No longa ‘A Lavanderia‘, do diretor Steve Soderbergh com um elenco de peso incluindo Meryl Streep, Gary Oldman e Antonio Banderas, o detalhe faz toda a diferença para o público brasileiro. O filme está no catálogo da Netflix.

(foto cena do filme a lavanderia)

O diretor conseguiu fazer milagre, um filme com bom humor e divertido sobre um dos temas mais difíceis de se entender: a sonegação fiscal em paraísos fiscais por meio de contas offshore. O melhor do filme está justamente nos personagens principais do escândalo: Jürgen Mossack (Oldman) e Ramón Fonseca (Banderas).

O filme é baseado em um livro-reportagem sobre o escândalo dos Panama Papers, “Secrecy World: Inside the Panama Papers Investigation of Illicit Money Networks and the Global Elite”, de Jake Bernstein.

Em abril de 2016, um conjunto de 11,5 milhões de documentos confidenciais que estava nos computadores da sociedade de advogados panamenha Mossack Fonseca foi vazado na internet. Os documentos continham informações detalhadas de mais de 214 000 empresas de paraísos fiscais offshore, incluindo as identidades dos acionistas e administradores. Brasileiros também estavam no Panamá Papers.

O filme conta a história a partir da narrativa dos próprios advogados, Jürgen Mossack e Ramón Fonseca, que tentaram impedir o lançamento do longa. Eles discordaram totalmente do diretor do filme que disse que os dois advogados não eram retratados como vilões. Na realidade, essa tentativa de proibição está mais ligada a questões jurídicas do processo no qual eles são acusados do que com a questão política que no filme é positiva para os dois.

E é aqui que começam os detalhes mais importantes. Ora, os personagens de Mossack e Fonseca dizem que apenas usaram a lei que permitia abrir contas em paraísos fiscais. Então, não fizeram nada ilegal. Se alguém roubou e colocou dinheiro nos paraísos fiscais não é problema deles. Eles apenas administravam os recursos. Afinal, o paraíso fiscal é legalizado até nos EUA.

Mais que isso, Mossack e Fonseca acusam diretamente os EUA pelo vazamento dos documentos. Para eles, o vazamento beneficiou os paraísos fiscais que ficam dentro do próprio EUA, como Delaware. Eles dizem isso claramente. Delaware é um minúsculo estado da costa leste dos Estados Unidos, onde um único prédio pode abrigar mais de 200 mil empresas offshore

Mas Mossack e Fonseca podem ter encontrado no meio do caminho uma pedra muito maior. Um interesse bem acima de uma guerra comercial de paraísos fiscais.

E aqui entra outro detalhe importante. A acusação de o vazamento beneficiar os EUA se liga diretamente com o Brasil. Talvez o Pré-Sal e o poder regional da Odebrecht possam explicar.

Mossack e Fonseca somente foram presos por causa da Lava Jato, ou seja, quando a Justiça do Panamá decretou, em fevereiro de 2017, a prisão preventiva dos advogados Ramón Fonseca Mora e Jürgen Mossack por participação no esquema de corrupção revelado pela Operação Lava-Jato no Brasil. Os agentes policiais do Panamá estavam atrás de informações da Odebrecht.

Em uma das cenas mais engraçadas do filme, Mossack e Fonseca estão sendo presos pela ligação com a Lava Jato e os repórteres vão entrevistá-los. Fonseca responde algo assim: “Vocês estão vendo essa estrada que vocês chegaram até aqui. Então, essa estrada foi feita pela Odebrecht”. E continua nervoso falando da corrupção em contratos do próprio governo do Panamá. Mossack tenta fazer com que Fonseca fique quieto.

Os detalhes das datas são incríveis: o vazamento dos papéis da Mossack e Fonseca ocorreu em abril de 2016, o ano do golpe parlamentar contra Dilma Rousseff (PT) e que teve a ação direta do juiz Sérgio Moro, que fez cursos nos EUA. Mossack e Fonseca acusam os EUA de vazarem as informações. Cinco meses após o vazamento e cinco antes da prisão dos advogados, em setembro de 2019, representantes da Autoridade Central do Panamá vieram ao Brasil. Eles “visitaram” o Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania (DRCI/SNJ) e a Secretaria de Cooperação Internacional da Procuradoria Geral da República (PGR). Veja link.  Tirem suas conclusões.

Mas se o diabo está nos detalhes, a história de Ramón Fonseca talvez seja o mais incrível deles. No filme, Ramón nos conta que quando era jovem tinha muitos ideais e queria ajudar os pobres. Cheio de sonhos por um mundo melhor foi trabalhar na ONU, mas depois acabou abrindo o escritório e ficou milionário. E diz algo mais ou menos assim:

“Isaías 61:1. O Padre Hector Gallego o recitou para mim. A teologia da libertação. Os mansos (os pobres, pacíficos) deveriam herdar a terra. Mas parece que não funcionou assim. O Padre Guallego foi sequestrado e morto pelo Exército. Ele se foi, mas os mansos ainda estão por aí. Então eu decidi cursar direito. Achava que os mansos deveriam ter um bom advogado. Então fui trabalhar para a ONU. Eu queria salvar o mundo! Mas salvar o mundo, como se sabe, é muito difícil, a gente trabalha muito, recebe pouco. E nem todo mundo quer ser salvo. Entre todos, há lobos e cordeiros.”

Trailler: