.Por Luís Fernando Praga.

Depois que passei a defender, com veemência, aquilo que meus princípios e valores exigem que eu defenda, muita gente, com outro tipo de princípios e valores, começou a me chamar de “FANÁTICO!”.

Eu virei “petista/petralha fanático”, “comuna fanático”, “esquerdopata fanático”, “idiota fanático” e “lulista fanático”.

Pelo bem da verdade, da história e da língua portuguesa; e a fim de atenuar certas ignorâncias, considero importantes alguns esclarecimentos:

A palavra fanatismo é descrita no dicionário Aurélio como: 1 – Paixão religiosa do fanático; 2 – Facciosismo partidário; 3 – Adesão cega e inconsiderada a um partido, uma opinião, uma pessoa; 4 – Paixão excessiva.

Entretanto: 1-Eu não tenho religião, nada para me prender e me fanatizar; 2- Não sou vinculado a nenhum partido político e sempre votei em pessoas de diferentes partidos, até na mesma eleição, desde que comecei a votar; 3- Eu não aderi cegamente a nada; busco enxergar todas as forças envolvidas nas tensões que moldam nossa atual realidade; enxergo defeitos naqueles com quem concordo e qualidades naqueles de quem discordo e sou flexível para mudar de opinião sempre que isso me parecer o caminho adequado ao meu aprimoramento pessoal e social; 4- Minha real paixão é pela vida e pelas maravilhas que ela me oferece, assim como oferece a todos, na forma de pessoas amadas, de lugares deslumbrantes, de experiências e conhecimentos transformadores e na forma dos clarões de liberdade que dão muito mais amplitude ao tão pouco explorado potencial humano.

Minha paixão é pela vida e pela utopia de uma vida livre, justa e digna, onde as diversidades sejam respeitadas, aceitas e compreendidas como características complementares e agregadoras de uma sociedade saudável ao invés de servirem, como hoje, para excluir pessoas da possibilidade de viver dignamente entre seus irmãos.

É por essas e outras que o termo “fanatismo” não se aplica ao empenho que emprego nas ideias que defendo e na luta que pelejo.

Eu não sou fanático, porque não empurro minhas crenças e convicções goela abaixo de ninguém, apenas as defendo, porque sinto que, dessa forma, a vida pela qual sou apaixonado, a minha vida, a única coisa que é realmente minha, me flui com maior leveza, me ensina mais e melhor, permite que eu me transforme e, principalmente, diminui a chance de que minhas atitudes prejudiquem outras vidas ao redor.

Eu não sou fanático, porque, em caso de discordância política com relação às pessoas que dividem a sociedade comigo, voto no meu candidato e não no candidato das outras pessoas. Exalto as qualidades e até faço campanha para meu candidato, argumentando com quem quiser ouvir, mas jamais imponho ideias e não compactuo com imposições! Jamais jogaria no lixo a escolha democrática de meus compatriotas e jamais forçaria para meu País um governo antidemocrático que não agregasse nada e não agradasse a ninguém!

Eu não sou fanático, porque, historicamente, não há fanatismo que liberte. Todo fanatismo impõe, depois de ter sido discreta e meticulosamente imposto ao fanático. Todo fanatismo é intransigente, opressor, limitante do pensamento crítico, dogmático e, finalmente, violento.

Eu não sou fanático, porque eu quero a paz; e, quem não é fanático sabe, a paz não se impõe nem se faz com guerras. A paz já está dentro de cada um, só é preciso permitir que ela brote, individual e depois socialmente. É preciso permitir que cada um se conheça profundamente, que aprenda a se amar e que então enxergue a magnitude da experiência de estar vivo.

É preciso que cada um entenda que a vida dos outros, apesar de diferente da sua, também deve ser uma experiência rica e magnífica; e que a riqueza e a dignidade das vidas alheias não implicam em prejuízo para a sua vida, mas, ao contrário, representam um acréscimo de qualidade à vida de cada um, representam segurança social e representam que seus filhos crescerão num ambiente onde todos desejarão o melhor para eles e eles desejarão o melhor a todos.

Eu não sou fanático, porque não desejo castigar, me vingar, matar ou prejudicar quem quer que seja, mas desejo que as pessoas aprendam a arcar com suas responsabilidades sociais e históricas, desejo que as pessoas aprendam com seus passos equivocados e com nossos erros, desumanidades, barbáries e injustiças históricas, a fim de que possamos, diante de nossa infinita ignorância, errar como nunca erramos antes e continuar nosso processo de aprendizado, ao invés de vivermos repetindo os mesmos erros infantis e cruéis que têm marcado a espiral da história de nossa jovem espécie.

Eu não sou fanático, porque eu quero eleições diretas e não a ditadura.

Eu não sou fanático, porque eu não quero minha sociedade, agressiva e mal informada que é, portando armas de fogo.

Eu não sou fanático, porque eu desejo que a educação oferecida à minha sociedade ensine a sustentabilidade e não o consumo desenfreado. Quero que ensine a pensar diferente e a criar opções para o futuro, ao invés de ensinar a acatar ordens, decorar dogmas, aprender medos, competir com aliados e repetir o passado. Quero que essa educação de qualidade se estenda generosamente a todos os cidadãos.

Eu não sou fanático, porque não obedeço a uma ordem hierárquica ao defender meus ideais e também não exerço poder hierárquico sobre ninguém.

