Deter o projeto de não-nação: defender a universidade pública e a soberania nacional

Para não ter medo que este tempo vai passar…
Não se desespere não, nem pare de sonhar”
(Gonzaguinha)

.Por José Raimundo Trindade.

A pergunta chave que deveria mover a sociedade brasileira neste momento seria: qual o sentido da Nação brasileira? Esta pergunta facilitaria o entendimento do significado destrutivo e vestal dos ignóbeis que assumiram o controle do governo federal brasileiro.

(foto Esio Mendes – gov ro)

A nação é uma condição de pelo menos cinco fatores fundamentais, sendo que a interação e completitude desses fatores é o que possibilita dizer se estamos ou não diante de uma nação ou simplesmente se estabelece um arranjo territorial vago e desprovido de conteúdo civilizacional.

O primeiro fator é a garantia das condições de vida da população que habita aquele espaço territorial. A qualidade de vida de um povo depende de pelo menos cinco condições que satisfazem o desejo de viver e construir o futuro. A primeira condição refere-se às garantias de sustentabilidade alimentar, como bem nos fala o presidente Lula: “três pratos de comida são fundamentais”.

A segunda condição refere-se ao básico acesso das relações de trabalho, aqui é o glorioso Gonzaguinha que nos ensina que “sem o seu trabalho, [o] homem não tem honra [e] sem a sua honra [se] morre, se mata”.

A terceira condição diz respeito à garantia da velhice, a dignidade previdenciária que possibilita a manutenção da honra daquele que labutou toda vida.

A quarta condição é o suporte educacional que possibilita que a compreensão da vida se transforme em criatividade e planejamento do futuro.

Por fim, porém se menos importância, um sistema de garantia de saúde pública que atenda as condições básicas de cura e prevenção.

O segundo fator é mais arrojado e possibilita pensar como se estabelece o que Darcy Ribeiro chamou de civilização: a produção de novo conhecimento e tecnologia.

Para se estabelecer tal capacidade, faz-se necessário a convergência de três fatores centrais: i) uma rede de ensino e educação universalizada, acessível a todas e todos, estabelecido um padrão linguístico e de transferência de aprendizado que socialize a média de conhecimento produzido pela humanidade; ii) uma rede de educação pública superior, na medida em que a universalização na sua escala mais elevada estabelece uma continua recriação do conhecimento, até o limite de produzir novo conhecimento; iii) por fim, porém central, uma rede, quanto mais extensa e vigorosa melhor, de experimentação e problematização de ciência de ponta. Esta rede produz não somente novo conhecimento horizontal, alargando a compreensão de certa dimensão, como também produz conhecimento vertical, produzindo novas dimensões científicas e substanciando culturalmente a civilização brasileira.

O terceiro fator constituinte da nação é a diversidade cultural, a integração e interação entre as diferenças e a disponibilidade de se doar para o outro. A cultura como nos ensinou Darcy Ribeiro é o que estabelece a codificação de um povo, mesmo que no limite a lógica civilizacional requeira outros elementos. A negação da diversidade cultural e a imposição de regras de força que transgridam a multilateralidade dos indivíduos aborta a condição nacional.

O quarto fator é puramente territorial e geopolítico. O controle sobre o território e sobre as bases naturais que estabelecem o convívio civilizacional, centrado na tripla regra: o uso coletivo e público acima da apropriação privada e individual; a transformação da natureza numa perspectiva tecnológica e de uso pela civilização nacional e, por fim, porém central, o respeito ao uso da natureza sob a condição da manutenção geracional e de permanência do próprio planeta.

O fator territorial exige uma condição geopolítica baseada na experimentação do poder militar. Não há nação sem uma força de defesa territorial e civilizacional. O corpo militar não pode e nem deveria ser um agente de controle nacional, sua função é a subordinação e vassalagem aos interesses da sociedade civil, o oposto, como nos demonstrou, Florestan Fernandes, estabelece a destruição das relações de convívio democrático e rompe as relações de civilidade republicanas.

O quinto fator constitui o poder monetário nacional. A capacidade do Estado nacional de manter um padrão de preços regido por uma moeda possibilita definir proteção às relações mercantis internas, inclusive definindo regras de apropriação da riqueza e de limites para transferência liquida de riqueza nacional para o exterior.

Esse conjunto de fatores constitui o que se denomina de soberania nacional. A destruição de cada um deles nos leva ao estabelecimento de uma Não-Nação. O que diríamos com respeito a atual conjuntura: a reforma trabalhista e a reforma previdenciária, não são reformas, são destruições da nação, corroendo o primeiro fator exposto e impondo a miséria e a fome como perspectivas de futuro para a maior parte da população.

A destruição das Universidades Públicas, como o canhestro programa “Future-se” propõe, aniquila o segundo fator, desfazendo qualquer capacidade de pensar o Brasil enquanto sociedade autônoma, se reduzindo a uma nação pária e de grotesca existência internacional, que nos digam os últimos acontecimentos.

A resistência tenaz e, no limite, até violenta, para deter a conformação da Não-Nação e a transformação do Brasil em um território de um povo sem história, é o que nos resta enquanto sentido de luta e persistência: “Sonhar mais um sonho impossível, lutar quando é fácil ceder, vencer o inimigo invencível, negar quando a regra é vender” (Chico Buarque). (Da Carta Maior)

José Raimundo Trindade é Professor da UFPA