquerda”, que ainda se guia por ideais, consegue até manter certa unidade em torno dos mesmos. Todavia, as ações dessa parcela têm se tornado inócuas mediante à, cada vez maior, explicitação do conservadorismo político da maioria da sociedade.

Diante disso, fica muito difícil forjar uma liderança que seja reconhecida por toda a “esquerda”. E, mesmo que essa liderança tenha esse reconhecimento nesse meio, ela teria pouca inserção na grande massa da sociedade. Isso porque essa massa entende que a “esquerda”, quando foi governo, não deu conta de mudar as estruturas do poder político e da distribuição de riquezas da sociedade brasileira.

Mas, tal como a estratégia do governo fascista, esse extremo (a “esquerda governista”), ainda detém uma considerável parcela de apoio popular, o qual ainda pode ser considerado a única sustentação para seu projeto político.

Neste contexto, ao que tudo indica, é a direita neoliberal a que vem se despontando para sobreviver após este conturbado período (sem precedentes contemporâneos que nos permitam uma análise histórica). É ela que, costurando acordos com o Congresso, com o Judiciário e, especialmente, com os grandes meios de comunicação, que vem conseguindo uma inserção e apoio cada vez mais maciço junto à população. E esse tem sido seu principal trunfo: conseguir não somente dialogar, como também implementar ações para a massa da população tendo como base um pressuposto fundamental para ela, que é a vida.

O que vai emergir daí? No momento não há uma resposta cabal para essa pergunta, pois cada ser humano está inteiramente voltado a permanecer vivo até o dia seguinte. Mas, bons indicativos para o que deve emergir de muito positivo de todo o atual contexto pode ser observado nas ações espontâneas e criativas promovidas em muitas favelas, nas do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e nas de universidades públicas brasileiras. Sem citar diretamente o que cada um vem desenvolvendo, podemos perceber que o elemento comum de suas ações é a criação de redes de produção cooperativa solidária (tema que pode ficar para outro texto).

Rogério Bezerra da Silva é geógrafo, Mestre e Doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp e Assessor Legislativo. 19 de abril de 2020.