Pesquisadores do Brasil emitiram notas de repúdio aos cortes de recursos que o governo Temer promoveu em relação às universidades públicas e às áreas de cultura.

As Direções do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais e a do Instituto de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) afirmaram em nota que  “o incêndio foi resultado do descompromisso com as universidades públicas, que têm enfrentado duros cortes orçamentários e sido condenadas a viver à míngua. Repudiamos tal descaso com a cultura, a ciência e a tecnologia, pois seus impactos ameaçam o desenvolvimento da sociedade brasileira”.

Os institutos lembraram que o “patrimônio cultural, histórico e cientifico do Brasil e de toda a humanidade, o Museu Nacional abrigava inúmeras coleções e peças de valor inestimável tais como: o mais antigo fóssil humano já encontrado no país, a “Luzia”; Bendegó, o maior meteorito encontrado em território nacional; Maxakalisaurus topai, o primeiro esqueleto de dinossauro de grande porte montado por brasileiros; coleções históricas da família imperial; acervos de arqueologia, etnologia, paleontogia, botânica, zoologia, antropologia biológica etc, etc… Tudo isso virou cinzas e foi perdido num incêndio que destruiu os vestígios materiais do nosso passado ameaçando as expectativas de futuro das nossas tradições de pesquisa cientifica e preservação da memória”.

O documento é assinado por Susana de Castro, diretora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, e Norma Côrtes, diretora do Instituto de História.

O ANDES (Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior) afirmou, também em nota que foi uma tragédia anunciada. “o ANDES-SN vem a público denunciar o descaso para com as diversas manifestações dos curadore(a)s, pesquisadore(a)s e demais interessado(a)s sobre a manutenção e conservação do Museu Nacional. Entidade interligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro, suas denúncias referentes às negligências por parte do poder público federal revelam o descaso para com parte da história da ciência, das artes e da tecnologia no Bras”, afirmou.

E continua dizendo que reitera “a necessidade da luta organizada para denunciar a ausência de investimentos na área de Ciência e Tecnologia, bem como de Educação e Cultura. O Museu Nacional não foge a este chamado, sendo fundamental que sua comunidade científica, ainda que abalada pela lástima ocorrida, lidere o processo de denúncia do descaso para com este espaço fundamental de ciência, tecnologia, arte, cultura e educação, referência na América Latina”.

A  Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo – ApqC –  também lamentou a perda do Museu Nacional do Rio de Janeiro. Veja texto:

“O Museu Nacional era a instituição científica mais antiga do País e o quinto maior museu do mundo. Entre outras peças continha a maior coleção egípcia da América Latina, com múmias e sarcófagos intactos, um vasto acervo histórico e cultural dos povos africanos e americanos pré-colombianos, bem como do Brasil pré-histórico. O fóssil mais antigo de um ser humano encontrado em território brasileiro, que foi denominado “Luzia”, também estava no museu. Havia ainda uma coleção de insetos raros, de animais datados da explosão cambriana e dinossauros que habitaram nosso continente. Desapareceram no incêndio os Afrescos de Pompeia e toda a coleção particular da Imperatriz Tereza Cristina.

Também se perdeu por completo uma das maiores e mais importantes bibliotecas do mundo ocidental, composta por milhares de obras raríssimas, como os livros da expedição de Napoleão no Egito, a Bíblia Poliglota de Antuérpia, datada de 1569 (obra monumental de Cristóvão Plantin, o mais renomado impressor do século XVI), a primeira edição de “Os Lusíadas”, de 1572, e o primeiro jornal impresso no mundo, publicado em 1601.

Tudo isso culminou, segundo o diretor-adjunto do Museu Nacional, Luiz Fernando Dias Duarte, com a destruição das carreiras de cerca de 90 pesquisadores que dedicavam sua vida profissional àquele prédio. Trata-se de uma das maiores tragédias culturais de que se tem notícia no Brasil.

Diante dela, a APqC manifesta o seu repúdio à forma como a pesquisa científica, a memória e os patrimônios culturais do povo brasileiro têm sido tratados em nosso país. Há pelo menos três anos que a direção do Museu Nacional vinha reclamando a necessidade urgente de verbas para a reestruturação de seu acervo e espaço físico.

A instituição deveria receber um repasse anual de R$ 550 mil da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mas nos últimos anos estava recebendo apenas 60% deste valor e passou a limitar verbas para a pesquisa, além de fechar algumas áreas de exposição. Recentemente, o museu chegou a anunciar uma “vaquinha virtual” para arrecadar recursos junto ao público.

A situação pela qual passava o Museu Nacional, infelizmente, não é exceção no Brasil. A maior parte dos institutos científicos do país se encontra em crise devido à ausência de políticas públicas voltadas para a preservação de acervos e investimentos em pesquisas. No Estado de São Paulo, por exemplo, os institutos representados pela APqC estão trabalhando há anos no limite. O recente incêndio no Instituto Butantan é prova disso.

Além da falta de manutenção de suas instalações físicas, um problema grave que afeta diretamente o pleno funcionamento dos nossos institutos científicos e, por consequência, o desenvolvimento da ciência no país, é o déficit de funcionários. A abertura de concursos públicos é uma demanda antiga da categoria, que vem sendo reiteradamente ignorada pelo governo estadual. Muitas pesquisas estão sendo interrompidas porque servidores estão se aposentando e o Estado não está preenchendo as vagas disponíveis. Estamos, portanto, diante de uma tragédia anunciada.

Antes que outras destruições irreparáveis voltem a acontecer é preciso que os pesquisadores científicos se organizem para manifestar seu repúdio e exigir dos governantes uma resposta rápida e efetiva aos problemas há muito apontados por nós. É preciso que a sociedade se conscientize e esteja ao lado dos pesquisadores nessa luta. Um povo sem memória é um povo sem história”.

Cleusa M. Lucon, presidente da Associação dos Pesquisadores Científicos do Estado de São Paulo – ApqC