“Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos”
(Raul Seixas – “Ouro de Tolo”)

.Por Marcelo Sguassábia.

A disputa com o ex-futuro cunhado no ossinho da sorte, depois do almoço de sábado. O ato de contrição, a confissão, a hóstia, o Cristo vivo e ressuscitado no coração. O vale-ducha do posto de gasolina para quem abastece trinta ou mais litros de segunda a quarta. O lustro com Kaol na prataria, o zelo com o par de abotoaduras, os sapatos pretos e prontos para a reunião da associação de bairro, a imagem de São Cristóvão no retrovisor do Clio.

Vai que um pneu fura, é bom lembrar de calibrar também o estepe. Vai que chega lá e não tem mais mesa, é bom se precaver e reservar com antecedência o lugar para a família no jantar de caridade. Vai que o tempo fecha de repente, é bom carregar sempre um guarda-chuva na maleta. Vai que o chefe resolve chegar mais cedo, é bom já estar a postos, meia hora antes de todos, para não correr o risco. Vai que o cuco não desperta, é bom dar corda até o fim, e assim que endurecer ainda forçar mais um pouco, para dormir sossegado e amanhecer bem disposto.

Deus me livre de dar palpite onde não sou chamado, mas a filha caçula do vizinho anda metida com um tranqueira. Longe de mim maledicência e intriga, mas é mesmo muito estranho um homem temente aos céus andar assim tatuado, com cinco filhos nas costas e patente de major. Olha, não é por nada não – até porque eu nunca liguei para essas coisas – mas que ali tem, isso tem. E como tem. Misericórdia…

Não foi por falta de aviso que a coisa deu no que deu, o quanto que eu alertei! Se conselho fosse bom ninguém dava – vendia; mas como já vi muita água passar por debaixo da ponte, não ia deixar meu compadre ser o último a saber.

Eu posso não ter nem a metade do que esse sacana do meu chefe acumulou tungando os outros, mas quando eu chego em casa eu boto a cabeça no travesseiro com a consciência tranquila. E ele, será que? Nada como um dia depois do outro para ver quem ri por último. Essa lição e esse exemplo eu trouxe do meu pai. Esse sim, sabia tudo.

Quando eu tinha sua idade, também tinha pôster, boina e barba do Guevara. Quando eu tinha sua idade, experimentei mas não traguei. Quando eu tinha sua idade, também queria virar o mundo do avesso. Quando eu tinha sua idade, devia ter perdido menos tempo com bobagem e assistido mais episódios do mundo submarino de Jacques Cousteau. Quando eu tinha sua idade, me segurei e respeitei sua mãe até o casamento. Quando se tem 20 e não se é comunista, o sujeito é mau caráter; quando se chega aos 40 e se permanece comunista, o sujeito é retardado.

Nem adianta eu tentar te convencer agora que você está errado, é só quebrando a cara que você vai mudar de ideia. O tempo vai ensinar. Escuta bem o que eu estou te falando.