Booker T. Washington: o ex-escravo da cara branca e defensor da meritocracia

.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

Booker T. Washington foi uma notável liderança afro-americana que alcançou posição de destaque na história da formação do pensamento da população negra dos Estados Unidos, e sua biografia torna-se mais interessante por ter nascido escravo e conquistado a admiração de muitas figuras influentes daquela sociedade, assumidamente, racista. 

Booker T Washington (public domain)

Era uma época que os americanos brancos recolhiam os rastros de destruição econômica deixados pela Guerra da Secessão (1861-1865) e debatiam como conseguiriam prosseguir com a economia sem a mão de obra escrava.1 Por outro lado, os ex-escravizados enfrentavam o seguinte dilema: retornarem às fazendas e se sujeitarem às condições aviltantes ou seguirem a vida sem qualquer amparo social. Com o objetivo de solucionar essas questões, nessa atmosfera de incertezas, surgiu Booker T. Washington defendendo o ensino técnico à população negra, abandonada e sem horizontes.

Booker Taliaferro Washington nasceu no condado de Franklin, estado da Virgínia, em 05 de abril de 1856. Até os nove anos, morou com a mãe e irmãos na fazenda dos Burroughts. Não conheceu o pai, mas soube que era um homem branco. Com o fim da Guerra da Secessão, mudou-se para o município de Charleston onde começou a trabalhar em fábricas de sal e minas de carvão.

Neste período despertou interesse pela educação, colocando-a como objetivo primário a ser conquistado, por acreditar que aprendendo a ler e escrever conseguiria trabalhos menos penosos quando comparados aos que estava desempenhando.

O Instituto Hampton acabou sendo o espaço de aprendizado que o acolheu, em 1872. Durante a formação conseguiu trabalhar no próprio instituto para custear os estudos, e, também, se destacou como aluno. Após três anos de estudos, formou-se com honrarias no curso normal.

Em 1881 – a convite do general Samuel C. Armstrong, fundador do Instituto Hampton – Booker T. Washington aceitou o convite para fundar uma escola para negros na Vila Tuskegee, Alabama.

Era a chance de elevar a autoestima dos afro-americanos e ajudá-los a conseguirem a independência profissional. O Instituto Tuskegee começou as atividades nesse mesmo ano. No início a estrutura era precária e faltavam recursos financeiros para as melhorias necessárias, tanto que as primeiras aulas foram improvisadas num espaço cedido pela igreja local.

Contudo, a grande sacada de Washington esteve em aproveitar as próprias aulas para a produção de tijolos. Estes foram utilizados na construção das salas de aula e um meio de angariar recursos com a comercialização de parte da produção na comunidade. Os alunos, nesse contexto, aprendiam uma profissão e a colocava em prática na produção da matéria-prima até a construção das salas.

Na escola, também, havia aulas de carpintaria, estamparia, funilaria, ensino de agricultura, laticínios, costura e cozinha. E, conforme a instituição alcançava popularidade, a procura aumentava e a necessidade de ampliar as estruturas tornava-se urgente. Como a escassez de recursos retornou como pauta, Booker T. Washington encontrou outro modo para solucionar a questão econômica: viajar pelo país ministrando palestras e participando de conferências. Esta poderia ser a porta de entrada para atrair filantropos e receber doações para Tuskegee. Com efeito. Possuidor de oratória invejável, os pronunciamentos em público eram sempre bem recebidos devido às palavras conciliadoras e afáveis direcionadas aos brancos e aos negros. 

“Em todas as coisas puramente sociais, podemos ser tão separados quanto os cinco dedos e, no entanto, podemos ser um, como a mão, em todas as coisas essenciais ao progresso mutuo”2

Com o sucesso do Instituto Tuskegee, Booker T. Washington escreveu seu nome entre os homens mais admirados dos Estados Unidos. Isto lhe permitiu acesso aos espaços freqüentados, exclusivamente, por pessoas brancas, tanto que esteve bem próximo aos presidentes dos EUA. O ex-presidente Theodore Roosevelt chegou – até – a convidá-lo para jantar na Casa Branca. Em 1896, a Universidade de Harvard concedeu ao educador o título de mestrado honorário, e a Dartmonth, o título de doutorado honorário.

Apesar de todo reconhecimento, Booker T. Washington colecionou desaprovações. W.E.B Du Bois, autor do clássico “As Almas do Povo Negro” (1903) foi o crítico mais contundente. O autor contestava a ausência de posicionamentos do educador na exigência dos direitos civis, a submissão e aceitação da condição de inferioridade, a rejeição da educação superior em detrimento da educação técnica e o silêncio aos constantes linchamentos.

“O sr. Washington representa, no pensamento negro, a velha atitude de ajustamento e submissão; porém, ajustamento em uma época peculiar, de modo a tornar o seu projeto inigualável (…) E o sr. Washington, exclui muitas das altas reivindicações dos Negros como homens e cidadãos americanos.” (DU BOIS, 1999, p. 107)

Ainda que Washington tenha contribuído significativamente para a população negra, formando uma especializada mão de obra técnica e motivando o orgulho da raça, reconhecemos o quão pecou em não avançar radicalmente na questão negra.

Sob nosso ponto de vista, concordamos com Du Bois, e acrescentamos que o educador encarnava o espírito da meritocracia – debate contemporâneo a nossa época.3

Na sua autobiografia Up from Slavery (1901) é corrente passagens que abordam o esforço como algo fundamental para o sucesso das pessoas “Minha experiência diz haver algo na natureza humana que sempre faz um indivíduo reconhecer o mérito, não importa sob que cor de pele se encontre”. (p. 92)4

Esta visão de mundo colocava nas costas dos afro-americanos toda a responsabilidade em superar as mazelas consequentes dos anos de escravidão ─ uma vez que ignora as diferentes vivências dos individuo, brancos e negros ─, isentando todos que se beneficiaram da escravidão.

Mesmo após o falecimento de Washington, em 14 de novembro de 1915, o seu legado continua inspirando muitos negros. Entretanto reconhecemos que a situação dos negros americanos não está melhor do que naquela época. Em pleno século 21, os direitos políticos dessa população apresentam fragilidades e a cidadania continua incompleta. Os afro-americanos ainda são vistos como “cidadãos de segunda classe” como apontou a precursora do movimento dos direitos civis, Rosa Parks.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

DU BOIS, W.E.B. As Almas da Gente Negra. Tradução de Heloisa Toller Gomes. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999.

GLEDHILL, Sabrina. Expandindo as Margens do Atlântico Negro: Leituras sobre Booker T. Washington no Brasil. Revista de História Comparada (UFRJ), v. 7, p. 122-148, 2011.

SILVA, J. C. S. da. Duas nações dentro de uma. Relações Internacionais, Lisboa ,  n. 41, p. 155-159. Disponível: . Acesso em: 08 fev. 2019