O neoliberalismo, o fascismo e a crise climática

.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.

A derrota política de Emmanuel Macron para o movimento gilets jaunes (coletes amarelos) na França, demonstra que a solução dos problemas ambientais não passa pelo sistema da austeridade fiscal, ao contrário, tal modelo já fracassou e os seus resultados abrem espaço para todos os tipos de ressentimentos, inclusive para o fascismo.

(foto olivier ortelpa cc)

Ex-militante do partido socialista e vinculado à nova sigla “Em Marche”, Macron segue uma linha centrista moderada, social liberal, que vincula politica sociais a um rigoroso controle fiscal.

Portanto, uma linha distinta do, seu antigo partido, de centro-esquerda, mais preocupado com as questões sociais. Entretanto, na sua plataforma eleitoral assumiu fortes compromissos ambientais, dentre os quais a redução das emissões de carbono no seu país. E é exatamente neste ponto que surgem as “tax-tax” ou sobretaxação dos produtos que mais emitem gases-estufa, como os combustíveis.

Sem debate social, de cima para baixo e sem propor alternativas, o resultado da sua ação foi um desastre, pois afetou exatamente as classes mais pobres que são, também, as mais prejudicadas pela austeridade fiscal do modelo neoliberal.

Além disso, diferentemente do Canadá, do socialista Justin Trudeau, que transferiu os recursos da sobretaxação para os serviços públicos destinados à população, ou da Alemanha de Ângela Merckel, que propõe a gratuidade no transporte público e ampliação do uso de veículos elétricos, Macron, fiel ao seu modelo, não apresentou nenhuma solução social. Os recursos da sobretaxação iriam diretamente cobrir o deficit fiscal, ou seja, para o sistema financeiro.

Fazer esta delimitação é importante porque Macron não tem nada a ver com a direita neofascista que se espalha pelo mundo. Em termos reais, ele é um moderado, uma espécie de Tony Blair francês. A extrema direita francesa é representada por Marine Le Pen, está sim com linha política neofascista. Mais à direita temos, ainda, os Governos da Itália, dos Estados Unidos e da Hungria, além da direita britânica, todos assentados em nacionalismos exacerbados, discurso de ódio, políticas de restrição de liberdades, argumentos vazios e anti-ambientalistas.

Analisando a motivação da existência do Brexit britânico, o colunista do jornal The Guardian, Matthew d’Ancona foi peremptório, a sustentação destes movimentos é o fanatismo, pois eles desconsideram a realidade, os argumentos racionais e os números de quaisquer projeções fundadas em dados científicos para dar andamento aos seus projetos.

Espera-se que a economia britânica sofra uma retração de 9,5% depois do seu desligamento da União Europeia, mesmo assim o país segue o caminho hipernacionalista a passos largos, tendo como premissa a retórica do medo da emigração, vinda do centro e do sul do continente.

Todavia, embora assuma uma postura mais racional, Macron apresentou uma proposta que reforça a insatisfação local, abrindo brechas para o populismo fascista. Se é verdade que o princípio do poluído pagador é uma das bases da política ambiental, a outra é que este deve ser dirigido para quem ganha com a poluição e a destruição do ambiente e não para os que lutam para sobreviver numa sociedade desigual. Existe uma lógica de razoabilidade e de proporcionalidade que deve guiar as ações da administração pública.

O neoliberalismo e sua austeridade fiscal, os quais beneficiam exclusivamente o mercado financeiro e o pagamento de juros extorsivos, fracassaram. Qualquer receita política que vise de verdade enfrentar os problemas climáticos passa pelo investimento em políticas sociais distributivas.

Não é justo que as maiores vítimas da crise ambiental que são as populações das periferias sejam responsabilizadas pelas ações de destruição planetária que beneficiam o mundo rentista, onde estão acionistas das empresas de energia, inclusive petrolíferas, as indústrias de armas, de agrotóxicos, de biotecnologia, dentre outras.

Quem morre com a seca na África são os pobres, com o excesso de frio nos invernos cada vez mais rigorosos na Europa são as pessoas que não podem arcar com o custo da energia, com as inundações são as populações periféricas, com as doenças contagiosas e uma série de outros impactos típicos das mudanças climáticas são sempre as comunidades economicamente vulneráveis. Quem morre com a violência das armas vendidas pelas grandes potenciais internacionais para as guerras civis e políticas de segurança genocidas também são os pobres. Estes dependem, cada vez mais, de uma ação mais forte e incisiva do estado na oferta de serviços públicos.

As administrações que se orientam pela rigidez e austeridade fiscal, pelas privatizações e desmonte do estado, sempre produzem dois resultados óbvios: a precarização dos serviços públicos e o aumento da exclusão.

Quando centristas, como Macron, ou até governo de centro-esquerda, como o espanhol, aplicam este tipo de receita, abrem brechas para o crescimento do populismo de direita e da extrema direita. Neste caso, mesmos os projetos direitistas sendo bem piores quanto aos resultados, outros fatores começam a pesar, especialmente porque o populismo de direita não trabalha com argumentos racionais.

O que orienta o seu discurso é o medo, o preconceito, o ódio contra o diferente, alimentando falsos mitos e fanatismos, inclusive os de índole religiosa. É por isto que observamos aberrações como o “brexit” britânico, já narrado anteriormente.

Desta forma, qual é caminho a seguir, quando o mundo está à beira de um colapso ambiental? É evidente que o fascismo, sua retórica e argumentos irracionais é a pior de todas as possibilidades, na medida em que de tal modelo de pensamento só podemos esperar o acirramento de todas as formas de violência, do ódio e da destruição do planeta.

A busca de um caminho mediado pela austeridade fiscal também é uma alternativa superada, pois o “esverdeamento do neoliberalismo”, como tentativa de legitimação, continua apresentando resultados pífios. Acredito que o caminho ainda passa pelo aumento da presença no estado na prestação dos serviços públicos, mas de um estado redesenhado, aberto e menos burocrático, capaz de dialogar com a população.

As experiências ambientais de sucesso sempre foram construídas desta foma, com investimento e participação social. A democracia, no seu formato ampliado, continua sendo o melhor caminho.