Vereadores e educadores de Campinas lançaram nessa quinta-feira (21) um Manifesto em defesa da escola pública, democrática, gratuita, laica, de gestão pública e em repúdio a instalação de uma unidade da escola-quartel, denominada de cívico-militar na cidade de Campinas.

(foto mov nossa brasilia.org)

O documento é fruto de um debate promovido pelo vereador Gustavo Petta (PCdoB), que é presidente da Comissão de Educação e Esporte da Câmara Municipal de Campinas e será entregue ao Ministério Público, através da Vara da Infância e Juventude, que abriu um Procedimento Administrativo para acompanhar a instalação do Programa Nacional de Escolas Cívico-Militar na cidade.

No documento, os educadores dizem que “a ‘opção’ por uma escola pública militarizada não é uma questão de responsabilidade dos pais exclusivamente, ou de ‘foro íntimo’. Este é um debate de todos os professores, estudantes, pais e da comunidade do entorno da escola”.

Na última quinta-feira, o Ministério da Educação divulgou que Campinas terá uma escola pública militarizada e que é a única cidade do estado de São Paulo a contar com uma unidade. No total, são 54 espalhadas por 23 estados mais o Distrito Federal. Para o vereador Gustavo Petta , a decisão é um desrespeito à gestão democrática e à diversidade. “Não falamos da criação de uma escola militar mas de uma escola pública que será militarizada e de experiências que vêm ocorrendo em outros estados de assédio moral e desrespeito a professores e alunos”, afirmou.

Assinam o manifesto, entidades como Fórum Municipal de Educação (FME), Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), Associação de Docentes da Unicamp (Adunicamp), União Campineira dos Estudantes Secundaristas – (UCES) e Sindicato dos Professores (Sinpro Campinas e Reigão). Os vereadores Pedro Tourinho (PT) e Mariana Conti (PSOL), também assinam o documento.

Helena de Freitas, professora aposentada da Faculdade de Educação da Unicamp, diz que “a escola é o espaço onde as crianças devem encontrar liberdade para se formar, aprender, conviver se forma solidária, livre, aberta, constituindo se sujeito de sua vida e da coletividade. Não para disciplinamento e controle de corpo e mente”.

A educadora, que também já ocupou a secretaria de educação do município de Campinas, também lembra que é necessário “dizer não ao desprezo que este governo tem pelos fóruns democráticos da educação em Campinas que já definiram os rumos da educação em Campinas. “Mais educação e menos militarização da infância e adolescência”, afirma.

O Manifesto será entregue ao Ministério Público na sexta-feira, dia 29 de novembro, ás 15 horas na sede do MP, na Cidade Judiciária. Uma versão online está a disposição para a assinatura de membros da sociedade que tenham interesse em assinar através do link https://forms.gle/4hwU9dkbbnSnurbF8.

Leia a íntegra do Manifesto:

Manifesto em defesa da escola pública, democrática, gratuita, laica, de gestão pública e em repúdio à instalação de escolas cívico-militares em Campinas

Nós, que acreditamos ser a educação um espaço de vivência criativa, construção democrática e de acesso aos conhecimentos historicamente produzidos, manifestamos nosso profundo repúdio ao Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares, por entender que fere o conjunto das normativas que regula a educação pública, como a Constituição Brasileira de 1988, a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) e o Plano Nacional da Educação (PNE).

Consideramos que:

A decisão do prefeito Jonas Donizette de colocar a cidade entre os interessados em receber o Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, sem qualquer consulta às instâncias educativas do município de Campinas, como os profissionais da educação da rede municipal, o Conselho Municipal de Educação e demais instituições de ensino de Campinas, é autoritária;

A “opção” por transformar uma escola pública em militarizada não é uma questão de responsabilidade exclusivamente da família, como declara o prefeito em sua justificativa para a adesão. O fato de se tratar de uma escola pública (responsabilidade do Estado), e não privada, impõe ao executivo a necessidade de alinhamento às normas previstas na legislação e suas diretrizes já elaboradas à luz de processos democráticos. Ou seja, processos que preveem um debate entre todos os professores e professoras, estudantes, famílias e comunidade escolar, pois trata-se de uma decisão a respeito de quais sujeitos de direitos, quais cidadãos nosso país necessita e que educação queremos para todos e todas, brasileiros e brasileiras;

A substituição de educadores por militares parte da ideia de que a escola fracassou, que não consegue “impor respeito, controle, disciplina” e que para o atual governo o medo fará a juventude mais disciplinada, servil, submissa. A exigência de que os alunos e alunas, por meio da coerção, cumpram regras rígidas da cartilha militar, torna extremamente difíceis as manifestações de individualidades e a defesa dos direitos dos estudantes, o que fere o princípio constitucional da educação como propiciadora do “desenvolvimento pleno, o preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”;

A retirada de profissionais de educação — dos quais é exigida formação específica e pedagógica —, substituindo-os por bombeiros ou militares, aprofunda o processo de desvalorização e desprofissionalização dos professores, desqualificando a escola pública como espaço de direitos e exercício da cidadania, contribuindo assim com o avanço da privatização da educação;

O Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares, instituído pelo Governo de Jair Bolsonaro, constitui-se como uma tática eleitoreira e de manipulação do medo, cuja intenção objetiva impedir o pensamento crítico dos jovens pobres e adestrá-los como mão de obra. Ao escolher populações vulneráveis, em bairros populares, repete experiências semelhantes as já realizadas nos EUA, onde estudos mostram que tais escolas acabam sendo a rota da exclusão e/ou uma passagem para o encarceramento, privando os jovens trabalhadores do acesso à cultura e à socialização do conhecimento;

A escola pública, necessária nos tempos atuais, além de possibilitar o acesso aos conhecimentos historicamente construídos deve se constituir em espaço de atividade criativa e de manifestações de individualidade, de liberdade de expressão e liberdade de ensinar/aprender. Tal instituição tem uma função social específica na sociedade, devendo operar de forma laica e para todos, de modo concomitante e não concorrencial com outras instituições importantes, como família, religião e segurança.

Diante do exposto, conclamamos os moradores de Campinas a se unirem em um movimento amplo em defesa da escola pública, democrática, gratuita, de qualidade, laica e de gestão pública, solicitando ao prefeito Jonas Donizette a retirada da adesão do município ao Programa Nacional de Escolas Cívico-Militares.