.Por Luís Fernando Praga.

Sem água eles morriam em 3 dias; e nada era mais vital que a água. Não tinham tempo de pensar poesias, de rir da vida ou de sofrer de mágoa. Cuidavam sempre de seus pés cansados de espinhos, do chão seco e de buscar… Mantinham-se de instintos encharcados, pra vida dos seus filhos não secar.

Até que enfim surgiu aquele poço, depois de tanto, tanto caminhar! Já dava até pra se pensar no almoço, na poesia, no amor e no jantar. O poço era a magia da existência, de uma água límpida e sensacional! A vida era um sem-fim de experiências, quando alcançaram o essencial.

Por gerações, fartaram-se, felizes. As crianças nasciam e cresciam aprendendo o amor e as cicatrizes; até que envelheciam e morriam…

Como era o natural de antigamente, as mães nutriamavam por seus seios, amando os frutos de sua semente, como eram amados os alheios.

O tempo dava até pra ser feliz; e como era feliz viver sem sede! Todo ancião ainda era aprendiz nesse equilíbrio natural da rede. O povo era de abraços e carinhos, de água, acolhimento e muito mais! Chegava gente de muitos caminhos pra esse cantinho onde pairava a Paz.

Até que alguém quis ser especial e cercou só pra si aquela fonte. A dor alheia não fazia mal… Desejou possuir o horizonte!

Tomou a Natureza, impôs fronteiras e fez de seu irmão um invasor. Cercou o parreiral e as tamareiras; era o Dono do Poço! Era o Senhor!

Um rígido controle foi imposto sobre recursos antes repartidos. Da água, o Senhor só dava o gosto a seus escravos e seus protegidos.

Quebrou-se, ali, um trato natural, num mundo onde sedentos e famintos, guiados pelo instinto do animal, perambulavam, pra não ser extintos…

Uns eram do Senhor das propriedades, outros buscavam águas sem senhores. Uns revendiam suas liberdades, outros eram da vida, como as flores.

Esse dono do poço e da abundância, o primeiro projeto de tirano, fez nascer o poder e a ganância; e junto veio o homem desumano.

Notando, um dia, que um desesperado burlou aquela lei, que ele fez, e penetrou, incauto, o seu cercado, ele matou pela primeira vez. Ele matou um pobre combalido. Ele matou e nada aconteceu! O morto foi chamado de bandido e aquele poço lindo era só seu!

Esse dono de poço “fez escola” e outros começaram a cercar. Aos “bandidos” restava a degola… e aos Senhores: matar, matar, matar!

Formaram-se cidades e estados fundados sobre escravidão e dores, onde todos viviam vinculados aos nobres interesses dos Senhores.

Quem já nascia dentro dos cercados, com água e pão para sobreviver, tinha o senso da vida deturpado na encruzilhada entre o ter e o ser. Deixava de valer o querer bem. Valia muito mais ter objetos, pra se viver a vida de um refém da angústia e dos valores abjetos. Vivendo cega à dor de outros irmãos, torna-se, a mente, uma vilã insana, regendo corpos valentes e sãos e corrompendo a condição humana.

Tudo valia para se ostentar, ao fim do mês, algum quinhão de sal; e pro servo, feliz, se encaixar nessa “dignidade” desigual.

Sendo uma causa, tal desigualdade trouxe-nos muitos, muitos resultados: um falso senso de felicidade e muitos muito mais angustiados!

Pra salvar os aflitos, veio Deus, um pai onipotente e cuidador, mas que não pode contra os fariseus e acabou por cuidar só do Senhor…

Deus trouxe uma verdade construída e prometeu um mundo glorioso. Deus deu à morte um quê de “mais que a vida”; e deu à vida um ar pecaminoso.

Deus criou os juízes sem juízo, deu-lhes um Éden e um fogo eterno. Oravam pra ganhar o paraíso. Matavam pra mandar alguém pro inferno.

Surgiram interesses adversos entre os senhores do Sul e os do Norte, que, no desprezo à vida já imersos, fizeram só banalizar a morte.

“Se eu quiser te matar, problema teu!”

“Matei meu pai, o que era dele é meu!”

“Matei cada mulher que não me deu!”

“Também matei Jesus, verme judeu!”

“E por que Lula ainda não morreu?”

“Somos anjos da lei, o Mito e eu!”

Havia, nessa gente, um gene louco que se disseminava pela Terra. Matar sozinho parecia pouco, e um assassino inventou a guerra.

Mas, pra matar assim, sem ver a vida, sem dúvida, só os mais alienados: os que viam na morte uma saída; e Deus trazia muito mais soldados!

Decantaram-se extremos discrepantes… e o que era um povo se tornaram dois: havia os que já matavam antes e os loucos por viver pra ver depois.

A cada guerra, muito mais desgraça, miséria, injustiça, morte e dor. Os miseráveis se tornaram raça.

E Deus? Sempre do lado vencedor.

Aquele Deus, o pai de todo mundo, mais seletivo, duro e caprichoso, já não era mais pai de vagabundo, e só aos ricos permitia o gozo.

Aos muitos ricos nem havia “não”! Tudo pode naquele do bilhão! Se pode ser elite, nesse mundo cão, pode-se golpear uma nação, pode por inimigo na prisão, pode ganhar dinheiro de ladrão, pode-se combinar, em ligação, de se enviar um primo ou um irmão e colocar a mala em sua mão e então matá-lo, antes da delação.

Nas profundezas da corrupção, milênios correm sem andar pra frente; e amparados no medo e na ilusão, “prosperam” os que mais enganam gente!

Já não existe espaço sobre o muro ruído no passado abissal da encruzilhada entre o egoísmo burro e o solidário ganho social. A humanidade encontra-se perdida onde uma densa bruma ofusca o ar, na encruzilhada entre o respeito à vida e um bizarro orgulho de matar.

Nenhuma mãe amamentou bandido, nem traficante, nem torturador, nem vagabundo, nem caso perdido, pois não há perdas ao se dar amor! Mas, tanto amor, num canto se perdeu, entre o “Ubuntu” e a competição, na encruzilhada entre o “nosso” e o “meu”, aquele amor de mãe deu leite em vão…

A cada agora há uma encruzilhada: entre uma noite eterna e um novo dia, entre a ciência e o não querer ver nada, entre a verdade e a hipocrisia.

Sem água, ainda morremos em 3 dias… Na ignorância é que matamos mais! Legamos fome e sede às nossas crias e ainda nos achamos geniais!

Há uma via covarde e outra atrevida: ou me encharco de História, até o osso e me vivo sem medo, amando a vida, ou engrosso essa angústia, em fel curtida, e mato a mando do Dono do Poço…