.Por Ricardo Pereira.

Embora o Oscar desperte mais atenção do cinéfilo brasileiro, o grande prêmio do cinema mundial é entregue na cidade de Cannes, na França. Trata-se de uma premiação mais democrática uma vez que não restrita a produção local como acontece com o Oscar que privilegia o que vem de Hollywood em detrimento de outras cinematografias. O Oscar de Melhor Filme Estrangeiro é uma das poucas concessões da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas ao que não sai da sua indústria.

(imagem bacurau – divulgação)

Cannes, a exemplo de outros festivais como os de Veneza e Berlim, tem um caráter mais panorâmico em que as premiações – embora importantes – estão em segundo plano diante do significado que é estar entre os indicados para cineastas e filmografias menos badalados. Este significado é um sinal de reconhecimento que ultrapassa o lobby das produtoras que movimenta os bastidores do Oscar porque posiciona cineastas e filmografias dentro de uma escala que pode ser abstrata para muitos, mas para quem está nesse mundo – cineastas, críticos, cinéfilos – é bastante concreta. Uma escala que apresenta quem e onde se está produzindo o melhor cinema de uma dada época.

Uma indicação para um filme de um determinado país não representa, muitas vezes, uma indicação que chama a atenção apenas para aquele filme em si, no máximo, para seu diretor, mas pode abrir os olhos do mundo para toda uma filmografia até então encoberta. Por isto que num momento em que a produção nacional está ameaçada pelos cortes anunciados pelo governo bolsonaro, ter um filme brasileiro entre os indicados a Palma de Ouro deve ser comemorada pelos profissionais do nosso cinema.

Dentre os dezoito filmes indicados à Palma de Ouro: a França aparece com cinco filmes; os Estados Unidos com dois representantes; o restante com um filme cada vem de todos os cantos do mundo – Espanha, Itália, Coreia do Sul, Bélgica, Canadá, Áustria, Inglaterra, Romênia, Palestina, China e Brasil. Nosso representante será, mais uma vez, Kléber Mendonça Filho, com o filme “Bacurau”, co-dirigido por Juliano Dornelles.

Mais uma vez porque três anos atrás, em 2016, Mendonça Filho concorreu à mesma Palma de Ouro com “Aquarius”. O filme perdeu para “Eu, Daniel Blake”, de Ken Loach, que está novamente na disputa. Na sua última passagem por Cannes, o cineasta pernambucano aproveitou para denunciar o GOLPE que tirou do Palácio do Planalto a presidenta Dilma Rousseff. Sua atitude mereceu uma retaliação do governo de Michel Temer que excluiu o filme de uma indicação certa ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2017.

De lá para cá o país só piorou, política e economicamente, e a produção cultural também sofreu com isto, o fim do Ministério da Cultura mostra que para os que ascenderam ao poder político do país após o GOLPE de 2016 e as eleições fraudulentas de 2018 os artistas são encarados como inimigos. Se Kléber Mendonça Filho vai protagonizar outro protesto no tapete vermelho de Cannes aguardaremos com expectativa, motivo não falta, embora ninguém esteja aqui cobrando isso dele, sua produção cinematográfica já é uma bela contribuição ao debate cultural nesses tempos sombrios.

Assim como “Aquarius”, o novo filme também traz Sônia Braga como protagonista. Definido como uma ficção científica que mistura elementos do terror e do faroeste, “Bacurau” conta a história de um pequeno povoado do sertão cuja tranquilidade é ameaçada com a morte de uma espécie de matriarca da comunidade vivida pela cirandeira Lia de Itamaracá. Dias depois os moradores de Bacurau descobrem que a comunidade desapareceu dos mapas. Sua data de estreias nos cinemas brasileiros é em setembro de 2019, até lá fica a nossa expectativa e de dedos cruzados para que “Bacurau” repita “O Pagador de Promessas”, único filme brasileiro a ganhar uma Palma de Ouro em Cannes, no ano de 1962.

Mas para repetir o feito de Anselmo Duarte, Kléber Mendonça Filho e o parceiro Juliano Dornelles, vão enfrentar pesos pesados do cinema mundial como o espanhol Pedro Almodovar, o italiano Marco Bellocchio, o norte-americano Terrence Malick, os irmãos belgas Jean-Pierre e Luc Dardenne e o canadense Xavier Dolan (confira abaixo a lista completa). Ainda é cedo para apontar favoritos. Além de “Bacurau”, outra produção nacional estará em Cannes: A Vida Invisível, do cearense Karim Aïnouz. O filme participa da mostra Um Certo Olhar. O Festival de Cannes 2019 acontece entre os dias 14 e 25 de Maio.

Lista dos filmes indicados à Palma de Ouro do Festival de Cannes 2019:

Dolor y Gloria (Pedro Almodovar)
O Traidor (Marco Bellocchio)
The Wild Goose Lake (Diao Yinan)
Parasite (Bong Joon-ho)
Young Ahmed (Jean-Pierre Dardenne & Luc Dardenne)
Oh Mercy! (Arnaud Desplechin)
Atlantique (Mati Diop)
Matt & Max (Xavier Dolan)
Little Joe (Jessica Hausner)
Sorry We Missed You (Ken Loach)
Les Miserables (Ladj Ly)
A Hidden Life (Terrence Malick)
Bacurau (Kleber Mendonça Filho & Juliano Dornelles)
The Whistlers (Corneliu Porumboiu)
Frankie (Ira Sachs)
Portrait of a Lady on Fire (Céline Sciamma)
It Must Be Heaven (Elia Suleiman)
Siby (Justine Triet)