.Por Conceição Lemes.

Há meses a perspectiva de duas explosivas delações premiadas assombra políticos tucanos e figuras do sistema judiciário e policial de Minas Gerais.

Uma, teve o acordo de colaboração assinado nessa quinta-feira (03/05).

É a do ex-lobista Nílton Antônio Monteiro, delator das listas do Mourão – o mensalão tucano, ou mineiro – e a de Furnas.

O acordo foi entre a Polícia Civil de Minas, representada pelo delegado Rodrigo Bossi de Pinho e Nilton, acompanhado no ato do seu advogado Bruni de César Silva.

A outra delação iminente, cujas oitivas estão em andamento, é a do publicitário Marcos Valério, condenado no mensalão petista e denunciado no mensalão tucano.

Duas bombas atômicas, dizem alguns. Nitroglicerina, comparam outros.

Só que há um porém: o delegado Bossi, chefe do Departamento de Investigações de Fraudes e responsável pela condução das duas delações, foi ameaçado de morte. (Ele também sofreu campanha difamatória)

4 de abril, final da tarde. A sessão especial da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) está quase acabando.

O evento é transmitido ao vivo pela TV Assembleia.

Entre os componentes da mesa, um velho conhecido dos movimentos sociais do Estado, o advogado Willian Santos. Há sete anos ele preside a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil, seção Minas Gerais (OAB-MG).

A cerca de cinco minutos do fim, ele pede a palavra:

Eu acabei de receber aqui no whatsapp uma denúncia de um delegado geral de polícia (…).

O delegado, o doutor Rodrigo Bossi – é bom que fique registrado – está sendo ameaçado de morte com a família pelas investigações que ele está conduzindo na delegacia de fraudes.

(…)

Há uma investigação contra ele que foi colocada na Corregedoria da Polícia Civil pelos delegados Márcio Simões Nabak (…) e César Matoso.

São dois delegados da Polícia Civil já conhecidos da gente há muito tempo, que fizeram e aconteceram neste Estado.

Eu já fiz denuncia contra ele, o primeiro [Nabak], na Corregedoria da Polícia Civil, nada aconteceu.

Hoje (…) à frente dela tem um delegado que se chama [Alexandre] Campbell; a função dele lá, não sei por quê, é abafar as coisas.

(…) de certa forma está atrapalhando a investigação desse delegado [Rodrigo Bossi] que me mandou [a mensagem] agora.

Ele [Rodrigo Bossi] ainda me pediu aqui [para dizer] que se alguma coisa acontecer com ele ou com a sua família, ele atribui a isso (…)

Um mês já se passou. A mídia ignorou.

O Viomundo tentou entrevistar Bossi, ele preferiu não se manifestar por enquanto.

Buscamos então o advogado Willian Santos, para ter mais detalhes da denúncia que fez.

“O doutor Rodrigo Bossi é um profissional sério, ético, competente e corajoso”, diz, de saída.

A denúncia, emenda Santos, refere-se à notícia-crime que Bossi encaminhou à Promotoria de Direitos Humanos do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) sobre as acusações e ameaças dos também delegados Márcio Simões Nabak e César Duarte Matoso.

Há dois anos Bossi e equipe investigam crimes de corrupção nas empresas estatais do Estado.

Os pontos de partida foram a prisão do jornalista Marco Aurélio Carone e as reportagens que publicou no Novo Jornal, sobre os esquemas de corrupção e outros malfeitos nos governos dos tucanos Eduardo Azeredo, Aécio Neves e Antonio Anastasia.

A prisão decorreu de uma ação direta do grupo do senador Aécio Neves no Judiciário e na polícia mineiros, instigados por Andréa Neves, a irmã, e o todo poderoso Danilo de Castro, secretário do governo Antônio Anastasia.

O objetivo era impedir que publicasse denúncias que pudessem atrapalhar a então candidatura de Aécio à Presidência da República.

Carone ficou preso de 20 de janeiro a 4 de novembro de 2014, sendo os três últimos meses incomunicável.

Ou seja, só foi solto após o segundo turno da eleição.

