(foto ricardo stuckert )

.Por Luís Fernando Praga

Olá, amigo!

Você não me conhece, apesar de um breve aperto de mão trocado na Faculdade de Direito de Franca, numa palestra sua, em meados dos anos 80, na flor de minha adolescência…

Sei que está sozinho numa cela espartana de uma carceragem cinza, numa cidade fria. Sei que são tempos sombrios, onde pessoas, ditas direitas, regozijam-se de sua prisão. Isso só pode ser doloroso, mas quero que saiba que, como eu, há milhões dispostos a dividir consigo o peso de sua dor, até que se finde essa injustiça.  

Amigo, os tempos mudaram e agora é muito difícil poder chamar alguém de amigo. Eu, que já me decepcionei e deixei de ser amigo de tanta gente próxima, atrevo-me a chama-lo assim, porque sinto que posso, porque sinto que é meu amigo, é amigo dos seres humanos, é amigo do mundo sustentável, amigo da transformação, amigo da utopia, é amigo da coragem, da resistência e é amigo dos valores dos quais também sou amigo.

Sou grato e precisava muito de um amigo como você!

A dureza desses tempos me fez ver que algumas raras pessoas sabem amar, isto é, desejam o bem de todos, sem desejarem mal a ninguém. Outras estão aprendendo a amar, enquanto outras se iludem que amam, mas erram por definição e permanecem estacionadas no ódio.

Ninguém gosta de se admitir dominado e motivado pelo ódio, porque, na sociedade que alimentada a ilusão a perfeição, é preciso ser gente de bem, e gente de bem não odeia.

Só que perfeição não existe; e, quando alguém aprende a não admitir as naturais imperfeições humanas, jamais admitirá as suas próprias e acabará caindo na armadilha de escondê-las, de ressaltar as alheias, de condenar os outros, de torcer pra que ninguém o condene, de não dar importância para o amor do qual abriu mão e de fingir que não foi o ódio que ocupou o lugar daquele amor.

É assim que, dentre todas as naturais imperfeições humanas, a hipocrisia assume a ponta e toma um papel preponderante na formação do perfil de uma sociedade.

É desse perfil social que você e todos nós, tanto os assumidamente imperfeitos quanto os falsos perfeitos, nos tornamos vítimas, meu amigo.

Quem ama precisa ter consciência de suas imperfeições e de que continuará e cometerá erros até a morte; entretanto, já não pode estar disposto a se equivocar no ódio, a desejar o mal, a ser injusto, a impor culpas e exigir castigos e punições de forma alucinada, como se a vida fosse isso. Quem ama se equivoca de várias outras formas condicionadas à ignorância humana, mas procura, a todo o tempo, distância do ódio, da prepotência e da injustiça.

 O equívoco humano da injustiça, mesmo que amparado pela lei vigente, além de abrir brechas para que outras injustiças se enquadrem na legalidade, sempre irá gerar estilhaços sociais e fará sempre mais do que uma única vítima. Os prejuízos se vão acumulando, um após o outro, como uma bola de neve, até que a situação se torne insustentável, como me parece este nosso hoje, onde irmãos humanos vivem loucos por prender e matar uns aos outros.

Onde existe ódio não existe razão o suficiente para se discernir que o ser humano sempre errou, historicamente, ao rotular, definir e julgar como inferior outro ser humano.

Nossa suposta prerrogativa de julgar é fruto da prepotência, sequela da doença da certeza, e virá sempre emaranhada aos muitos tentáculos de nossa ignorância, mas um dia, amigo, aprenderemos o caminho do amor, e só então entenderemos o que é agir com justiça.

Eu gosto de ser seu amigo porque entendo que você ama de verdade e não na hipocrisia: na lista das prioridades do amor humano, o primeiro passo é aceitar que todos merecem viver com igual dignidade (o que é muito diferente de luxo). O segundo passo é lutar para que uma vida digna seja garantida a todos, e você lutou!

A garantia de que a dignidade se estenda a toda a população não depende de que se aumentem os salários e regalias de juízes e políticos, mas depende de se acabar com a fome, de se proteger do frio, de se eliminar a miséria, de se ampliarem as liberdades, de se dissolverem os preconceitos, de se esclarecerem as ignorâncias, de se abraçarem os carentes.

Estas são as prioridades e devem ser cumpridas, mesmo que, para isso, um médico, um juiz, um grande empresário, um lobista, um político, um grileiro ou um grande latifundiário precisem comer arroz, feijão e filé de frango ao invés de caviar, filé mignon e moet chandon.  

Sei, amigo, que este país que você ama e pelo qual tanto lutou e fez já aprontou poucas e boas com você: já o tratou feito lixo, já o privou de comida e de água, já foi omisso quanto à sua educação, já lhe infligiu sofrimentos absurdos, extraiu seus direitos e o privou de entes queridos, mas, apesar disso, você não desistiu deste país!

Eu juro que o entendo e que, apesar de tudo, também amo este país.

Você enfrentou uma rígida e cruel estrutura, criada há muito tempo, com a única finalidade de manter nossa desigualdade social, mantendo assim este sinistro status quo. Você não se acovardou diante do poder de oponentes tão poderosos, não se entregou ao pessimismo ou ao desânimo, e, o mais importante, você não se vendeu; e demonstrou que não é para todo mundo que o dinheiro é tudo!

Mas a verdade é que você não é nenhum santo! Você também errou e deixou muito por fazer!

Outra verdade é que, como a hipocrisia foi um dos obstáculos para que eu mantivesse certas amizades, vivo me policiando para que essa devoradora de caracteres não devore o meu, então me questiono: quem é o santo (Geraldo Alckmin não vale!)? Quem não errou? Quem não deixou algo por fazer? Quem dimensionou o tamanho do seu erro e decidiu que você deveria ser afastado da sociedade, excluído do processo eleitoral e privado de sua liberdade?

