.Por Ricardo Andrade.
No dia 25 de janeiro, o Brasil foi vítima de outro crime ambiental provocado pela negligência da mineradora Vale. A cidade atingida desta vez, apenas três anos após o desastre em Mariana, foi Brumadinho, também no estado de Minas Gerais.
Para entender os diferentes elementos por trás desse crime ambiental, veja entrevista com Fábio Augusto Reis, geólogo, engenheiro civil especialista em barragens, professor da Unesp e presidente da Febrageo – Federação Brasileira de Geólogos. Para ele, “não podemos, por exemplo, aceitar um deputado ou senador ter 30 assessores e vários auxílios, enquanto temos um único técnico por setor para fazer vistorias de modo geral. É um absurdo termos 30 técnicos especialistas em barragens para fiscalizar o país inteiro e um único deputado ter 30 assessores. O antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), alguns meses atrás, não tinha dinheiro para pagar combustível, para ir para o campo, para pagar a luz e a água da unidade”, disse. Confira abaixo na íntegra:
Segundo a Vale, as últimas avaliações na barragem não indicavam riscos. Quais os critérios dessa fiscalização e de quem é a responsabilidade nesse processo?
Fábio: O primeiro ponto que temos que entender é de que a responsabilidade total pela segurança de barragens é da empresa. O órgão fiscalizador, na verdade, recebe as informações das empresas, seja por auditoria externa ou dos próprios relatórios emitidos pela equipe técnica interna da empresa, e às vezes faz vistorias in loco. Só que nessas vistorias você apenas consegue ver se a barragem está apresentando sinais muito claros de rompimento. Então, basicamente, a responsabilidade total é dos empreendedores.
As informações que são passadas para a Agência Nacional de Mineração e para os órgãos de recursos ambientais e hídricos são autodeclaradas pelas empresas. O que o órgão ambiental sabe em detalhes é o que a empresa está lhe informando. Porque em uma vistoria in loco você não consegue verificar o que está acontecendo durante um ano na barragem.
Outro ponto importante é entender porque está acontecendo isso. Temos uma legislação de segurança de barragens que entendíamos como boa e temos um corpo técnico formado para isso. Entretanto, aconteceram dois acidentes. Então, todo esse arcabouço jurídico tem que ser revisto, tem alguma coisa errada. Seja em termos de gestão ou se está acontecendo algum problema técnico, no monitoramento ou na construção dessas barragens. Na questão da autodeclaração das empresas sobre a segurança das barragens, será que isso está funcionando? Precisamos analisar tudo isso, mas afirmar neste momento qual foi o erro é precipitado. A investigação poderá verificar se a construção da barragem seguiu o projeto, o que o monitoramento estava indicando, etc.
O novo governo fala em flexibilizar as exigências ambientais. Como você avalia essa situação?
Considero um erro. Uma coisa é legislação técnica, outra coisa são os procedimentos administrativos. Esses procedimentos podem ser revistos, agilizando algumas coisas para pequenos empreendimentos, por exemplo. Para empreendimentos de grande porte, não temos que flexibilizar nada. Na verdade, é preciso ser o mais rígido possível. Quanto maior o risco que um empreendimento possa causar, mais exigências você tem que fazer. Exigências que façam com que as empresas realizem um projeto adequado. A própria empresa deveria ter consciência de que precisam fazer um projeto adequado, pois envolve o negócio e os funcionários dela. Se um erro desse acontece, você pode quebrar uma empresa. Isso deveria ser natural, mas a cultura brasileira, infelizmente, muitas vezes vai para outro viés, com as empresas querendo licenças rápidas para começar a operar. A legislação precisa continuar firme porque gera até um processo educacional. Quando o órgão faz exigências, ele está educando a empresa e a cultura empresarial para que entendam que deve fazer algo tecnicamente perfeito.
Após o crime ambiental ocorrido em Mariana, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais discutiu a situação das barragens no estado e houve afirmações de que a tecnologia utilizada nessas estruturas estava defasada. Considerando que a barragem rompida foi construída em 1976, você concorda com essa afirmação?