Eu não sou fanático, porque eu não exijo que se faça a vontade de um deus que nem todos enxergam, mas sou enfático e radical ao defender uma mudança na postura humana diante dos fatos:

Nós já fizemos guerras em nome de deus e continuamos fazendo, já matamos milhões dos nossos, já promovemos o genocídio de povos inteiros que não deveriam ter sido tratados dessa forma. Nós não precisávamos ter aceitado tais guerras, poderíamos ter evitado muitas delas, mas fomos coniventes e deus permitiu toda essa carnificina.

Galileu Galilei foi preso e viveu o resto da vida encarcerado e Giordano Bruno também morreu queimado na fogueira porque as autoridades da época eram avessas aos avanços da ciência e diziam que a violência, o cárcere e as mortes nas fogueiras para os supostos infiéis eram a vontade de deus. Nunca foi a vontade de deus queimar ninguém, mas nós aceitamos calados, para agradar aos caprichos dos poderosos, que nossos irmãos fossem queimados vivos e deus também aceitou.

Também já queimamos mulheres que, em nome de deus, julgamos como bruxas, e hoje sabemos que bruxas não existem e nunca existiram. Poderíamos ter agido de outra forma, porém fomos ignorantes, covardes, injustos e cruéis, e deus permitiu tudo isso. Por que continuamos oprimindo, julgando e tratando as mulheres como seres inferiores?

Recentemente, num belo país tropical, uma horda de políticos corruptos, agindo em nome de deus, destituiu do cargo de presidenta da república uma mulher querida por milhões e eleita democraticamente. Hoje esses políticos corruptos se mantém no poder e os índices de corrupção naquele país atingiram níveis record, a inflação retornou, assim como o desemprego, a miséria e a fome. Deus não fez nada para impedir que seu nome fosse usado em vão ou que aquele país fosse profundamente prejudicado, a não ser nos dar o livre arbítrio na hora de votar, de entender a história, de sentir ou não a dor do outro, de lutar ou de se omitir.

Bilhões de seres humanos ao longo da história foram injustiçados, oprimidos e excluídos das conquistas científicas, médicas e sociais. Bilhões de seres humanos continuam sendo tratados como sub-espécie e morrem das formas mais arcaicas e desumanas, porque as autoridades detentoras do poder vigente os tratam com desprezo.

Não há vitimismo histórico, mas há as vítimas, os algozes e seus cúmplices. Nunca foi “mimimi”, mas sempre foi injustiça social! Ninguém morreu ou morre de fome por vagabundagem, mas por negligência do estado, por preconceito, descaso, ignorância e exclusão!

Nosso sofrimento nunca foi a vontade de deus, mas deus, serenamente, dia após dia, ano após ano, geração após geração, tem permitido que soframos sem limites! Porém, sofremos apenas os efeitos do modo que escolhemos para viver e não podemos mais culpar a deus ou aguardar que ele resolva isso…

Está em nossas mãos, e não nas mãos de deus, amar aos nossos semelhantes e evitarmos novas guerras, desperdiçarmos menos comida enquanto alguém ainda morre de fome, ser menos mesquinhos, mais colaborativos, menos prepotentes e hipócritas, menos assassinos, menos tiranos, menos “justiceiros” e menos preconceituosos e ignorantes.

Eu não sou fanático porque eu não prego nem imponho um modo de conduta perfeito a ninguém; já possuo imperfeições demais e estou ciente de que não quero o fanatismo como mais uma de minhas imperfeições.

Eu não sou fanático, porque minhas imperfeições doem e eu não simulo ser imune e superior à dor de minha imperfeição. Essa dor é a mãe do meu aprendizado, de minha vontade de agir melhor, de querer conhecer quais eram as opções àquela dor e de evitar a dor futura.

Eu preciso estar atento e ciente das minhas imperfeições, porque é a elas que devo me ater e são elas que eu devo corrigir, muito antes de querer corrigir os outros e muito antes de impor uma “perfeição” hipócrita a quem quer que seja.

Eu não sou fanático porque, apesar do peso desse ódio que nossos meios de comunicação espalham pelo ar, que nos comprime no chão e que todos respiramos, eu sei que eu sei amar e desejar o bem.

Eu não sou fanático, porque estou tranquilo com relação à minha morte, que virá como vem para todos. Estou ciente de que não tenho a obrigação de transformar ninguém naquilo que eu gostaria de ter sido; só preciso enxergar bem a vida e viver. Eu estou tranquilo, e nada fanático, por me deixar transportar pelo fluxo das transformações naturais que regem nosso planeta, por não desejar abreviar a vida de ninguém, por não atolar meus pés no concreto do conservadorismo e por não desejar que meus irmãos percam a experiência da vida atados a dogmas antigos e acorrentados a convenções de uma sociedade tão imperfeita.

Eu não sou fanático, porque eu desejo Lula livre e vivendo com dignidade, eu não quero Lula morto, eu não quero Lula e nem ninguém assassinado ou encarcerado.

Eu não sou fanático, mas podem me chamar assim, já que eu também acabo rotulando pessoas dessa forma (claro, amparado pelo dicionário e pela história), mesmo sabendo que elas não gostam nada disso, mas era preciso que eu expusesse meus argumentos.

Aliás, olha como a gente aprende nessa vida: depois de tanto argumento, no final das contas, talvez eu me assemelhe mesmo a um fanático, um fanático pela liberdade de não se permitir escravizar; um fanático pela vida e por suas inúmeras, desconhecidas e surpreendentes possibilidades.

Sim, sou quase um fanático pela plenitude da vida, inclusive, pela plenitude da sua vida, e é só por isso, por desejar o seu melhor, que cuido mais de minha vida que da sua…