Esteja certo, meu amigo, você não foi preso por seus erros ou por sua omissão, muito longe disso: você foi preso por uma estrutura que mantém reinantes na sociedade a ignorância e a desigualdade social, você foi preso por uma estrutura nefasta criada há séculos, só porque, finalmente, alguém acertou na mosca no que tange às prioridades nacionais, no que tange a entregar dignidade a um povo, no que tange a transformar o País, e esse alguém foi você!

Você mostrou para este sistema, que se alimenta de corrupção, que nada vale mais que a vida de ninguém. Você mostrou que a vida humana é o bem maior e não há sistema corrupto que sobreviva a esta consciência!

Este sistema, que pensa que pode comprar quem e o que ele quiser, identificou em você uma ameaça, porque não o pode comprar, e então faz de tudo para manchar sua imagem e o anular; ele o calunia, limita e oprime covardemente.

 Você, nascido miserável num país de 3º mundo, conseguiu chegar à presidência da república, elevou o País a sexta economia mundial, promoveu transformações drásticas, essenciais e quase que inacreditáveis que pudessem ocorrer num lugar dominado por uma elite econômica tão predatória como a nossa!

Num país onde o “ter” é mais do que o “ser”, quem compra tudo fácil e julga que as dificuldades alheias, a fome, o frio, a miséria e a exclusão social são consequências da vagabundagem dos vagabundos não consegue engolir o seu sucesso.

Quem nunca precisou viajar milhares de quilômetros num caminhão pau de arara para sobreviver e vê você chegar aonde chegou, sem ter se vendido, sem ter se esquecido dos seus e de suas origens, intimamente necessita de diminuir seu feito e a dimensão humana e histórica que você alcançou.

Aqueles que olham nosso sistema penitenciário abarrotado de pretos pobres e concluem que os negros são mais bandidos que os brancos são os frutos da ignorância que o sistema plantou e são incapazes de enxergar a que a elite branca que fazia as leis, que nomeava juízes brancos para punirem negros e pobres e que enriquecia explorando a vida dos escravos é a mesma elite escravagista que ainda manda e desmanda nesse país: a perpetuadora da violência e da desigualdade social.

Essa elite dominante, que sempre teve nas mãos o poder de manipular e que posa de gente de bem, trabalhadora e empreendedora nas páginas de nossa História, é ridiculamente imitada e adulada por uma massa humana sem ideais, sem empatia para com seu semelhante, sem consciência de classe e sem cidadania, criminosamente instruída a competir e cuja única perspectiva na vida é conseguir consumir mais do que o vizinho.

É ao poder dessa elite sádica que você representa uma ameaça, Lula, e é dessa elite sádica e aristocrática que o brasileiro mal informado tomou as dores. É aos interesses dessa elite genocida que os pobres de direita (agora ainda mais pobres de direitos) e as marionetes do sistema defendem. Por isso pensam que devem odiá-lo como a elite o odeia.

Lula, você, superando qualquer expectativa, é a flor que floriu e perfumou esperança no solo mais árido do mais inclemente clima, é o fruto temporão que alimentou e adoçou a boca dos famintos na pior das secas. Você é a ressurreição de uma ideia antiga e linda que, de tempos em tempos, vem dar o ar da sua graça à humanidade.

Você fez crescer em todos nós, até nos temporariamente cegos e corrompidos, a ideia de que este sistema precisa parar de ser alimentado com vidas humanas, de que ninguém deve ser dono ou posse de ninguém, de que viver pode ser muito mais do que tem sido!

Você, com todas as suas imperfeições, não é mais imperfeito que nenhum de seus acusadores e algozes, porque você mostrou a esperança, o amor e a liberdade para um povo escravizado, violentado e sem perspectivas, enquanto eles, seus acusadores, covardemente o mantêm encarcerado, tolhido da liberdade e do contato com aqueles lhe desejam o bem, enquanto pilham a nação livremente.

Mas saiba, Lula, os que lhe desejam o bem somos muitos! Você, hoje, é uma ideia plantada no coração de milhões e cuja semente em breve irá frutificar!

Nós, meu amigo Lula, que lhe desejamos o bem e que não sentimos vergonha disso, porque não há motivos para vergonha no querer bem, também nos sentimos presos, de mãos atadas, sem ação diante desse golpe, mas a esperança não permite que nos abatamos!

Estamos acordados, na vigília da História, cientes do golpe e dos golpes por trás do golpe, feridos, inconformados, rebeldes, transformadores e prontos pra lutar! Quando chegar o momento, seremos milhões de Lula(s) a espalhar amor e entendimento sobre este país, hoje dominado pelo ódio e pela ignorância! Por favor, meu amigo, por mais que tudo pareça desanimador, não se sinta abandonado! Amanhã há de ser outro dia!

Por ora, meu querido amigo, diante deste cenário aterrador e carente de afetos, eu só quero que meu texto se transforme num abraço sem hora pra acabar, um abraço do mais profundo querer bem, um abraço de desabafo, cumplicidade e troca da melhor energia, um abraço de poder chorar no ombro, compreensivo, afetuoso e bem apertado naquele senhor de 73 anos que, quando menino, fugiu da seca para mudar o mundo, que fez a seca fugir do Nordeste e que está preso há quase um ano num cubículo triste em Curitiba.

Que este abraço se estenda a todos os meus amigos, os meus milhões de amigos “Lula” espalhados pelo mundo e que sequer conheço, mas que são meus amigos, porque não são amigos do ódio, da covardia e da injustiça!

Feliz Natal e um 2019 repleto de Justiça, de Liberdade e de Amor, Lula(s)!