Nós temos três métodos de construção de barragens de rejeitos que são muito utilizados: alteamento a jusante, alteamento a montante e o alteamento na linha de centro. Acredito que esse alteamento a montante, que já foi muito utilizado, e o na linha de centro são dois métodos construtivos que talvez devam ser revistos e banidos, principalmente o a montante. Existem dúvidas em relação a esse método, não é um consenso na comunidade, tanto que a norma ABNT fala que não é recomendado o alteamento a montante, pois você coloca o maciço da barragem (área/estrutura da barragem) sobre rejeito. Então você tem uma dificuldade muito grande ter o controle do que está acontecendo internamente dentro da barragem. O rejeito é um material mole, inadequado para colocar um maciço de barragem em cima.
Em termos de métodos de monitoramento, sabemos que tem sido investido muito em sensores. Temos equipamentos que conseguem detectar problemas. É estranho que, pelas informações que foram passadas, essa barragem tinha esses sensores e mesmo assim a sirene não tocou, não houve um aviso. Então aconteceu um erro, tanto que, recentemente, com a barragem 6, a sirene funcionou.
A Vale afirma que a barragem de número 6, próxima ao local, está sendo drenada e não corre mais riscos. Já é possível descartar a possibilidade de um novo desastre?
É muito complicado porque o rompimento da barragem 1 afetou boa parte da fundação da barragem 6, que está sendo drenada para reduzir as chances de um desastre ainda maior. Há um buraco no meio da barragem. Então eu não falaria que ela não corre risco nenhum, mas é preciso ver qual categoria de risco estão utilizando. Temos técnicos no local e temos que acreditar no trabalho deles. Apenas olhando, eu não conseguiria reduzir o risco de ruptura, mas também não estou no local para avaliar a situação. Temos que buscar sempre a prevenção.
O Rio Doce sobre até hoje com a degradação causada pelo crime ambiental em Mariana. Será possível reverter os impactos causados no Córrego do Feijão e no rio Paraopeba?
Voltar ao que era é muito difícil, principalmente na área atingida pela lama. Primeiramente, você depende de quanto dinheiro se tem. Recuperar é possível, mas depende do montante a ser investido. É um processo extremamente longo, levam décadas para recuperar, principalmente para o Córrego do Feijão e aquela região que foi atingida diretamente, onde ficou acumulada a maior parte do rejeito. No rio Paraopeba é possível fazer um processo um pouco mais rápido, mas é preciso lembrar que temos cerca de 10 a 15 metros de rejeito acumulado à montante e as chuvas ficarão carregando esse material. Então qualquer processo de recuperação dessa área levará décadas, como o caso de Mariana, e será preciso investimentos constantes. O problema é que é comum em governos termos atitudes no princípio, mas depois as políticas públicas serem descontinuadas. Esperamos que não aconteça novamente, mas a linha do atual governo é justamente essa. Está na pauta do governo privatizar a CPRM – Serviço Geológico do Brasil, o que é um total absurdo. É um serviço público para mapeamento de área de risco e de problemas ambientais, coisas que o setor privado não vai fazer, são funções do governo.
Com o sucateamento em instituições como o Serviço Geológico do Brasil, o IPT – Instituto de Pesquisas Tecnológicas, a extinção da Mineropar, que estava se transformando no serviço geológico do estado do Paraná, vemos que esse tipo de política é equivocada. Os órgãos públicos precisam ter equipe técnica muito especializada e de referência. O serviço geológico brasileiro precisa ter investimento. Não podemos, por exemplo, aceitar um deputado ou senador ter 30 assessores e vários auxílios, enquanto temos um único técnico por setor para fazer vistorias de modo geral. É um absurdo termos 30 técnicos especialistas em barragens para fiscalizar o país inteiro e um único deputado ter 30 assessores. O antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), alguns meses atrás, não tinha dinheiro para pagar combustível, para ir para o campo, para pagar a luz e a água da unidade.