(imagem: pxhere.com)

.Por Luís Fernando Praga.

O que sobrou de bom, depois que amizades antigas e sólidas não existem mais? O que sobrou depois que não existe mais distribuição, sem custo, de insulina e outros medicamentos essenciais para que pobres não morram?

O que sobrou depois que importantes membros da mais alta corte da justiça nacional até juízes de instâncias inferiores, chegando à polícia federal e ao ministério público, foram aliciados, comprados com dinheiro sujo, para defenderem interesses que nunca foram os do Brasil?

O que sobrou depois que grande parte da sociedade se orgulha em ostentar um preso político há 466 dias e ainda quer mais?

O que sobrou depois que a maioria de nossos deputados e senadores optou por dar andamento a um grande acordo nacional, com o supremo e com tudo, que salvaria suas peles (estancaria essa sangria) e implantaria um plano de governo entreguista, porque entrega riquezas, direitos e vidas, plano esse, desumano e democraticamente inelegível?

O que sobrou, depois que eles nos mostraram que podem destituir e empossar quem eles bem entenderem, na hora que quiserem?

O que sobrou depois que parte da sociedade naturalizou o assassinato de uma deputada feminista?

O que sobrou depois que parte da sociedade naturalizou o conluio entre juízes, acusadores, polícia, mídia e políticos, minando a soberania nacional e visando ao prejuízo social do Brasil?

O que sobrou depois que parte da sociedade naturalizou, e aprecia, inerte, a rapinante agressão das instituições sobre toda a vida do País?

O que sobrou depois da “vista grossa” de todas as nossas instituições e de grande parte da sociedade perante os áudios vazados entre Romero Jucá e Sérgio Machado explanando o golpe todo, entre Michel Temer e Joesley Batista negociando propina? E os áudios entre Aécio Neves e Gilmar Mendes, em que o ex-senador solicita interferência do ministro do supremo na atuação política de outro senador? E o áudio entre Aécio e Joesley, em que o ex-senador negocia propina de 2 milhões e cogita matar o próprio primo?

O que sobrou depois da morte de Teori?

O que sobrou depois de sucateadas a saúde e a educação?

O que sobrou depois da entrega do Pré-sal?

O que sobrou depois das reformas trabalhista e previdenciária, já que direitos não sobraram?

O que sobrou depois de escancaradas as imunidades do Queiroz e do Flavinho, do FHC, do Serra e do Aécio, entre tantos outros criminosos de grande monta, mas “importantes aliados a quem não se pode melindrar”?

O que sobrou depois que pessoas apregoadas “filhas de deus” passaram a defender a truculência, a intolerância, as armas, a opressão e a morte de seus irmãos, além dos interesses de pastores políticos e bilionários?

O que sobrou de bom no meu país depois dos 117 fuzis encontrados na casa do vizinho do presidente e dos 39 kg de cocaína encontrados no avião da comitiva do presidente?

O que sobrou de confiável depois que o presidente indicou, para a embaixada em Washington, o próprio filho, que tem “fluência em inglês”, mas diz “caralho, deu branco”, numa entrevista em inglês?

O que sobrou de bom depois que o mundo passou a sentir vergonha e medo do Brasil?

O que sobrou depois que as panelas pararam de bater e tudo ficou cinza, empesteado de medo e de um cheiro podre de corrupção, tão impregnado como a gente nunca sentiu antes?

Sobrou muita decepção, tristeza e uma dura desesperança em qualquer coisa…

Sim, sobrou sofrimento e aquela sensação de que não precisava ter sido assim…

Também sobrou o tempo, que continua passando, movendo as nuvens e mostrando, vez ou outra, que o céu ainda é azul por detrás da couraça do golpe.

Sobrou a relva verde que eu gosto de pisar descalço, sobrou o ar que vira vento na minha cara e traz o novo a cada inspiração, sobraram o mar, a mata e a montanha, o rio, a cachoeira e a poesia…

Pois é, o que sobrou também corre risco de não sobrar mais; entretanto, se ainda sobrou, é porque ainda resiste ao golpe, não se corrói tão fácil, não se vende pra quem tem mais dinheiro, não se entrega a interesses escusos, mas se dá a todos, desapegado de vaidades, porque confia no tempo e resiste sem ódio.

O que sobrou de bom ainda sobrará; e há de durar mais tempo que nossa desilusão!

