.Por Júlio Barroso.

Há exatos 15 anos saía do maior pesadelo da minha vida. Depois de 8 anos, seis meses, 26 dias e 13 horas (Não que estivesse contando…), eu finalmente conquistava a minha tão almejada e desejada liberdade. Sim amigos, fiquei esse tempo todo na cadeia. Assim como o Rafael Braga e milhares de outras pessoas comuns (Principalmente pretxs) fui condenado injustamente por um crime que não tinha cometido. Numa tarde de sexta feira, no fatídico dia 21 de outubro de 1994, fui no Morro Azul no Flamengo comprar um baseado com um amigo. Chegando lá tinha uma fila de “fregueses” pois a boca tava prestes a abrir. A gente conversava animadamente planejando a noite que prometia.

Particularmente estava feliz pois iria à noite no Free Jazz Festival ver o show do James Brown e estava meio distraído quando de repente um moleque com a arma para o alto passa correndo gritando que a polícia tava subindo o morro. Como não ouvimos os fogos, achamos que a polícia estava ainda no pé do morro. Ledo engano. Eles já estavam no morro e a poucos metros da gente. De repente só ouvimos os tiros e todos corremos. Subi uma escadaria perto da fila e quando estou quase no topo, meu braço é violentamente projetado pra frente, jogando o resto do corpo junto. Numa fração de segundo, sinto o lado da cabeça pegar fogo e um córrego vermelho desce pelo pescoço. Levei dois tiros. O primeiro no braço (que acabou salvando a minha vida , pois se não tivesse inclinado pra frente, o segundo tiro teria entrado em cheio na minha cabeça) e o segundo de raspão na cabeça, acima da orelha. Se da cabeça corria um filete de sangue, do braço descia uma verdadeira catarata. Pensei, “fudeu, se eu cair aqui e desmaiar ou algo assim eles vão me matar”. Então vi uma casa com a janela aberta. A dona da casa via TV. Era a reprise de Tieta do Agreste. “To salvo!” pensei e com o resto de forças que tinha arrombei a porta e entrei na casa, fui até onde estava a senhora e a abracei e a tranquilizei dizendo que não era bandido, mas que ela ia ser o minha salvação. Nisso um traficante também entrou na casa e se escondeu embaixo do sofá. Menos de um minuto depois dois policiais civis entraram na casa. Me mandou deitar no chão e mesmo baleado me espancaram ali mesmo na frente da coroa. Acharam o moleque embaixo do sofá que tinha levado um tiro no joelho. Um deles chutou minha cabeça dizendo:

– Filho da puta! Não te matei! Eu nunca erro!

Me revistou e viu minha carteira, Tinha contracheque, cartão de banco, cartão de crédito entre outras coisas. Aí ele se surpreendeu e me perguntou

– Ué você é trabalhador? Afirmei com a cabeça
– Então porque tu correu?

Ah, nessa hora bateu um ódio enorme em mim e fiz a besteira de revelar que meu irmão era defensor público e que eu iria processar ele e o Estado. Não podia ter feito coisa pior.

Depois de muito desenrolo finalmente decidiram me levar ao hospital. Pedi para ele me levar para o Souza Aguiar que era mais rápido, mas ele respondeu que queira mais que eu morresse pois assim eles diriam que tinha trocado tiros com eles. Mas resolveram me levar para o Rocha Maia. Já sangrava há quase uma hora e sentia a vida ir embora. Chegamos no RM e como sempre, não tinha médicos. Para minha sorte, o diretor do hospital viu meu estado e chamou uma equipe que me colocaram numa ambulância que me levou ao Miguel Couto. Não queria desmaiar porque tinha medo da não voltar mais. Já eram quase 16h e o trânsito estava horrível. Mas o motorista era kamikaze. Na maca pensei humorado, “se não morrer de tiro esse cara vai nos matar”.

Finalmente chegamos ao hospital e uma equipe médica já me esperava. Fui sedado e operado durante mais de duas horas. A bala que entrou no braço, correu todo o membro, quebrou o omoplata e desceu parando a centímetros do coração. 2 centímetros para ser exato. Só fui acordar a noite num quarto pós operatório.

Nisso entra o diretor da Delegacia de Repressão a Entorpecentes. Pergunta meu nome. Digo a ele e então ele manda eu assinar um BO. Peço pra ler antes e ele concorda.

No depoimento do polícia que me baleou, ele afirmava que eu estava armado com uma metralhadora e que tinha trocado tiros com ele. E que por isso “foi obrigado” a me balear. Eu ri e disse que era tudo mentira e não iria assinar aquilo. o “Dotô” ficou puto, pegou uma algema, me prendeu à cama e disse;

– Tu não tem irmão defensor e disse que ia fuder meu agente? Vamos ver quem vai fuder quem.

Nessa operação foram apreendidos alguns quilos de maconha, um quilo de cocaína e 3 armas, entre elas esse metralhadora.

Apesar de não ter sido pego com nada, fui a julgamento e condenado a 12 anos e seis meses de reclusão.

7 anos por tráfico de drogas (Não fui pego nem com uma bagana), 5 anos por associação ao tráfico, (mesmo sem ser da boca de fumo) e 6 meses por porte de armas e não fui pego nem com uma gilete.

Essa é a lógica da justiça brasileira.

Hoje 15 anos depois de atravessar o muro de Bangu 4 onde fiquei preso de 1999 a 2003, só posso agradecer aos meus amigos que me apoiaram todo o tempo, à minha saudosa mãe que nunca me abandonou, ao meu irmão que me deu todo suporte necessário para bancar todos aqueles anos e ao meu amigo de infância, irmão e advogado Alexandre Teles que me visitou na Frei Caneca em 1995 quando entrou na faculdade de direito e me disse,

– Irmão eu vou me formar em direito e vou te botar na rua. E cumpriu a
promessa.

Tinha 26 anos quando fui preso. Saí com 35…

Viva a liberdade! (Do Facebook de Julio Barroso)