Ícone do site Wordpress Site

As incertezas estão mais que presentes no cenário eleitoral após prisão de Lula

Análise da política brasileira após a prisão de Lula

.Por Bruno Lima Rocha.

Terminado o pior da ressaca desde o tuíte do general Eduardo Villas Bôas, passando pela sessão do STF que julgou o HC de Lula e o negou e culminando com o decreto de prisão por Sérgio Moro e a entrega do ex-presidente no sábado dia 07 de abril, abrem-se mais dúvidas do que certezas.

Perguntas incômodas
– Teremos eleições gerais em outubro de 2018?
– Haverá pressão e veto das Forças Armadas ou ao menos de partes destas no processo?
– Como será a sucessão do general Eduardo Villas Bôas no comando da Força Terrestre?
– Teremos candidato a Marechal Lott em 2018 e 2019?
– Que peso terá candidatos como Flávio Rocha e Jair Bolsonaro?

Poderíamos ficar listando perguntas cujas respostas são desencontradas, e neste momento, em abril de 2018, impossíveis de serem respondidas. Um fato é inequívoco. O status político do ex-presidente Lula se equipara ao de Getúlio Vargas, com todos os seus méritos, limitações e contradições. Daí que o posicionamento do nacionalismo popular, trabalhismo, centro-esquerda, esquerda eleitoral e esquerda classista gira e gravita de forma mais ou menos próxima ou distante da figura.

Isso também ocorreu com Getúlio, mas sem a curva descendente de seu partido, o antigo PTB, ao contrário do que hoje ocorre com o PT. Lula, mito sem partido com a mesma penetração, logo, legado em disputa, ainda que o mito esteja em vida e falando.

As cenas de São Bernardo em frente ao Sindicato dos Metalúrgicos do ABC transcendem a vontade ou a decisão de não resistir e fragmentar de vez a hoje frágil institucionalidade brasileira. E por aí seguimos em raciocínios mais prolongados em futuras postagens. Vai ser difícil retomar o ordenamento da Constituição de 1988, mesmo porque hoje, importantes setores dos estamentos do Ministério Público, da Magistratura, dos delegados da PF e da oficialidade de alta patente, ou não o querem mais ou a minoria que fala aparenta falar pelas instituições.

Assim morreu, de morte matada, o Estado Social de Direito que consta no texto constitucional. Terminou, por assassinato, o ciclo onde o aparelho de Estado intermediava – de forma seletiva é verdade – as reivindicações sociais e tolerava apenas – pelo seu perfil de classe – maravilhosos textos normativos de caráter legal, tais como o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e o fantástico Estatuto das Cidades.

Desde sempre se soube e se sabe. Os direitos são de quem os conquista e de quem os exerce. Mas ainda assim há uma diferença substantiva em ter direitos reconhecidos – ainda que parcialmente materializados – e não ter mais direitos reconhecidos, como ocorreu com a famigerada “reforma” trabalhista. Melhor seria “desatucanar” a linguagem e assumir; “a restauração anterior aos anos ’30”.

Que sirva de lição. As direitas brasileiras não são “liberais conservadores vitorianos”, não mais. Talvez os barões da mídia, e ainda assim às vezes. Aqui levaram Vargas ao suicídio e prenderam Lula. Ou seja, combatem os conciliadores, os que buscam um centro e um consenso nacional. O que pretendem com a massa, o povo, com as maiorias? Palmares e Pindorama caminharão por um lado e os herdeiros dos Orleans e Bragança, da República dos Coronéis e dos Neocolonizados tentarão pisar nos nossos calcanhares. Simples e terrível assim.

É possível uma política de governadores?

A visita de nove governadores (das regiões Norte e Nordeste) e mais três senadores à Curitiba, tentando fazer uma homenagem e reconhecimento da condição de Lula como preso político esbarrou na Execução Penal. Ou seja, por mais legítimos que sejam os poderes da república e os poderes Executivos subnacionais, não houve caso. A magistrada não permitiu a visita!

Imaginem se Lula tivesse optado por “esperar” o decreto de prisão em um estado governado por um correligionário ou aliado? O que poderia acontecer?

Teria capacidade o governo Temer de decretar Intervenção Federal em mais dez estados membros da União? Falo União, pois me parece um “sacrilégio” denominar o Brasil como federação. Mas, voltando, seria possível fazer uma política de governadores a partir de 2019? E se esta não for feita, o novo presidente ou presidenta, caso venha do trabalhismo, centro-esquerda ou esquerda eleitoral, manterá a relação assimétrica onde o Poder Executivo atua como equivalente da Alemanha para a União Europeia?

Sendo muito franco, não vejo como quebrar as amarras da centralidade e do fato da Política estar como refém do Banco Central e do Conselho de Política Monetária sem quebrar as bases do Presidencialismo de Coalizão ou do Quase Parlamentarismo.

Como sempre é possível que esta manobra parlamentarista venha a ser tirada da gaveta, logo, as relações para além das bancadas no Congresso ou o constrangimento do estamento togado e MP, precisaria de duas vias, que podem ser ou não complementares:

– Uma via, a mais institucionalizada, não poderia ser tão “institucional” assim, pois deveria ancorar-se na repactuação de dívida com a União e a política de autonomia dos estados, hoje em sua maioria estrangulados pelas regras draconianas onde a União é o pagador de última instância e de maneira muito muito irresponsável, internacionaliza a dívida entre níveis de governo.

– A outra via, a qual me inclino ideologicamente, implica em mobilizar as forças sociais ainda vivas, ou dar vazão para estas forças, de modo a disputar palmo a palmo com a reação, em todos os níveis possíveis. Tal relação pode ser mais ou menos ordenada com o novo mandatário ou mandatária, ou simplesmente siga de forma “ordenadamente independente, respeitando a autonomia do movimento popular”. Esta segunda versão, novamente, é a qual me inclino.

O problema é assumir os dados de realidade. Existe um excessivo protagonismo de estamentos do Estado, algo que na década de ’50 até o golpe de ’64, ou durante o período que vai da queda de Vargas em ’45 (e o Movimento Queremista) até o 1o de abril de 1964 – e caso queiramos esticar a linha, até o 13 de maio de 1968 – as elites políticas civis sempre contaram com setores militares mais ou menos alinhados à constelação de partidos majoritários da época, indo do PCB a UDN. No decorrer deste período, a formação de dois setores militares, dois “partidos-facções” interna corporis (como a “Sorbonne” X “Linha Dura”) girou o polo da centralidade, sendo quase tudo resolvido dentro do próprio estamento. Hoje, além do retorno paulatino do generalato à vida política – ao menos através de comunicações oficiais e no auxílio ao governo ilegítimo – tivemos uma experiência nova. A “república dos bacharéis” criou seu novo-velho estamento, marcadamente alinhado com aventureiros, meritocratas, orientados politicamente pelos EUA e com privilégios quase de mandarinato ou de janízaros do decadente Império Otomano. Mas, ao contrário dos militares, magistrados e procuradores não têm uma centralidade nem política e tampouco com hierarquia tão definida.

Logo, tudo fica mais difícil; a política está a jato, cada vez mais as camadas sociais baixas são receptoras de comunicação política viralizadas e sem intermediários sólidos; e temos bolhas bastante difíceis de serem ultrapassadas. No meio deste embate sem fim, qualquer postagem pode ser criminalizada, o que implica uma campanha com um dedo digitando e um alerta no jurídico. Ao contrário dos anos ’50, fica mais difícil abrir cunhas no Poder Judiciário, embora esta agenda seja urgente.

Parece absurdo tamanho retrocesso em tão pouco tempo. Talvez possamos afirmar: aqui jaz a Constituição de 1988 e o Estado Social de Direitos (de 4a geração). Agora é tudo de novo e em bases sociais novas. E haja fôlego.

