Loira, de olhos azuis e da Arena, partido de apoio à Ditadura. Esse é um pouco do perfil da primeira senadora a tomar posse no Brasil. A professora Eunice Michiles foi eleita há apenas 40 anos, em 1979, no governo do último ditador militar, João Batista de Oliveira Figueiredo.

Eunice Michiles (foto de vídeo – tv senado)

Reportagem de Ricardo Westin, para o Arquivo S, lembra que Eunice rompeu uma tradição de um século e meio (do reinado de dom Pedro I ao governo do ditador militar Ernesto Geisel) de domínio patriarcal. Em 150 anos, apenas políticos homens entraram no Senado.

A primeira senadora mulher, no entanto, não decepcionou e mostrou que foi eleita para defender uma parte da sociedade que foi subjugada. Apesar de sofrer derrotas, ela abriu caminho para conquistas importantes nesses 40 anos.

“Como primeira senadora, sinto os olhares de milhões de mulheres na expectativa de que lhes saiba interpretar as reivindicações. O Código Civil nos coloca ao nível do índio, da criança e do débil mental. Somos fruto de uma cultura patriarcal e machista, onde a mulher vive à sombra do homem e rende obediência ao pai, ao marido ou, na falta deste, ao filho mais velho. Em 1979, temos muito a melhorar”, afirmou no primeiro discurso.

Veja trechos da reportagem:

A maior parte dos projetos de lei que ela apresentou buscava dar direitos às mulheres. Uma de suas primeiras propostas eliminava do Código Civil de 1916 o arcaico artigo que permitia ao homem anular o casamento e devolver a mulher aos pais caso descobrisse que ela não era virgem. O prazo para a devolução era de dez dias, contados a partir da cerimônia de casamento. A senadora, que tinha 50 anos, argumentou:

“Vejam como era difícil a situação das moças do meu tempo. Éramos incentivadas a ser bonitas e provocantes, mas ai de nós se cedêssemos aos impulsos e fôssemos “desonradas”. A virgindade era a marca maior de nossa conotação de objeto. Exige-se que um objeto, ao ser adquirido, seja zero quilômetro. Já com o homem era diferente. Quanto mais rodado, melhor. O tempo se encarregou de mudar conceitos e atitudes. A geração jovem não atribui à virgindade feminina o mesmo valor da geração passada. Assim, o dispositivo de nosso Código Civil é uma distorção entre o social e o jurídico e por isso precisa ser reformulado”.

Outro dos projetos de lei redigidos por Eunice permitia que a mulher com filhos fizesse uma jornada de trabalho mais curta, com redução proporcional no salário.

Eunice também apresentou um projeto de lei que acabava com a possibilidade de o homem casado em comunhão de bens contratar empréstimos e dar o patrimônio da família como garantia sem o consentimento da mulher. “Não podemos mais aceitar no direito de família que apenas o marido seja o cabeça do casal. A mulher não pode ser obrigada a assumir uma dívida que ela não contraiu e cujos reflexos vão encontrar a família como a mais prejudicada” disse.

A ideia de aproximar a mulher do homem no quesito direitos foi mal recebida pelos políticos. Nos oito anos de mandato, Eunice não conseguiu aprovar nenhum de seus projetos de lei. Enquanto alguns foram rejeitados logo de cara, outros foram ignorados e nem sequer entraram na pauta de votação. As raras propostas que tiveram a aprovação dos senadores seriam derrubadas pelos deputados.

Veja reportagem completa no Arquivo S