.Por Ricardo Alexandre Corrêa.

Não tenho nenhuma consideração pela comemoração da abolição da escravatura. E digo mais, depois dos anos escolares acabei sentindo ojeriza por esta data – 13 de maio. Ainda na escola, as aulas que versavam sobre a escravidão pareciam intermináveis, causando-me desespero devido os olhares de “piedade” das crianças brancas em minha direção.

E não era somente isto, quando terminavam as aulas, aqueles olhares piedosos davam lugar para a ruindade; a molecada começava a vociferar “a sorte de vocês é que ela não assinou a lápis”. Uma ironia sobre a Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, que culminou no fim da escravidão legal no país. Malditos moleques, maldita escravidão.

Depois dos anos escolares comecei a experimentar a violência racial de maneira mais aguda. Involuntariamente, claro. Saiba que em qualquer conjuntura o racismo nunca pede licença, ele se apresenta sempre que os negros buscam a igualdade em direitos com os brancos; seja no mercado de trabalho, política, educação, saúde etc.

E buscar a compreensão de como a sociedade estava me percebendo foi questão de sobrevivência, para tanto a consciência negra passou a ser um instrumento de resistência. Nesse encontro acabei descobrindo que as aulas foram uma invencionice acerca da escravidão, cujo conteúdo é usado em todos os espaços da sociedade desde outrora.

A escravidão fora tratada como um acidente, e que havia atitudes benignas na relação entre senhores e escravos. Oras, o aviltamento dos africanos e africanas com direito ao estupro destas mulheres, pelos colonizadores portugueses, poderia ser considerado como relação benigna?

Ademais, foi ensinado na escola que a abolição da escravidão era resultado da complacência da Princesa Isabel. Antes desta questão, cabe ressaltar que o período escravista estava circunscrito num movimento onde os africanos e afro-brasileiros travaram duras lutas contra os colonizadores durante os quase quatro séculos de escravidão, e que a resistência africana aconteceu de diversas maneiras – contrário disso, nem seria necessário o uso de grilhões e açoites pelos colonizadores.

Sobre a Princesa Isabel, é preciso apontar que ela era parte de um complexo sistema de dominação, portanto a exclusiva vontade individual teria pouca influência. Nesse sentido, a assinatura da Lei Áurea aconteceu como decorrência de um conjunto de fatores: pressões da Inglaterra, ávida em conquistar mercado consumidor; movimentos abolicionistas, pressionando para a eliminação do trabalho escravo; rebeliões de escravos incendiando e fugindo das fazendas, ocorrência de suicídios, formação de quilombos, compra de alforrias, entre outras situações. Importante sublinhar que quando a abolição aconteceu, inúmeros escravos já eram livres, ou seja, mais cedo ou mais tarde, a instituição escravista teria desmoronado.

A história da escravidão deve ser ensinada com todos os sofrimentos inerentes ao período, os movimentos e lutas dos homens e mulheres escravizados, e quais as consequências existentes no pós-abolição.

Inadmissível que, depois de 130 anos de abolição, a história continue sendo um embuste. O Estado precisa assumir a verdadeira história e motivar reflexões em toda a sociedade, sobretudo, nas instituições escolares, ressaltando a dívida histórica com os afro-brasileiros. Caso contrário, continuaremos presenciando o aumento das estatísticas de corpos negros sendo mortos ou partícipes da miséria no Brasil; a população negra ainda carece de cidadania plena.