Junto, foi libertado Nilton Monteiro, encarcerado desde 2013, sob a acusação de “falsário” devido às listas do Mourão e a de Furnas, que os tucanos afirmavam serem falsas com base em laudos questionáveis.

“Fui preso e acusado de defender o Nilton Monteiro simplesmente porque eu denunciava o esquema montado na Polícia Civil, no Ministério Público e no Judiciário de Minas para desacreditá-lo e, por tabela, as listas do mensalão tucano e de Furnas, que ele entregou à Polícia Federal, delatando os esquemas envolvidos”, atenta Carone.

“As investigações e perícias posteriores provaram que o Nilton tinha dito a verdade desde o começo”, acrescenta.

Carone ficou sem o NovoJornal, que criou em 2005 na internet e foi fechado no dia da sua prisão.

“A redação foi também literalmente saqueada pela polícia mineira. Computadores, pen-drives, impressoras e documentos apreendidos no ato de prisão SEQUER foram relacionados”, expõe.

Em compensação, foi a partir das investigações do que Carone noticiava que Rodrigo Bossi chegou a Nilton Monteiro e a Marcos Valério, que passaram, então, a revelar os esquemas criminosos de que tinham conhecimento.

“Na notícia-crime, ele fala do caso Nilton Monteiro”, prossegue Santos, enquanto repassa a esta repórter uma cópia do documento de cinco páginas (na íntegra, ao final).

Sobre Nilton Monteiro, Bossi explica logo no começo:

(…) Durante as investigações, chegaram ao nosso conhecimento notícias (…), que dariam conta de um amplo esquema de fraude processual que se utilizou do sistema Judiciário para encobrir as denúncias de corrupção apresentadas pelo delator [Nilton Monteiro] e retirar sua credibilidade.

(…)

Há elementos para crer que esses documentos são verdadeiros e autênticos. Logo, nossas investigações buscam apurar a autenticidade desses documentos muito antes de se chegar à materialidade de crimes de fraude processual ou da autoria destes.

(…) é preciso investigar os fatos para se chegar à materialidade do crime e sua autoria e não o inverso.

A nossa Constituição da República determina que ninguém será considerado culpado senão após trânsito em julgado de sentença penal condenatória.

Por conseguinte, NILTON ANTÔNIO MONTEIRO, em nossas investigações, recebe o tratamento que o Direito Constitucional lhe garante. Ele é nosso informante e como tal vem sendo tratado.

Acontece que, em meados de dezembro de 2017, vazaram do Departamento de Fraudes informações privilegiadas sobre essas investigações.

Entre elas, uma inverídica: a de que Rodrigo Bossi teria pedido a prisão preventiva do delegado Márcio Simões Nabak, que, em 2010, conduziu as investigações envolvendo Nilton Monteiro.

Logo, nos documentos cuja autenticidade é questionada, Nabak é apontado como envolvido.

Porém — como todos sabem –, prisão de delegado sem passar por investigação da Corregedoria-Geral da Polícia Civil é algo impossível.

“Embora o delegado Bossi nunca tivesse pedido a prisão preventiva do Nabak, ele e o delegado César Duarte Matoso partiram para o ataque, recorrendo sempre a essa estória falaciosa”, salienta Santos.

Na notícia-crime, Bossi detalha os ataques, que incluem a ameaça de morte:

 (…) quando, em meados de dezembro, informações privilegiadas acerca de nossas investigações vazam, MÁRCIO SIMÕES NABAK, além de seu cumplice CÉSAR DUARTE MATOSO, inicia seu ataque pessoal a esta autoridade policial e às investigações, utilizando-se para tal da Corregedoria Geral de Polícia, do Judiciário, das Associações da categoria, da imprensa, sempre com a mesma falsa alegação, qual seja, de que investigamos autoridades com prerrogativa de foro, e, não satisfeito, ameaça este subscritor [Rodrigo Bossi de Pinho] de morte.

“Nabak e Matoso chegaram ao ponto de representar na Corregedoria-Geral de Polícia contra o delegado Bossi”, atenta Santos.

