Essa é uma bela história de como o Estado mínimo e as regras do livre mercado funcionam.

A utilização de medicamento genérico para o tratamento da hepatite C no Brasil poderia gerar uma economia de cerca de R$ 1 bilhão aos cofres púbicos, segundo informações da organização humanitária internacional Médicos Sem Fronteiras (MSF).

De acordo com a entidade, o país tem capacidade para produzir o genérico do sofosbuvir, já analisado e registrado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O início efetivo do fornecimento ao governo, entretanto, depende da conclusão de uma análise de pedido de patente a cargo do Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi).

Segundo o MSF, quando o sofosbuvir foi lançado no mercado, em 2013, o custo por tratamento chegou a US$147 mil (R$ 602 mil). Atualmente, a entidade garante realizar tratamentos para hepatite C com genéricos ao custo de US$120 (R$ 490), já incluído o lucro do laboratório genérico.

Em um ato no último dia 21 em frente à sede do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), no centro do Rio de Janeiro, entidades e pesquisadores pediram que o órgão responsável pelos registros no país não conceda a patente do medicamento Sofosbuvir, para tratamento de hepatite C, solicitado pelo laboratório Gilead Sciences. O grupo entregou ao Inpi um documento com embasamento técnico para o pedido.

A economia de R$1 bilhão, portanto, se refere à diferença entre o preço atual do tratamento com medicamentos de marca e o custo do tratamento com a utilização de genérico nacional, considerando-se a oferta de tratamento para 50 mil pessoas via sistema público de saúde, conforme planejamento divulgado pelo Ministério da Saúde.

A entidade trabalha em projetos que atendem pessoas infectadas pelo vírus da hepatite C em 11 países e, desde 2015, ofereceu tratamento a mais de 6 mil pacientes afetados pela doença. Entre os que concluíram a terapia até o momento utilizando genéricos do sofosbuvir e do daclatasvir, também indicado para o tratamento, a taxa geral de cura foi de 94,9%.

Carta pública

No mês passado, o MSF encaminhou ao Inpi uma carta pública sobre o uso de genéricos para o tratamento da hepatite C no Brasil. No documento, a organização humanitária pede uma análise rigorosa e ágil dos pedidos de patente em questão, levando em consideração o impacto que a decisão pode ter sobre a vida de centenas de milhares de pessoas no país que ainda não têm acesso ao tratamento para a doença.

Por meio de nota, o Inpi informou que o pedido de patente está sendo examinado e que, por este motivo, o órgão ainda não pode se posicionar sobre o assunto. Em abril, o instituto divulgou parecer técnico em que faz exigências ao depositante do pedido de patente, cobrando informações complementares. Uma possível aprovação do pedido de patente de genérico para tratamento da hepatite C, entretanto, segue sem previsão para sair.

Ainda de acordo com o MSF, os países que estão obtendo bons resultados na cobertura do tratamento contra a hepatite C são exatamente aqueles nos quais há genéricos disponíveis. O Egito, por exemplo, ofereceu tratamento a mais de 1 milhão de pessoas via sistema público com o sofosbuvir devido à rejeição de patentes-chave e à introdução de versões genéricas de baixo custo. Índia e Bangladesh são outros exemplos de países que vêm tendo bons resultados com a produção e uso dos genéricos.

“A ampliação do acesso a este tratamento para o vírus da hepatite C é crucial para alcançar a meta de eliminação da doença até 2030, assumida internacionalmente pelo Brasil no âmbito da Organização Mundial da Saúde (OMS) e dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Esse acesso só será possível com a entrada dos genéricos, garantindo competitividade e baixo preço, conforme ressaltado na própria Estratégia Global Setorial em Hepatite C da OMS”, destacou o MSF.

Procurado pela equipe de reportagem, o Ministério da Saúde informou que, desde 2015, foram investidos R$ 2,02 bilhões na compra de medicamentos para o tratamento da hepatite C e que a pasta está em processo de aquisição de 50 mil tratamentos.
Doença

A hepatite C é considerada uma doença silenciosa. O vírus contraído pode se manifestar ou ocasionar doenças anos depois. Ela é transmitida por sangue contaminado (em transfusões, por exemplo), ao fazer sexo sem proteção ou pelo compartilhamento de objetos cortantes. O público mais vulnerável são os adultos acima de 40 anos. Quem contrai o vírus pode ter cirrose, câncer e morrer em decorrência dessas enfermidades.

Dados do ministério revelam que existem, no Brasil, mais de 1 milhão de pessoas que já tiveram contato com o vírus da hepatite C e cerca de 650 mil que são afetadas pela doença e poderiam ser beneficiadas pelo tratamento imediatamente. (Agência Brasil/Carta Campinas)