O candidato a presidência República, Jair Bolsonaro (PSL), rasga elogios para a ditadura militar, justamente na parte pior da ditadura: a corrupção e os crimes hediondos praticados pelo Estado.

Esse é um caso que une as duas coisas. O Estado brasileiro reconheceu oficialmente que o diplomata José Jobim foi morto, após sequestro e tortura, pela ditadura do regime militar no Brasil.

Nesta sexta-feira (21), o Brasil emitiu uma nova certidão de óbito de Jobim corrigida, 39 anos de sua morte.

O documento é uma das conquistas dos trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) e da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que em seu relatório final, ainda em dezembro de 2014, recomendou que o país retifique a causa de morte de pessoas que faleceram em decorrência de graves violações de direitos humanos, incluindo desaparecidos políticos.

No ano passado, a CEMDP insistiu na recomendação, por meio da Resolução n° 2, de 29 de novembro de 2017, orientando os procedimentos para o governo brasileiro emitir atestados com este objetivo de corrigir as “causas da morte”.

“O falecimento ocorreu por volta do dia 24 de março de 1979, na Cidade do Rio de Janeiro-RJ, em razão da morte não natural, violenta, causada pelo Estado brasileiro, no contexto da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial de 1964 a 1985”: é a descrição corrigida do motivo de óbito de Jobim

O embaixador havia desaparecido uma semana depois de anunciar que denunciaria um esquema de corrupção cometido durante a ditadura do regime militar. José Jobim iria revelar em um livro de memórias o superfaturamento de dez vezes maior do que o valor original para a construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu.

Jobim foi embaixador no Paraguai no início das negociações sobre a criação da Usina de Itaipu, entre 1957 e 1959, e chegou a ser enviado pelo presidente João Goulart a uma missão, em fevereiro de 1964, com ministros paraguaios para tratar do tema. Em 1966, voltou a participar de um encontro para assinar a “Ata das Cataratas”.

Sete dias antes de seu desaparecimento, no dia 15 de março de 1979, ele presenciou a posse do general João Figueiredo como o novo presidente do Brasil e, na ocasião, mencionou a alguém que estava escrevendo um livro sobre relatos e que incluiria o esquema de corrupção. Ao sair para visitar um amigo no dia 22 de março daquele ano, não retornou.

Mas conseguiu deixar um bilhete a dona de uma farmácia na Barra da Tijuca, informando que tinha sido sequestrado e que seria levado para “logo depois da Ponte da Joatinga”. A menos de 1 km da ponte, seu corpo foi encontrado, pendurado pelo pescoço em uma corda amarrada a uma árvore, mas suas pernas tocavam o chão.

De acordo com o Relatório da CNV, José Pinheiro Jobim foi sequestrado e mantido em cativeiro por dois dias e meio, em local incerto, e interrogado sob tortura. E o laudo pericial, cheio de vícios, fazia creer a tese de suicídio. Para a Comissão Nacional da Verdade, tratou-se de um crime de Estado, consumado por motivação exclusivamente política.

No ano passado, mesmo ano da publicação da Resolução pela CEMDP, a filha do embaixador, Lygia Maria Collor Jobim, entrou com um pedido para corrigir a certidão de óbito de seu pai, que até hoje trazia causa de morte “indefinida”, a depender “dos resultados dos exames complementares solicitados”.

Foi a Comissão de Mortes e Desaparecidos que concedeu a Lygia um “Atestado de Óbito” com as informações verdadeiras sobre a causa da morte. Com este documento, a filha do diplomata levou ao Registro Civil do Rio de Janeiro, pedindo a retificação do documento do óbito de seu pai, como consequência da perseguição sistemática e generalizada à população identificada como opositora política ao regime ditatorial.

“A retificação do assento de óbito de José Jobim é uma importante e necessária medida de reparação promovida pelo Estado brasileiro, que contribuiu para a promoção da memória e da verdade sobre os fatos e circunstâncias referentes às graves violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura”, informou a CEMDP, em nota.  (Do GGN/ Carta Campinas)