Fim do Estado de Direito?

.Por Sandro Ari Andrade de Miranda.

A Constituição da República Federativa do Brasil define, ainda no seu preâmbulo, que o país é um “Estado Democrático de Direito”.

(foto: e o rio era assim pd)

Tal definição tem implicações ainda maiores do que o conceito tradicional construído pelas Revoluções Liberais dos séculos XVII e XVIII. Se o Estado de Direito é aquele que salvaguarda as leis, os direitos e as liberdades civis de primeira geração, com respeito ao ordenamento formal, o “Estado Democrático” vai além, promovendo a construção de uma sociedade com justiça social e igualdade material. Aliás, tais valores estão expressos ainda nos primeiros artigos da nossa Lei Maior.

Outra característica do “Estado de Direito” é a sua oposição ao “Estado Policial”, ou seja, aos regimes autoritários e totalitários onde direitos e liberdades são apenas disposições de pedaço de papel.

Portanto, o que observamos nas ditaduras latino-americanas das décadas de 1960 à 1980, jamais foram estados de direito no sentido conceituado pelos revolucionários iluministas, pois não basta haver separação formal de poderes, nem normas aprovadas dentro de um sistema formal. Antes de tudo é necessário a salvaguarda de direitos e liberdades e das suas garantias, o que inclui, inclusive, o direito de se opor ao arbítrio (vejam o direito de resistência consagrado pela Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776).

No Estado de Direito, tais valores fundantes se sobrepõem à decisão momentânea de dirigentes políticos, mesmo que eleitos em processo direto e às vontades individuais de juízes. É exatamente por isto que a nossa Constituição elenca uma série de “Cláusulas Pétreas”, as quais não podem ser modificadas pelos governantes de ocasião, por Emenda Constitucional ou pela doutrina e jurisprudência dos Tribunais.

O “devido processo legal”, por exemplo, é uma garantia inscrita no art. 5º, LIV, CF/88. Logo, não pode ser derrubado em nenhuma hipótese. Da mesma forma, direitos e garantias decorrentes de documentos como a Convenção de San José da Costa Rica e da Declaração de Direitos Humanos das Nações Unidas de 1948, em consonância com a regra do § 2º, do art. 5º, da Norma Fundamental, também são protegidos.

Outra cláusula pétrea é aquela que impede a prisão política, sendo vedada a existência de “juízo ou tribunal de exceção” (art. 5º, XXXVII). O mesmo vale para o direito à vida, à igualdade, à liberdade de ir vir, de opinião, de reunião, de expressão, dentre tantas outras. Ainda assim, não é isto que observamos no Brasil atual.

A violação de direitos humanos é uma constante, inclusive com convalidação ou decisão do judiciário. Possuímos, pelo menos, um preso político notório, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), condenado em processo sem provas e sem tipificação, submetido à execução provisória de uma pena sem esgotamento das instâncias judiciais de recurso, sem trânsito em julgado da sentença e em desacordo com o devido processo legal.

Obviamente, o que atinge Lula também pode resultar em efeito cascata para todas os cidadãos e cidadãs, tornando a regra do devido processo legal “letra morta” na Carta Constitucional. Mais grave de tudo, a decisão da execução provisória não está embasada em nenhum risco processual, nem na possibilidade de fuga do réu. Não é uma execução cautelar, mas definitiva.

Lula se negou a buscar asilo em embaixadas, mesmo com oferta, e optou por defender a sua inocência em território brasileiro. Portanto, a única sustentação da sua prisão é arbítrio judicial, inconstitucional, contrário aos fundamentos da nossa Constituição que resguardam a dignidade humana.

Mas o desmonte do Estado de Direito ainda vai mais longe. O país está ameaçado pela extinção de normas que consagram a nossa reserva civilizatória, como o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Legislação Ambiental, de Defesa dos Consumidores, de proteção do trabalho, liberdade de ensino, de opinião, de manifestação e reunião, dentre outras.

Todas sob duas falácias básicas: segurança e atividade econômica. O futuro Ministro da Justiça, Sérgio Moro, defende o fim do sigilo das conversas entre o acusado e seu advogado, o que é a essência do princípio da ampla e plena defesa.

Na prática, estamos acompanhando a implementação daquilo que chamamos de “lei em movimento”, de uma jurisprudência móvel, da aplicação da Lei conforme o interesse de quem gerencia o processo e a sua relação com as partes, com excesso de discricionariedade e sem nenhuma reserva de princípios, tal qual faziam os tribunais nazistas. A isto chamamos de Estado Policial, Ditatorial, o que é a antítese do Estado de Direito.