(foto ricardo stuckert – pt – org )

.Por Luís Fernando Praga.

Aconteceu assim:

No dia 14 outubro de 2014, num debate com Dilma Rousseff, em rede nacional, às vésperas da eleição presidencial, Aécio Neves disse que a solução para se acabar com a corrupção no Brasil seria a retirada do PT do poder.

Um pouco antes, mais precisamente há cerca de 200.000 anos, nascia, no coração da África, que Adão e Eva me perdoem, o primeiro exemplar do Homo sapiens.

O PT, fundado em 1980 e que havia atingido o recorde histórico de 87% de aprovação popular em 2010, ao fim do governo Lula, começava, em 2014, o seu “declínio” político.

Nos primeiros 100.000 anos da recém-nascida humanidade, a Natureza tratou de promover a diversidade genética do bicho homem nos limites do território africano.

A fala de Aécio Neves, cuja família, da nossa tradicional elite política e financeira, é proprietária de alguns veículos de mídia em Minas Gerais e tem longa e íntima relação com os principais veículos de comunicação brasileiros, criou ecos na mídia, nos lares e na sociedade.

Cem milênios depois de seu surgimento, o ser humano expandiu suas fronteiras, se espalhou pelo Oriente Médio, depois Europa, dando início a uma diferenciação genética mais marcante, graças à pressão exercida por ambientes geográficos extremamente distintos dos encontrados na África.

O PT, depois da acusação de Aécio Neves, e de um grande número de notícias falsas veiculadas nas redes sociais, tornou-se, para o senso comum do brasileiro médio, o partido mais corrupto do País, sinônimo de banditismo e desonestidade: o inimigo a ser derrotado pelas pessoas boas.

Lenta e gradativamente, há cerca de 45.000 anos, foram surgindo as primeiras pessoas “não negras” do Planeta. Considerando que a antiga civilização egípcia tem sua origem datada a não mais de 7.000 anos e que o surgimento do homem branco se deu há 45.000 anos, temos uma interação humana entre negros e brancos de, no mínimo, 30 mil anos, cheia de lacunas históricas e muito pouco debatida.

O PT foi deposto do poder, em 2016, através de um processo de impeachment (a História chama de GOLPE), amplamente apoiado pela elite política (onde figuram o partido PSDB e seu então presidente, Aécio Neves) e econômica do Brasil e fortemente incentivado pela mídia.

No ano de 33 D.C., Jesus, um homem de etnia árabe, mais negro que branco, nascido no oriente médio, que já discursava pela liberdade e, contrariamente aos fariseus e aos poderosos, lutava contra a dominação pelo estado romano (branco), contra a exploração humana e a desigualdade social, quando foi colocado na cruz e assassinado por soldados romanos, a mando do estado romano, acusado de radicalismo e conspiração (ser radicalmente contrário a determinado modelo excludente e conspirar contra estados opressores é o que fazem os rebeldes).

A aversão ao PT ainda domina importante parcela da sociedade brasileira; entretanto, pessoas que nunca acreditaram em Aécio Neves e outros ferrenhos acusadores; pessoas que ainda enxergam a atuação política do partido como benéfica ao país e que não foram dominadas por tal aversão, dividem essa mesma sociedade, criando uma polarização, até o momento, indissolúvel.

Muitas pessoas pobres, excluídas e de pele tão negra ou mais que a de Jesus, preferiram acreditar nos brancos, poderosos representantes do maior império daqueles tempos, o romano; e se comportavam como se fossem elas as pessoas mais lesadas pelas atitudes daquele pobre filho de carpinteiro; e o agrediram, ofenderam e exigiram a sua tortura e morte.