Em 22 de dezembro — sexta-feira antes do fim de semana do Natal –, Bossi foi chamado para ir à Corregedoria na terça seguinte, dia 26.

Ocorre que, em 20 de dezembro, ao cumprir mandado de busca e apreensão no escritório de Joaquim Engler Filho, ex-advogado de Nilton Monteiro, ele teve uma grande surpresa:

No escritório, localizamos os autos originais de um inquérito policial desaparecido há mais quatro anos.

Na delegacia, JOAQUIM ENGLER FILHO (…) declarou que recebeu os autos das mãos do delegado MÁRCIO SIMÕES NABAK.

Várias outras provas de fraude processual e de patrocínio infiel foram obtidas na diligência de busca e apreensão.

Em continuidade das investigações, apuramos que o referido inquérito policial, na verdade, era uma duplicidade de outro, que apurava os mesmos fatos.

De acordo com ofício do atual delegado chefe do DEOESP [ Departamento de Operações Especiais], esse inquérito também desapareceu.

 (…) os documentos cuja autenticidade é questionada existiam justamente em autos de inquéritos e processos que desapareceram!

Esses documentos apontam o envolvimento justamente de MÁRCIO SIMÕES NABAK e JOAQUIM ENGLER FILHO dentre outros.

Ou seja, tais documentos são a prova do envolvimento de Engler Filho e Nabak no sumiço de inquéritos e processos de Nilton Monteiro.

O fato foi imediatamente comunicado à Corregedoria de Polícia e as provas entregues ao órgão.

A partir daí, as perseguições a Bossi aumentaram, chegando à ameaça de morte, como ele relata à Promotoria de Direitos Humanos do MPMG:

No dia 08 de janeiro de 2018, recebi um contato, via WhatsApp de um colega muito amigo.

O Dr. JOAQUIM FRANCISCO NETO E SILVA, também Delegado Geral de Polícia solicitava um encontro. Convidei-o para almoçar em minha residência.

Lá, à mesa do almoço, em frente de minha esposa SANDRA FAGUNDES FERNANDINO, o colega delegado transmitiu-nos um recado de MÁRCIO SIMÕES NABAK.

De acordo com o Dr. JOAQUIM, o delegado MÁRCIO NABAK também era maçom – este subscritor desligou-se da Maçonaria há poucos anos – e havia procurado pelo Dr. JOAQUIM.

O recado era o seguinte: “O Dr. MÁRCIO NABAK é muito antigo na Polícia Civil e está se sentindo injustiçado. Ele não admite ser injustiçado nesse estágio de sua vida, nem que seja a última coisa que faça na Polícia Civil”!

 Mas o Dr. JOAQUIM não parou por aí. Ele continuou afirmando, em frente à esposa deste delegado, que as pessoas com quem estava lidando eram perigosas, que essas pessoas matavam.

Rodrigo Bossi pede ação rápida da Promotoria de Direitos Humanos, “notadamente da conduta tipificada como coação no curso do processo, praticada pelo dr. Márcio Simões Nabak contra o subscritor”.

A Promotora de Direitos Humanos do MPMG é a doutora Janaína de Andrade Dauro.

A notícia-crime foi-lhe enviada em 3 de abril.

Nela, o delegado avisa que cópias do documento seriam encaminhadas para Corregedoria-Geral da Polícia Civil, Comissão de Direitos Humanos da OAB/MG e Comissão de Direitos Humanos e Minorias da ALMG.

A doutora Janaína, porém, indeferiu “a instauração de Procedimento Investigatório Criminal”  (na íntegra, ao final).

Entre outras justificativas, ela alega que o recado transmitido pelo também delegado Joaquim Francisco a Bossi e sua esposa, Sandra Fagundes Fernandino, “não se pode considerá-la [a conversa] como verdadeira ameaça”.

Também diz que ” não há indicativos, mesmo  que diminutos, (…) de que a suposta vítima [Rodrigo Bossi] tenha sido alvo de coação por parte do investigado [Márcio Nabak]”. (Texto completo no Vi o Mundo)

Veja vídeo: