Até o dia 21 de dezembro pode ser vista no AT| AL 609- lugar de investigações artísticas a exposição “Variações do pé vermelho”, do artista Mathias Reis. A proposta, elaborada para o espaço, é uma experiência com terra vermelha, um entrelaçamento entre técnicas, linguagens e pensamentos na pesquisa artística do artista. Usada como um meio, outros elementos são sobrepostos, cruzados e relacionados à sua materialidade, para um recorte poético de uma trama de relações na vida contemporânea industrial com o meio-ambiente.

Mathias Reis é artista visual, mestre em ‘Linguagens, Mídia e Arte’ e graduado em Artes Visuais pela PUC-Campinas, onde também trabalha com a expografia e recorte curatorial do Museu Universitário (Arqueologia e Etnologia). Sua pesquisa poética envolve processos de criação entre arte e interferência ambiental. Realizou sua primeira mostra individual Exsicata em 2015. Desde então, organiza o Atelier Contágio que relaciona ações e trabalhos artísticos a práticas coletivas na eco-lógica de espaços diversos com exposições itinerantes.

Quando: Abertura | 13 de Dezembro de 2018
Visitação: 19, 20, 21 de Dezembro de 2018, das 15h às 19h
Janeiro de 2019 sob agendamento através de [email protected]
Onde: ATAL 609- lugar de investigações artísticas
Rua Antônio Lapa, 609- Cambuí- Campinas

Atividade Gratuita


“Para quem vive em São Paulo, pé vermelho é quem é de Campinas. Para quem vive em Campinas, pé vermelho é quem é de Paulínia. Para quem é de Paulínia, pé vermelho é quem é de Piracicaba. Para quem é de Piracicaba, pé vermelho é só lá no Mato Grosso. Afinal quem é o pé vermelho, esse sujeito que é sempre o outro? Quem é esse outro, um duplo, que se constitui apenas para ameaçar uma desejada identidade cosmopolita? A terra vermelha, ou terra rossa/terra roxa já foi um derrame vulcânico na separação de grandes continentes, muito antes do sinal de qualquer hominídeo caminhar por esse planeta. Foi a partir de sua fertilidade que as plantações de cana e de café prosperaram, a partir de sua rica floresta usada como lenha nos engenhos e como escora para a taipa de pilão, que com a argila formaram os assentamentos de cidades ricas o suficiente para pavimenta-la e esconde-la de vista. É sobre sua fundação que a distopia colonial cria uma identidade de negação, deixando-a disponível aos interesses do agronegócio e das empreiteiras. Para o filósofo sul-africano Archie Mafeje, os grandes conflitos onde hoje conhecemos por África, surgiram com o pensamento de que a terra pertence a alguém, enquanto anteriormente certos grupos de pessoas pertenciam a determinadas terras. A inversão entre homens que são da terra para terras que são de um homem, também nos é cara para pensar sobre o pé vermelho. A terra atravessa continentes, fronteiras e divisas entre estados, os limites entre público e privado, dentro e fora, ela é irreverente a qualquer ordem, pois se contagia com as características de cada lugar e acaba por contagiar um ao outro. É um sutil movimento constante e às vezes, bruto terremoto. Ela quem germina, ela quem decompõe – com ela tentam nos soterrar, mas é nela que podemos cultivar alguma coisa. Se decantarmos em água, ela se separa em três fases: a areia, de onde fazemos vidro, a argila de onde extraímos o pigmento para tinta e o silte, uma camada transitória que é a maior parte da massa para construções com barro. As paredes brancas das casas de fazenda, logo ficam com um rodapé de pigmento vermelho soprado pelo vento que é coberto pelos moradores por cal branca. Ironicamente, mesmo cobertas por branco, o seu interior continua sendo de barro. A parede se torna então uma fronteira permeável exemplar, em que ora o branco se impõe sobre o vermelho e ora a terra toma de volta. De alguma forma, esse conflito entre vermelho e branco parece dar uma luz, um foco de atenção um ao outro, gerando uma situação nova, especifica e poética. Apesar de não conseguimos vê-la, por baixo do piso a terra atravessa tudo. Muito antes que se fizessem casas, já estavam a vista no chão batido das ocas, nas panelas de comida e jarros de água dos indígenas, vermelhos dos pés à cabeça. A interferência da terra em nossa vida, não é menor que a nossa sobre ela. Quando andamos sobre ela, desconhecemos boa parte do que acontece no subterrâneo, as vidas e fenômenos que ali estão relacionados – incerteza escura como uma torra de carvão. Se pegarmos uma enxada e cavarmos, encontramos um acontecimento provocado por nossa ação, o que ali havia antes permanece em mistério pois não conhecemos a terra fora de nossa interferência. Está entrelaçada quanticamente, materialmente e subjetivamente com nós, outras espécies e elementos. A exposição é um marco dessa experiência composta pelo uso de diversas linguagens, técnicas e pensamentos, parte de um extenso período de pesquisa artística. Varia entre todos esses territórios o ser pertencente à terra rossa, o dito ‘pé vermelho’. Quem é ele, afinal? Se ele é todo mundo, logo ele não é ninguém. Mas isso, só se pensarmos no pé vermelho como uma identidade, o que ele não é. Pé vermelho é um agenciamento múltiplo que agrega a diferença, ainda que alguém o negue, ele compreende a própria variação. Pé vermelho só se torna uma identidade quando como qualquer devir minoritário, se torna símbolo de resistência a uma opressão. Mesmo assim, identidades são frágeis, suscetíveis, pois como nos adverte o poeta Wole Soyinka ‘não importa a cor dos pés quando se calça o coturno opressor’.” (Por Mathias Reis) 

(Carta Campinas com informações de divulgação)