O que sobrou tem tudo pra se transformar no solo da mudança! O que sobrou é a fonte da esperança de outra grande parte da sociedade brasileira: a parte ciente do golpe e descontente com seu andamento.

O que sobrou é alimento para nossos sonhos! O que sobrou é a prova de que resistir salva vidas e esclarece os equivocados, que, esclarecidos, serão bem vindos!

O que sobrou de bom é tudo aquilo que presta um tributo às existências de Teori Zavaski e Paulo Henrique Amorim; de Paulo Freire, de Lamarca e Marighella; de Leonel Brizola, de Miguel Arraes, de Dona Marisa, de Marielle Franco, de Ariano Suassuna, de Darcy Ribeiro e de tantos outros, que seguem vivos… e ensinando depois que morrem!

O que sobrou de bom é a História viva, pulsante e transformadora! O que sobrou de bom foram as bancadas parlamentares que votaram 100% contrárias à reforma da previdência. O que sobrou de bom é essa resistência, que nunca haverá dinheiro que compre!

O que sobrou de bom foi a força e a vontade de não parar de raciocinar e de lutar para não deixarmos a “peteca cair” apesar de tudo!

O que sobrou de bom foi a resistência!!!

O que sobrou de bom foram o Chico Buarque, o Caetano Veloso, o Glenn Greenwald e o Papa.

O que sobrou de bom foi o Acampamento Marisa Letícia, a Vigília Lula Livre, o MST, o MTST, a Via Campesina; sobrou a grande comunidade que sente a vida respirando o Rap e sobrou a Associação de Juízes pela Democracia!

O que sobrou de bom foi a contundência do Brasil 247, da Rede TVT, o GGN de Luís Nassif, o Ópera Mundi, a Carta Capital, The Intercept, o Carta Campinas, o Blog da Cidadania, de Eduardo Guimarães e o Nocaute de Fernando Moraes entre outros!

O que sobrou de bom são nomes como Mário Sérgio Cortella, Marilena Chaui, Jessé Souza, Alysson Mascaro Lopes; Ivan Valente e Guilherme Boulos; Petra Costa, José Trajano, Flavio Dino, Eduardo Suplicy, Luiza Erundina, Benedita da Silva, Juca Kfouri e Bob Fernandes; Gregório Duvivier, Aroeira e Miguel Paiva; Jean Wyllys, Miguel Nicolelis, Oliver Stone, Wagner Moura e Fernanda Montenegro; Pepe Mujica, a senhora Dilma Rousseff e o senhor Luiz Inácio Lula da Silva: tanta gente que luta até a morte e que não morre nunca!

O que sobrou de bom foi um lado que não fede à morte, que não envenena nem massacra as flores do futuro com coturnos brutos, que não quer ódio nem vingança, mas educação e esclarecimento!

O que sobrou de bom é um lado que não exclui, não escraviza, não bestializa ou mata, mas que acolhe o livre pensamento, acolhe as diferenças, acolhe os marginalizados desse sistema corrupto, acolhe os odiados, acolhe as minorias e os excluídos, e que acolhe até os possíveis dissidentes do golpe; só não acolhe os odiosos, porque entende que um povo não se faz de bolhas, mas de uma grande unidade, composta por pessoas livres e autônomas, capaz de pensar socialmente antes de pensar egoisticamente, capaz de entender que não há bem estar individual sem bem estar social; e que bem estar social não existe sem que todos os membros da sociedade sejam tratados com igual dignidade!

O que sobrou de bom entre os escombros, além do solo em que pisamos, não foi nada pouco: fomos nós, que sempre alertamos e continuaremos alertando, seres humanos imperfeitos, cientes de nossas imperfeições, tolerantes para com elas, conscientes de que precisamos evoluir, resistindo ao ódio, resistindo ao fascismo, resistindo às agressões de instituições muito poderosas, mas não mais poderosas que nós!

O que sobrou de bom é a confirmação histórica de que nós podemos errar, mas que, hoje, estamos do lado certo e seguiremos marchando sobre o conservadorismo ignorante, ampliando as fronteiras do amor, da inclusão e da justiça social!!

Sobraram as ruas vazias, prontas para serem ocupadas por quem sabe ocupá-las!

O que sobrou de bom foi tudo isso, além de um futuro que, não importa o quão duro e injusto venha a ser de imediato, um dia, poderá ser o futuro dos mais belos sonhos humanos, soterrando para sempre o pesadelo de um passado medieval que insiste em renascer de tempos em tempos.