A elite brasileira, ao promover o impeachment de Dilma Rousseff, colocou fim a uma inédita experiência política de inclusão social e racial, onde negros e pobres passaram a ser tratados como gente, iam ao teatro e ao cinema, faziam turismo, tinham acesso a aeroportos e universidades, comiam como gente, tinham acesso à educação e a um bom atendimento médico. A elite chamou tal iniciativa de “comunismo petralha”, e, mais uma vez, muitas pessoas pobres e excluídas preferiram agir como agiu a elite: difamaram sem provas, agrediram sem argumentos e incitaram à violência contra todos os simpatizantes daquela experiência inclusiva.

O estado romano, depois de assassinar Jesus, por pelo menos 3 séculos matou milhares de cristãos, dia após dia, década após década, em divertidas seções de carnificina, realizadas no Coliseu; e empreendeu violenta perseguição ao cristianismo e seu ideário libertador, que, ainda assim, seguiu vivo, nas ideias de resistência, amor ao próximo, tolerância, união entre os pobres e luta contra a opressão. Porque isso não é ideário cristão, é ideário do ser humano que deseja sobreviver e viver dignamente.

Mesmo com a campanha difamatória, o Partido dos Trabalhadores mantém, hoje, a maior bancada parlamentar e o maior número de governadores eleitos; porém, graças a pessoas influentes, como Aécio Neves, o ódio e o preconceito contra o partido ainda sustentam o comportamento de uma multidão de brasileiros.

Cerca de 300 anos após o assassinato de Jesus, depois de muita perseguição e violência, notando que não havia mais como evitar o despertar gerado pelas ações e palavras de Cristo, o estado romano achou melhor seguir a máxima: “se não pode com eles, junte-se a eles”. Erguiam-se, então, os primeiros alicerces da Igreja Católica Apostólica Romana, a “verdadeira igreja cristã”, que adotou a Bíblia Sagrada como o livro a ser lido pelos bons fiéis e pintou a pele de Jesus Cristo de branco, os cabelos e a barba de loiro e os olhos de azul, como deve ser a maioria dos “bons cristãos”.

A elite brasileira, que condena o PT, é branca, de origem europeia e não teria conquistado “seu espaço” no Brasil não fossem a exploração indiscriminada de uma terra que já possuía donos; o genocídio indígena; e a catequização, que permitiu aos índios a percepção de que eles, até então, iam para o inferno quando morriam, pois eram hereges e pagãos; e que os bons eram os cristãos, pois iam para o céu; e eram os brancos; e falavam demais em pecado e em Deus.

Entre os anos de 1095 e 1492 D.C., os “cristãos” brancos europeus, da nova igreja católica, invadiram a África, a fim de, por intermédio da guerra e da morte, levar a palavra de Jesus aos muçulmanos, em expedições denominadas “Cruzadas”, ou “Guerras Santas”, onde morreram cerca de um milhão de pessoas, entre cristãos e islâmicos, todos descendentes do mesmo ancestral comum, o primeiro ser humano, negro e africano. Ao que parece, a palavra de Jesus ainda não se instalou direito por ali.

O povo brasileiro, composto, majoritariamente, por negros e afrodescendentes, por mestiços, como eu, por miseráveis, pobres e remediados, assimilou muito bem o recado do bilionário branco Aécio Neves, assim como de outros bilionários brancos, e levou muito a sério a proposição da elite, ao assumir, como que em causa própria, a máxima do “TUDO MENOS O PT!”.

Poucos anos depois do fim das cruzadas (lembrando que a palavra de Jesus não conseguiu ser imposta aos muçulmanos, mas que houve muita pilhagem, saques, estupros e que milhares de africanos foram levados à Europa como escravos), entre 1539 e 1542, os brancos europeus, que já haviam matado e roubado muito índio brasileiro, começaram a trazer os primeiros escravos africanos para o Brasil.

A miscigenação do sangue europeu ao do índio americano e ao do negro africano, sequestrado da África para ser escravizado, sofrer e morrer aqui no Brasil, não foi resultante de encontros amorosos consentidos entre almas gêmeas; e hoje, há, presentes no sangue de cada um de nós, brasileiros do século XXI, o germe da covardia, o esperma da brutalidade, o sêmen da violação humana e a porra do estupro, profundamente impregnados aos genes da nossa sociedade, desde o século XV.

