Consciência Negra: lutando contra a servidão

.Ricardo Alexandre Corrêa.

“A abordagem da Consciência Negra seria irrelevante numa sociedade igualitária, sem distinção de cor e sem exploração” Steve Biko

O cientista Charles Darwin (1809-1882) na sua passagem pelo Brasil, em 1832, ficou encantado com natureza, mas testemunhou horrores da escravidão que o deixou bastante chocado.

Nas anotações em seu diário, expôs o seguinte episódio “Até hoje, se eu ouço um grito ao longe, lembro-me, com dolorosa e clara memória, de quando passei numa casa em Pernambuco e ouvi os urros mais terríveis. Logo entendi que era algum pobre escravo que estava sendo torturado. Eu me senti impotente como uma criança diante daquilo, incapaz de fazer a mínima objeção”1.

E, aproveitando o relato do famoso cientista, me parece oportuno elaborar algumas reflexões inseridas no contexto de luta dos negros, interseccionando com a ideia de “Consciência Negra”2.

As torturas eram práticas comuns no período escravista. Desde a partida do navio negreiro no continente africano até a chegada ao Brasil, e durante todo processo de comércio e exploração da mão de obra, a tentativa de coisificação dessa população não cessou.

Os urros ouvidos por Darwin podiam ser registrados em vários lugares onde havia escravos. Eram torturados para que se tornassem objetos, assim a exploração escravista estaria livre de resistência. Como disse o historiador Joel Rufino “Para ter o africano como escravo, era preciso lhe suprimir a cultura − a alma − transformando-o em bicho ou coisa. Tiravam-lhe o nome tribal, impunham-lhe outro, português; proibiam-lhe a religião ancestral, forçavam-no a aceitar a de Cristo. Como se isso não bastasse, os escravistas completavam o serviço com pauleira”.

No entanto, o processo de coisificação não teve sucesso e os escravos continuavam resistindo, conscientes do papel que os colonizadores queriam que desempenhassem. Não aceitavam aquele sofrimento.

As mulheres africanas chegavam a salgar a comida da “Casa Grande” como manifestação de revolta, e, para escapar das torturas, os escravizados incendiavam fazendas e fugiam para os quilombos, ou arrancavam a própria vida. E registremos esta coragem: o suicídio tornou-se meio de resistência.

O Quilombo dos Palmares, situado na região de Alagoas, foi praticamente um Estado Negro, perseguido pelos portugueses e holandeses que almejavam sua destruição; nele, os ex-escravos estabeleceram um modo de vida sem divisão de classes, compartilhavam a alimentação produzida e resgatavam a cultura africana. Sob a liderança de Zumbi, esse quilombo tornou-se o símbolo de resistência, vencendo inúmeros confrontos e resistindo por cerca de cem anos.

No dia 20 de novembro de 1695, a derrota irreparável, Zumbi caiu em uma emboscada e foi assassinado. Com vários tiros e furos de punhal, teve um olho e a mão direita retirados, foi castrado e o pênis enfiado na boca. A cabeça foi separada do corpo, espetada na ponta de um pau e exposta numa praça, em Recife.

A Câmara queria mostrar para a população que Zumbi não era imortal, e a vingança estava cumprida. Depois de vários anos, e muitas reivindicações dos ativistas e organizações em prol da população negra, a data do assassinato entrou para o calendário, assim, passamos a celebrar o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra.

Esse breve enredo revela o quão os negros estiveram tecidos por sofrimentos, durante quase quatro séculos de escravidão, ainda assim, a população continuou sujeita a novas maneiras de exploração, mesmo após a abolição da escravatura (1888).

Não somos açoitados, contudo, o racismo molda o consciente coletivo e conduz a nossa subjugação, determinando condições indignas de sobrevivência e um universo de mazelas. As análises políticas preveem que teremos, nos próximos anos, agendas de governo que imporão aos afro-brasileiros, e outras minorias, retrocessos em muitas conquistas.

Assim sendo, não conseguiremos superá-los se ignorarmos o debate circunscrito no âmbito do capitalismo, e do uso do racismo como instrumento de marginalização. Steve Biko nos ensinou que “a essência da Consciência Negra é a consciencialização por parte do negro da necessidade de se unir a seus irmãos em torno da causa da sua opressão – a negritude da sua pele – e de trabalharem como um grupo para se libertarem dos grilhões que os prendem a uma servidão perpétua”; portanto, que sejamos tomados por essa consciência e façamos dela a nossa filosofia de vida, compreendendo as dimensões da identidade negra e projetando a emancipação política, econômica e cultural.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei 12.519 de 10 de novembro de 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato201
1-2014/2011/Lei/L12519.htm. Acesso em: 12 nov. 2018.

PORTAL ESQUERDA.NET. Biko: A Consciência Negra e a Busca de uma Verdadeira Humanidade. Disponível em: <https://www.esquerda.net/artigo/biko-consciencia-negra-e-busca-de-uma-verdadeira-humanidade/46031>. Acesso em: 11 nov. 2018.

SANTOS, Joel Rufino dos. Zumbi. São Paulo: Ed. Moderna, 1985