Concluo esta breve série passando por temas de risco, antecipando cenários eleitorais possíveis
Primeiro: não há um grau de certeza, quiçá de favoritismo, mas hoje podemos afirmar – no período pré-eleitoral – que as chances de Jair Bolsonaro, concorrendo através do PSL e com o até agora declarado apoio do empresário da fé alheia Silas Malafaia, são muito grandes.

Segundo: com ou sem este favoritismo, Bolsonaro tem ao redor de 15 a 20% de apoio estimado, mais o entusiasmo de suas bolhas autoconvocadas, colocando o conflito em uma dimensão que ultrapassa o nível simbólico.

Terceiro: o evento do “suposto pescotapa” (na era da pós-verdade, este é um absoluto, a suposição do fato quase ocorrido) onde o produtor audiovisual ligado ao MBL coloca sua bateria virtual e distorcida contra o pré-candidato do trabalhismo, Ciro Gomes, em evento empresarial na PUCRS (abril 2018). Isto implica no reconhecimento – por parte dos recursos disponíveis para a direita mais entreguista – da capacidade de Ciro disputar o “centro da política” e galvanizar os votos orientados pelo empresariado brasileiro restante, incluindo o agro, através da adesão da senadora Kátia Abreu (TO) no PDT.

Quarto: o debate antecipado, onde a centro-esquerda pode fechar já no primeiro turno o mal menor e adiar a transferência de votos de Lula para seu preposto (talvez Fernando Haddad). Neste sentido, na disputa desesperada entre a sobrevivência e a coerência, é possível que o PT opere como fiador da não agressão entre o aliado PC do B e o partido que fez oposição por esquerda, o PSOL, e ao mesmo tempo, cave uma posição de vice na chapa encabeçada por Ciro.

Quinto: teremos possivelmente duas campanhas simultâneas por esquerda. Uma, àquela que faz o embate anti-fascistas e anti-liberal, sendo ou não esta campanha protagonizada por legendas eleitorais ou esquerda classista – dentro e fora das eleições. Ao mesmo tempo, um comprometimento cada vez maior com a reversão das medidas que nos retiraram direitos constitucionais, a começar pela PEC do Teto dos Gastos, que de fato passa por cima de uma cláusula pétrea do controle social do orçamento.

Sexto: o tema do bonapartismo pode estar presente através da possível candidatura de Joaquim Barbosa, puxador da fila de uma série de futuras iniciações de egressos de carreiras jurídicas e com protagonismo na magistratura como no MP. Barbosa complica todo o cenário e pode gerar um reforço no sistema de crenças no ativismo judiciário como fonte de soluções extra-políticas. Assim, o absurdo da condenação sem provas na Ação Penal 470 (a do Mensalão) pode fazer da falha virtude na urna eletrônica.

Sétimo: as articulações do arrivismo do STF – com o ativismo a pleno pulmão -, da reinterpretação da Constituição segundo a pressão da opinião publicada e a existência de facto da “República de Curitiba” pode criar o antagonismo necessário para alguma solução extra-eleitoral ou extra-política. Esta “solução” pode ocorrer tanto no segundo semestre de 2018 – com uma pouco provável candidatura de Lula ou de candidatos mais à esquerda – como no primeiro semestre de 2019, na prática e em conluio com as oligarquias do Congresso, isso sem contar com as possíveis pressões da caserna.

Concluo dizendo que o mais temerário de fazer análise ao correr dos acontecimentos é ter pouca precisão. O inverso é mais perigoso. Ao não fazer, corremos o risco de só debater fatos consumados, verdades pós-fatos depois que quase tudo foi perdido justo por quase ninguém arriscar quase nada. Os tempos são complicados mesmo, mas é preciso seguir adiante, com rigor analítico e fervor pela causa do povo.

Bruno Lima Rocha é cientista político, professor de relações internacionais e de jornalismo
(www.estrategiaeanalise.com.br / estrategiaeanaliseblog.com

Sair da versão mobile