A África precisou ceder seus guerreiros, suas mulheres e crianças, sua fé, sua cultura, suas esperanças, sua honra e sua história, para que os brancos pudessem escrever uma outra história, do jeito branco.

No país onde só havia índios, os brancos se instalaram e trouxeram os negros africanos, ancestrais de todos nós, para viverem uma vida de miséria, escravidão e privações. Os brancos, que eram os que tinham os chicotes, as armas e as casas grandes, estupraram as índias e as negras e determinaram os caracteres da nova população brasileira, com muito sangue africano.

Depois de 400 anos em que a escravidão era legalizada no Brasil, fomos o último país do mundo a abolir tal prática. Sem dúvidas, a Lei Áurea parecia uma medida humanitária, de inclusão social e de reparação de uma barbaridade histórica!

Apenas 24 anos depois da proclamação da Lei Áurea nasceu Luiz Gonzaga. Milton Santos nasceu 38 anos após a abolição. Pelé nasceu 52 anos após a abolição. Gilberto Gil nasceu 54 anos após a abolição. Começava a ficar muito claro que o afrodescendente era capaz de resistir no Brasil, de se sobressair e de ser, inclusive, muito melhor que qualquer branco em sua ocupação.

Mas, um dia, Aécio Neves disse que o PT não prestava, que era um partido criminoso, que nada de bom poderia vir dali, que a esquerda roubava o povo, que Deus não aprovava as condutas da esquerda… Pessoas inocentes foram presas, a mentira suplantou a verdade, o povo perdeu sua união e seus direitos, o País perdeu seus recursos e sua soberania, a miséria e o abismo social ampliaram todas as formas de violência! Parte do povo ainda culpa o PT e a esquerda, e elege um militar, branco, inimigo das minorias excluídas, opressor das liberdades, liberador das armas.

Um dia, a elite branca brasileira, talvez, através das da voz de algum renomado político branco dos idos de 1888, disse que o negro (aquele que foi sequestrado da África pelos brancos para viver nas piores condições, sem qualquer dignidade, escravizado como um bicho, servindo diligentemente aos senhores em troca dessa sobrevivência desumana) não prestava, que era um povo violento, de uma religião demoníaca, bandidos, ladrões, criminosos, estupradores e que nada de bom poderia vir dali.

E o povo engoliu. Mas não existem ódio nem racismo no Brasil…

Hoje não existe mais escravidão, e os negros são 70% da população carcerária do Brasil, 75% das vítimas de assassinato são negras, 63% das vítimas de estupro são as mulheres negras, 78% dos cidadãos mais pobres do Brasil são negros; e, dos 209 milhões de brasileiros, 115 milhões se definem como negros! Nossos juízes são brancos, nossos grandes empresários são brancos, nossos donos da mídia são brancos, nossos políticos são brancos, como o deputado estadual Aécio Neves.

Talvez seja interessante nos lembrarmos de onde vieram os méritos para que essa elite chegasse lá…

Não existe consciência de Brasil sem consciência NEGRA!

Não há sociedade equilibrada onde o povo não tenha consciência histórica, política e de classe! Não haverá sociedade equilibrada sem a reparação da dívida histórica, sem o acolhimento das vítimas sociais, sem uma educação libertadora, sem cooperação, sem igualdade e sem justiça social.

Não existe uma única sociedade boa de se viver que exalte o ódio, que clame pela tirania, que alimente a violência, que prefira a vingança a dar uma segunda chance, que se abrace a uma mentira cegante e abandone a verdade da História.

Porque um POVO é que compõe uma sociedade! O gado só compõe um rebanho a ser pastoreado. Os cães enraivecidos só servem à opressão. Os pastores controlam os cães e se alimentam do gado que confiou neles.